O que devemos fazer se formos apanhados por um incêndio? Guia de perguntas e respostas
PAULO CUNHA
O estado de calamidade pública foi decretado. Os próximos dias serão de muito calor e de elevado risco de incêndio. Este é um guia para saber o que fazer para se prevenir e como agir na eventualidade de as chamas se aproximarem
O Governo decretou o estado de calamidade pública, que já está em vigor. “Existe sempre que se verifiquem acontecimentos graves, provocados pela ação do homem ou da Natureza, os quais, atingindo zonas delimitadas e causando elevados prejuízos materiais e eventualmente vítimas, tornem necessário, durante um período de tempo determinado, o estabelecimento de medidas de caráter excecional”, assim define o Decreto-Lei nº477/88. A decisão de foi tomada num despacho assinado pelo primeiro-ministro e pela ministra da Administração Interna devido ao elevado risco de incêndio e ao agravamento das condições meteorológicas. Mas na prática, o que deve fazer cada um de nós? E como podemos proteger-nos no caso de as chamas se aproximarem?
O que deve fazer e evitar
Para prevenir um incêndio, uma das primeiras coisas a fazer é limpar os terrenos em redor “das casas, quintas e de quaisquer outros bens”. Não deve existir mato rasteiro num raio de 50 metros. No caso das árvores, os ramos não devem estar a menos de cinco metros de distância
“Fazer a limpeza do mato não significa cortar árvores. Quando se fala na limpeza é relativamente ao mato fino, ou seja, a vegetação mais rasteira, que permite a propagação das chamas”, explica Ricardo Ribeiro, presidente da Associação Portuguesa de Técnicos de Segurança e Proteção Civil.
Caso o terreno de um vizinho não esteja devidamente limpo, pode (e deve) alertar as autoridades competentes, como por exemplo, a Guarda Nacional Republicana (GNR). Estão ainda completamente proibidos todas as atividades que envolvam fazer lume junto das florestas (lançar foguetes, fazer fogueiras, etc.).
Cuidados a ter
A exposição solar deve ser evitada. Sobretudo nas horas de maior calor, entre as 11h e as 16h. Caso seja mesmo inevitável, então deve ser sempre colocado protetor de fator 50. Especial cuidado com os grupos considerados de risco: crianças e idosos.
A nível alimentar, deve-se comer muitos legumes e beber muita água, para assegurar a hidratação. Pelo contrário, deve ser riscado da lista o café e as bebidas açucaradas.
Nas áreas em que foi decretado o estado de calamidade, os cuidados devem ser redobrados. “Nesses locais há condições extremas. No entanto, todo o país está, no mínimo, com alerta amarelo”, alerta Ricardo Ribeiro, que considera que este fim de semana é o culminar de dois meses em que Portugal tem vivido “riscos dramáticos”. “É necessário ter noção do período dramático que estamos a viver”, insiste.
paulo cunha/lusa
Atenção ao fumo dos incêndios (mesmo estando longe)
O fumo dos incêndios pode ser prejudicial para a saúde e, por isso, é necessário ter cuidados especiais. Mesmo não estando perto das chamas. A Direção Geral da Saúde recomenda que as pessoas se mantenham em casa, de janelas e portas fechadas. Um ambiente fresco, se possível com o ar condicionado ligado, é o ideal.
“Evitar atividades ao ar livre, evitar a utilização de fontes de combustão dentro de casa (aparelhos a gás ou lenha, tabaco, velas, incenso, entre outros) e utilizar máscara/respirador (N95) sempre que a exposição for inevitável” são algumas das medidas aconselhadas. O fumo dos incêndios tem “elevados níveis de partículas e toxinas que podem ter efeitos nocivos a nível respiratório, cardiovascular e oftalmológico, entre outros”, explica a DGS.
Se o fogo começar em casa
Manter a calma quando se veem as chamas próximas de casas pode ser difícil, mas é essencial para garantir a segurança. Essa é a primeira regra. Logo em seguida, é necessário avisar os bombeiros e seguir todas as instruções.
Em casa, fecham-se as portas e janelas (os portões da rua não devem estar trancados e as luzes do exterior devem ficar acesas). Qualquer entrada tem de ser vedada para impedir que entrem faíscas e fumo. “Não se deve molhar a roupa. A água é muito condutora e aquece rapidamente, podendo provocar queimaduras graves. É preferível que a roupa esteja seca”, diz Domingos Xavier Viegas, professor da Universidade de Coimbra e especialista no combate a incêndios. O vestuário mais adequado são calças, camisola de manga comprida, luvas e um lenço para proteger a cara.
O telemóvel só deve ser usado em situações imprescindíveis (até porque não se sabe quanto tempo durará a bateria, nem quando poderá recarregá-la). O abastecimento de combustível à casa tem de ser desligado. No caso das botijas de gás, o melhor é tirá-las de casa e colocá-las “num local seguro longe do incêndio”. Outro conselho é ter disponíveis algumas ferramentas (incluindo pás e mangueiras) e recipientes grandes cheios de água.
Caso as autoridades decidam que é imprescindível evacuar a zona, não deve oferecer-se resistência. Todas as instruções dadas pelos bombeiros são para serem seguidas.
paulo cunha/lusa
Se estiver rodeado pelas chamas dentro do carro
Não há certezas absolutas do mais certo a fazer. “É preciso estudar mais”, alerta desde logo Xavier Viegas. No incêndio de Pedrógão Grande, 47 pessoas morreram na Estrada Nacional 236 (30 estavam dentro das suas viaturas e 17 fora delas ou à beira da estrada), que faz a ligação com o IC8 e que não estava cortada.
Nestas circunstâncias, o primeiro passo é olhar em redor e tentar perceber se existe algum abrigo seguro por perto, onde seja possível chegar rapidamente. Se sim, então deve sair-se do carro e correr para esse ponto.
Caso não exista nenhum local, então o conselho pode ser diferente. “É tema muito sensível para o qual não há certezas. No entanto, diria que o melhor seja aguentar no carro o máximo tempo possível. Ficar até o fogo passar. Porque sair do carro e correr sem destino não é a solução. Se ficar no carro há maior probabilidade de salvamento”, explica o especialista no combate a incêndios.
À semelhança do que acontece em casa, todas as janelas e portas do carro devem estar fechadas.
Se for apanhado pelo fogo na praia fluvial
Com altas temperaturas previstas para os próximos dias e com muitas pessoas de férias, a praias deverão ser alguns dos locais mais procurados. Quando a tragédia de Pedrógão Grande aconteceu, havia muitas pessoas na Praia das Rocas. Quando viram as chamas, meteram-se no carro para fugir. Mas em vez de se porem à estrada, não seria mais seguro ficarem dentro de água? Uma vez mais, diz Xavier Viegas, não há uma resposta certa.
“Ir para dentro de água não é uma garantia de salvamento”, diz. “Até porque em muitas praias fluviais há muita vegetação à volta que pode pegar fogo. No máximo, pode ser o local em que a probabilidade de se ficar seguro é maior”, acrescenta.
No entanto, uma coisa é certa: fugir de carro sem destino não é, seguramente, a melhor opção. “É preciso estudar muito mais estes casos para podermos aconselhar em condições as pessoas”, insiste o professor.
paulo cunha/lusa
Ajudar os feridos: vigiar, hidratar e afastar
O mais importante é tomar atenção a quem está em redor. Num cenário de incêndio, a pessoa está exposta a temperaturas muito altas (além do calor atmosférico, há também calor gerado pelo fogo), que pode provocar queimaduras corporais e também nas mucosas respiratórias. Depois, o ar está cheio de partículas de fumo e substâncias químicas que são irritantes e inflamatórias.
“Todas as pessoas que conseguirem não permanecer neste perímetro de incêndios, devem afastar-se. Estejam em casa ou longe destes locais. As que têm de permanecer por alguma razão, devem estar muito atentas umas às outras para ver sinais de agressão: queimaduras faciais (não é preciso ser grande, basta que seja do tipo queimadura solar), dificuldades respiratórias e alteração do estado de consciência”, explica Graça Freitas, subdiretora-geral da Saúde.
É essencial que as pessoas se afastem da zona de incêndio para não continuarem expostas à agressão. Devem ser hidratadas e, se apresentarem os sintomas, devem pedir ajuda médica. “A estes sintomas, as pessoas devem estar muito atentas”, insiste. Quem está no combate aos incêndios tem de fazer pausas, beber muitos líquidos e fazer refeições pequenas e ligeiras. O exercício físico violento agrava a desidratação e a dificuldade respiratória.
Em caso de queimaduras na pele, colocar uma toalha molhada nem sempre é a solução, alerta a Direção-Geral da Saúde. “Se houver uma lesão na pele é melhor não o fazer, pois ao colocar-se a toalha por cima, quando for preciso tirá-la o caso pode piorar. Portanto, pode ser contraproducente”, avisa Graça Freitas.