Sociedade

Traição, o início depois do fim

Traição, o início depois do fim
ilustração Alex Gozblau

Trair é quebrar a confiança com quem se partilha a vida. Mas obriga também a olhar para dentro, a ir ao chão e erguer-se. Sozinho ou em casal

Carolina Reis (texto), Alex Gozblau (ilustrações)

Subitamente, um abalo atingiu Catarina. Por uns segundos, o mundo parecia estar todo a tremer. Talvez dentro da sua cabeça estivesse mesmo. O coração estremeceu. Sentiu-o frio. E uma raiva enorme atravessou-lhe o corpo, seguida por um “calor de ódio e desgosto”. Coração frio, cabeça quente. Tinha acabado de saber que o namorado de 11 anos, com quem vivia há mais de três, a andava a trair. O verbo soou-lhe a nojo.

Uma mentira descoberta levou a outra e ao desfecho que nunca lhe passara pela cabeça. João não era, afinal, a pessoa fiel, aquele em que sempre tinha acreditado. E, ao mesmo tempo que ela descobria o pecado dele, João sentia também um abalo. “Tremi a sério quando lhe atendi o telefone e percebi pelo tom de voz que ela sabia”, conta para descrever o momento em que foi apanhado.

Ela ficou a duvidar de si própria. E ele teve a certeza de que não seria visto da mesma maneira. “A traição é uma situação que vai deixar marcas nos três: traidor, traído e amante. É uma recordação difícil”, diz Catarina Mexia, psicóloga e especialista em terapia de casal.

Ironia da vida, um momento que nasce do desejo e se alimenta da sedução termina numa dor que se alastra em, pelo menos, três pessoas. São poucos os que consegue compartimentar a vida, sem que as suas diferentes facetas se toquem. Sem que trair ou ser traído seja um problema.

Para a maioria, uma traição é equivalente a uma situação de stresse pós-traumático, com sintomas semelhantes aos de quem passa pela guerra. Os tremores, a falta de sono, o medo de que o caso se repita, o isolamento social fazem parte dos dias a seguir. Porém, aqui há um elo importante que se quebra: a confiança. “É o mais difícil de recuperar”, sublinha Francisco Allen Gomes, psiquiatra e sexólogo. Perde-se a confiança no parceiro e a confiança no futuro, em voltar a acreditar noutra relação.

É o momento em que se vai ao fundo. Depois recomeça-se mas não se continua. Catarina e João caíram ao chão. Levantaram-se, só que não foi a partir do ponto em que tinham caído. Tiveram de olhar para dentro, olhar frente a frente e só depois decidiram imaginar o futuro. Nunca mais voltaram ao que tinham ou ao que eram antes. “É como se fosse uma nova relação. E eu sinto-me uma nova pessoa. Sinto-me como alguém que conseguiu superar um momento difícil”, conta Catarina, agora grávida de 32 semanas do primeiro filho do casal. João nunca mais guardou sentimentos dentro de si. Aprendeu a viver com o peso na consciência, transformando-o numa lição de vida que não quer repetir. Teve dificuldade em perceber o que o tinha levado a trair a pessoa que amava. A custo percebeu que a razão estava dentro de si, foi ele que se deixou afastar e achou mais fácil lidar com isso tendo uma “aventura”. Como se isso lhe desse outro “sal” à vida.

Catarina ficou parada no tempo, muito tempo, até conseguir encarar o futuro. João teve pressa e quis rápido andar em frente para voltar atrás, ao que tinham tido até ao momento em que pisou o risco. “Como tinha chegado até ali? Porque não parei as coisas a tempo? Porque não menti melhor? Como a faço esquecer isto? Será que posso voltar a ser a mesma pessoa, aos olhos dela? Tinha um monte de perguntas na cabeça às quais não conseguia responder”, recorda João. Na cabeça de Catarina, dominada por mistura de raiva e tristeza, as dúvidas eram outras. “Queria saber se era alguma coisa que eu tinha feito. Mas também tinha a certeza que a culpa não era minha. Queria saber se era a primeira vez. Mas também tinha medo de ouvir a resposta. Queria atirá-lo pela janela, apertar-lhe o pescoço, que ele desaparecesse. Mas também queria muito que ele viesse a mendigar, a pedir desculpa”, conta.

Os dois queriam que passasse os sentimentos um do outro. Queriam que a dor passasse rápido. E que os diferentes caminhos que estavam nas suas cabeças se materializassem. Hoje, os dois garantem que estão melhores. Ultrapassaram, mas sem esquecer.

Antes de saberem se queriam seguir em frente juntos ou separados, fizeram terapia individual antes de começarem a fazer em casal. Nesse caminho, descobriram também coisas sobre si próprios que achavam já estar ultrapassadas. “Nunca fica nada igual. Há coisas que ficam diferentes. Melhores? Piores? Depende muito se foi a pessoa que revelou ou se foi apanhada”, defende Francisco Allen Gomes.

O momento em que se descobre é o ground zero. O ponto em que tudo vai abaixo, em que o traído, o traidor e o amante se destroem. E é a partir daí — quando os segredos acabam — que os três se começam a reconstruir.

ilustração Alex Gozblau

É importante a forma como a traição é revelada, mas mesmo que não seja, e que o traidor decida parar, é importante que perceba o que o levou até ali. “Se não contarmos também podemos trabalhar de forma individual, é intenso mas não temos de levar com o impacto que o nosso crime teve no outro. Muitas vezes isso não acontece e não é recomendado”, diz Luana Cunha Ferreira, psicóloga, terapeuta familiar e professora na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa.

Várias correntes da psicologia e da terapia de casal têm tentado definir os momentos pós-traição. William Doherty, da Associação Americana de Terapia Familiar, divide-os em três. Um primeiro momento em que há um renascer da esperança, seguido por uma culpabilização no outro e, por fim, o casal estará pronto para reconstruir a relação. Esther Perel, uma psicoterapeuta e nova guru de relacionamentos conhecida pelas suas virais “Ted Talks”, defende que é possível ter uma relação feliz e duradoura depois de uma infidelidade. “Costumava ser o divórcio que carregava todo o estigma. Agora, esse estigma está quando se escolhe em ficar quando se pode sair. Isso é a nova vergonha”, escreveu no livro “The State of Affairs: Rethinking Infidelity” (O Estado das Relações: Repensar a Infidelidade, na tradução literal).

Os livros de autoajuda dão as respostas óbvias: admitir o erro, pedir desculpa, perdoar. Porém, nenhuma relação é assim tão linear. Não há um mapa de dicas a seguir que funcione para todas as pessoas de maneira igual. “O admitir a culpa pode ser vazio. É como as desculpas, se não tiver uma grande disponibilidade para trabalhar a fundo essas questões, então...”, sublinha Luana Cunha Ferreira.

Catarina e João tiveram de começar a trabalhar pelo início. De como eram antes de chegar até ali. Tiveram de parar e olhar para dentro, só depois se sentiram capazes de voltar a olhar o futuro a dois.

Um encontro procurado através da internet, num site para relações extraconjugais, tinha levado João a consumar o que a princípio pareciam ser desejos inofensivos. Mas o desejo foi puxando pelo desejo. E o caso tornou-se real. Pensava que desde que não fosse apanhado não haveria problema. Mas aqueles “cinco” segundos em que tomou a decisão de passar das palavras aos atos haveriam de ter repercussões até hoje, quase três anos depois do “que se passou” (as palavras que continuam a usar para descrever a traição).

“Lembro-me muitas vezes. E é como se voltasse a sentir o mesmo abalo”, conta Catarina. Os dois contam que encararam a realidade, o que foi “duro”, discutiram e falaram muito antes de tomarem a decisão de seguir em frente. Só que o “que se passou” acaba por estar sempre lá. Nem que seja nas suas cabeças. “A crise é uma oportunidade para reverem a sua forma de comunicar. De as pessoas verem a sua individualidade, de aprenderem a discutir, de fazerem hierarquias das necessidades que têm de pedir ao outro”, diz Catarina Mexia.

O processo de recuperação é difícil e nem sempre corre bem. Mas a maioria dos especialistas concorda que quando corre bem, corre mesmo bem. “Hoje em dia é mais difícil esquecer. Com as tecnologias está tudo muito revelado, veem mensagens nas redes sociais, frases, fotografias. Veem escrito o que se disse à outra pessoa”, defende Francisco Allen Gomes.

Nos primeiros minutos em que aquele dia vem à memória de Catarina, é como se andasse atrás no tempo. E sentisse, de novo, o mesmo abalo. Fica atordoada, com raiva, com desgosto, desesperada, triste. Recorda-se muito bem daquela noite. Soube-o por acaso. Pensava que o companheiro estava em mais uma noite de trabalho, que nos últimos três meses se tinham tornado mais frequentes. O telefone dele ficou sem bateria e, no desespero, um colega manda-lhe mensagem no Facebook, a explicar que precisava mesmo de falar com João. “Foi como se alguma coisa despertasse. Era estranho.” Ligou aos amigos mais próximos e aos sogros como descargo de consciência antes de se mentalizar que deveria ficar desconfiada. Não pensou o pior, como a família. Durante cinco horas, amigos e familiares ligaram para os hospitais a pensar que só um “acidente”, um “rapto” ou uma “morte” podiam justificar aquela ausência. “Eu não vi os sinais. Agora, talvez até consiga dizer quais eram. Em que momentos a nossa relação vacilou ao ponto de nos afastarmos. Na altura, achava que estava tudo bem. Que nos tínhamos afastado e estávamos cansados por causa do trabalho e das mil e uma solicitações que tínhamos, mas que éramos tão fortes que íamos sempre resistir.”

Já há algum tempo que João sentia que o que estava a acontecer era impossível de ser realidade. Quando carregou o telemóvel e viu as chamadas não atendidas, soube que ela sabia. “Não me senti apanhado, senti que tinha ido longe demais e lhe devia contar.” Mas não foi imediato. Começou por tentar dizer outra mentira. E quanto mais falava, mais a situação se tornava evidente. “Percebi que era a hora de acabar. E de contar à Catarina.”

Nova tempestade de emoções. Choros, gritos, acusações. As portas de casa fechavam-se com força. Ela ferida, incapaz de voltar a confiar. Arrependida de o ter escolhido. Ele com medo de a perder. A tentar justificar os atos. Ela contou à família e aos amigos. Ele queria guardar segredo. Ela fechou o quarto à chave. Ele fez a mala para sair mas nunca se foi embora. Ela culpava-o todos os dias. As desculpas dele pareciam conversa para a deixar de ouvir. Aquela casa parecia abalada por um tremor de terra.

Dificuldade em olhar ao espelho

Os dois olhavam duas vezes para a pessoa em frente ao espelho, à procura de se reconhecerem. Uma violência maior que a traição. Precisaram de alguém que mediasse aquele conflito. Foram para terapia individual e em casal sem certezas.

“A culpa era minha, mas eu também não me conseguia explicar. A Catarina não ouvia, não me deixava sequer dizer que estava arrependido”, recorda João. Ele queria que ela o perdoasse e que “tudo aquilo” passasse rápido. Ela queria magoá-lo. Para Catarina a justiça só começava quando ele se sentisse no mesmo lugar de raiva, ódio, desgosto e tristeza em que ela estava. Ainda hoje não sabe explicar como lhe disse que precisavam de ver se era possível voltar a tentar. Nunca lhe passou pela cabeça que uma traição pode ser o início de alguma coisa.

“É possível recomeçar de novo e já vi isso acontecer à minha frente, em consultório. Mas é um recomeçar a partir daquele ponto. Não é um recomeçar de novo. Tem as suas marcas”, frisa Luana Cunha Ferreira.

ilustração alex gozblau

Tal como a maioria dos casais que trai e é traído, Catarina e João também quiseram ficar juntos. Dois meses depois da terapia que começaram sem “expectativas” perceberam que queriam continuar a tentar. Só ali se conseguiram ouvir um ao outro. “O terapeuta é competente para conter emoções dentro da sessão. E as pessoas sentem mais conforto em abrir-se e entram nas questões mais a fundo”, continua Luana Cunha Ferreira.

Naquele espaço seguro deixaram de estar em guerra. Ele multiplicava-se em pedidos de desculpa. Já tinha percorrido a família e os amigos mais próximos — a mando de Catarina — a fazer o mea culpa. Ela queria saber todos os pormenores: quem, onde, quando, como e quantas vezes. “Na altura imaginei-a inferior a mim, como nos filmes. Queria saber quem era.” Quando a viu nas redes sociais e percebeu que era uma mulher como ela — uma professora universitária com carreira e provas dadas — ficou pior. Um novo abalo atingiu-a.

“Não há necessidade de saber tudo. É pior, torna mais difícil de esquecer, mas a pessoa traída quer sempre saber tudo o que o seu companheiro fez com a outra pessoa”, diz Francisco Allen Gomes. Hoje, com a vida exposta nas redes sociais, torna-se mais difícil saber só o essencial.

À medida que a verdade se vai descobrindo, a dor vai aumentando. A confiança diminuindo. E a culpa ficando cada vez mais pesada. “É difícil quando o traidor pensa que se está a ultrapassar o problema e, de repente, o traído recoloca o problema em cima da mesa”, diz Catarina Mexia.

João sentiu-se assim várias vezes. A culpa era dele, foi do seu desejo e vontade que nasceu aquele abalo na relação, aquela dor na pessoa que tinha escolhido para sua companheira, mas não deixava de pensar que Catarina o castigava de propósito. “Quando eu achava que estávamos a conseguir seguir em frente, ela atirava-me à cara. Às vezes do meio do nada, como aconteceu um dia nas compras do supermercado. Outras vezes era de noite, quando nos deitávamos. Acho que as consultas do primeiro ano de terapia começaram sempre com acusações.”

Catarina estava destruída e só ao fim desse tempo percebeu que João também. Foram à guerra e regressaram devastados das trincheiras. “Os traidores não voltam a conseguir olhar para eles próprios como dantes. Quando têm consciência do impacto que tiveram nos outros, a imagem sobre si alterou-se. Se acreditam que a monogamia era importante, então precisam de fazer o luto dessa crença”, explica Catarina Mexia.

Com muitos casais, a terapeuta usa uma técnica, o EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing, em português Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares). É uma abordagem criada por Frances Shapiro, uma psicóloga americana, para ajudar a ultrapassar situações de stresse pós-traumático.

Altos e baixos

Na terapia, há um árbitro que não deixa o casal passar as linhas vermelhas. “É importante perceber o que aconteceu. Dar informação suficiente, mas não é para estar a escavar tudo o que aconteceu. Pode-se abrir as portas para o resto do caminho. Nas primeiras sessões pode-se trabalhar essas questões. Este é um processo de altos e baixos e não é sempre consistente. A dada altura, pode haver um telefonema que se ouve e que se fique logo a achar que já é de novo traição”, diz Luana Cunha Ferreira.

É importante existir um mediador, mas não é obrigatório que seja um terapeuta. Pode ser alguém em quem se confie, como um padre. “Não convém que sejam amigos. Os amigos não têm esse discernimento. Às vezes, envolvem-se em situações dúbias ou demasiado próximas, são bons ouvintes mas têm de ter mais distanciamento”, frisa Catarina Mexia.

Cada caso é um caso. E cada casal tem a sua história. A de Margarida e Pedro teve o mesmo fim que a de Catarina e João, mas conta-se de maneira diferente. Ele estava cansado daquela relação de tantos anos, nada de diferente se perspetivava no caminho. Achou graça a uma colega no trabalho. As trocas de mensagens foram apanhadas por Margarida e Pedro garantiu-lhe que não era nada. Ela fechou os olhos, em nome da relação e dos dois filhos pequenos. As mensagens continuaram e deram lugar a jantares. Os jantares passaram a anteceder meia hora de sexo. “Era só isso e não havia motivos para preocupações”, diz Pedro. Um dia, perto da crise de meia idade, achou que, afinal, estava apaixonado. Chegou a casa e contou. Estava dividido entre dois mundos, aquele em que vivia uma vida feliz com os filhos, e outro onde era feliz sozinho. Margarida deu-lhe tempo para pensar. “Senti o meu mundo a abanar, mas nunca pensei que fosse ruir”, conta.

Pedro saiu de casa e foi viver com a terceira pessoa, apanhada de surpresa. “Penso que devia ter ficado algum tempo sozinho. A nova relação, feita à pressa e com filhos dos dois lados, rapidamente se tornou um stresse. E sofreu o primeiro abalo quando Pedro começou a achar graça a outra colega do escritório. Era o passado a acontecer de novo. Margarida estava à espera. Passou pela raiva, ódio, desgosto e tristeza, mas quis “lutar por Pedro”. Ao fim de um ano, ele estava de volta a casa.

“Há casais que ficam pelos filhos. À partida, o que os traz não é o sonho da relação per se, é o que a relação pode dar aos filhos, pelo menos, até serem maiores, tenho ouvido isso. Às vezes, até pode ser um bom aliado para o casal não desistir logo”, diz Luana Cunha Ferreira.

Pedro, que sempre achou que tinha razão, que estava a seguir o direito de ser feliz, percebeu que tinha algo para resolver. “Devia ter tentado perceber o que tinha quando comecei a mandar mensagens da primeira vez.” Primeiro tomou antidepressivos, porque achava que resolvia as questões se se acalmasse. Só quando teve noção de que estava a tomar decisões que influenciavam tantas vidas sem ter certezas — sair de casa e voltar, começar uma relação e terminá-la com a mesma rapidez — percebeu que não era pessoa que conseguisse compartimentar a vida. Não era homem para vidas paralelas, pelo menos, sem o peso da responsabilidade. E foi aí que o seu mundo abalou. Teve de olhar para dentro, perceber o que se passava dentro de si e projetava nas suas relações. Descobriu uma insegurança que vinha de longe. “Precisava de validação e as trocas de mensagens eram uma massagem no ego.”

Do outro lado da sua vida — como se fosse personagem secundária da trama — a terceira pessoa passava de amante a mulher e de mulher a ex-namorada quase sem perceber o rumo dos acontecimentos. “Tenho noção que lhe fiz mal. Nunca mais falámos e tenho a certeza, agora, de que fiz bem em voltar para casa. Mas esse peso ainda me pesa nos ombros, é outra culpa.” Na pressa de voltar atrás, Pedro acabou por continuar a magoar pessoas. A pessoa com quem tinha quebrado o elo de confiança entre si e Margarida sentia agora que também o seu elo de confiança tinha sido partido.

O direito da terceira pessoa

“Já não há outra ou outro. Isso mudou. A terceira pessoa é quem ama e que reivindica para si o direito a ficar com a pessoa [o traidor]”, defende Francisco Allen Gomes.

Mónica foi uma terceira pessoa. Ou melhor, “alguém que contra todas as convenções tentou ficar com o amor da sua vida”. Frase feita para descrever uma luta dolorosa. Não conta os momentos em que “desceu mais fundo”. Como quando — já depois da traição ter sido revelada — enviou fotografias de momentos íntimos à mulher do amante. Ou a quantidade de vezes que mandou SMS e ligou aos dois, recebendo de volta ameaças de queixas na polícia. Nem aquele dia em que esteve parada à porta do prédio do casal, quase a ceder à tentação de tocar à campainha. Foram meses a reviver uma relação que considerava ser a melhor de sempre

“Tive de fazer muita terapia a seguir. Perceber porque queria ser subjugada e amada por uma pessoa que me queria para número dois, só para preencher os momentos vazios.” Antes de lidar com o fim da relação, teve de perceber o que a tinha levado até ali. Descobriu que na origem de tudo estava uma enorme falta de autoestima.

Tal como não há padrão para quem recupera de uma traição, também não há uma só explicação para quem se sujeita a ajudar a trair. Contudo, o nível de autoestima é um traço comum. “São pessoas que estão em situações depressivas. Têm uma fraca autoestima, que já vinha de trás. Muitas vezes, são pessoas que estão num dilema. Por um lado, a outra pessoa quase de certeza não vai ficar livre, embora as promessas sejam muitas, e querem que optem por elas, querem sentir-se importantes. Mas por outro lado, isso ia obrigá-las a fazer uma escolha de um estilo de vida”, explica Catarina Mexia.

Para Francisco Allen Gomes, a terceira pessoa já não sente a culpa que sentia antigamente. “É alguém que luta pelos seus direitos, o direito a ser amado.” Mónica sentiu uma culpa responsável pelo seu sofrimento. Só quando teve noção de que aquela situação, aquela mágoa e raiva, eram da sua responsabilidade é que sofreu um abalo. Um sentimento que lhe ficou na memória e ao qual regressa sempre que tem dúvidas em envolver-se na próxima relação. “A traição também foi para mim uma marca.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate