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Susan Neiman explica a Ricardo Araújo Pereira porque é que a esquerda não é woke. Longa entrevista com a filósofa e escritora

Susan Neiman explica a Ricardo Araújo Pereira porque é que a esquerda não é woke. Longa entrevista com a filósofa e escritora
Johnny Savage/Guardian/eyevine/4SEE

Nascida nos Estados Unidos há 69 anos, Susan Neiman, filósofa e escritora radicada na Alemanha, esteve em Portugal em março para falar sobre o seu novo e controverso livro, “A Esquerda não É Woke”. Na Gulbenkian, em Lisboa, falou demoradamente com Ricardo Araújo Pereira sobre os perigos do movimento woke, que se dedicou a analisar

Desde que lançou “A Esquerda não É Woke”, em 2023, Susan Neiman tem recebido mensagens de leitores agradecidos. “Pessoas que pensavam desta maneira, mas não conseguiam perceber porque é que estas coisas as incomodavam”, contou-nos, em março. As contradições do movimento woke, que diz ter nascido nos campus universitários americanos, em 2016, são o tema do título mais recente (agora editado em Portugal pela Presença) de uma longa obra dedicada à filosofia e à análise cultural.

Talvez devêssemos começar por tentar definir woke — parece ser um conceito confuso. É um movimento, um discurso, uma ideologia? Terá características de culto? Se tivesse de criar uma definição para uma enciclopédia, o que escreveria?

Normalmente não escrevo definições para enciclopédias, mas se tivesse de o fazer, a primeira coisa que diria é que é um conceito incoerente. Baseia-se num conflito entre emoções e ideias. É por isso que é tão confuso. As emoções vêm da esquerda tradicional ou da esquerda liberal. Querem que todas as coisas sejam iguais, querem estar ao lado dos oprimidos, dos marginalizados. Querem fazer algo pelos que estão em apuros, por todas as vítimas, querem olhar de frente para os crimes da história e, se possível, fazer algo para os resolver. E tudo isso são emoções que eu partilho e partilhei toda a minha vida. Mas o que eu acho que o woke não percebe é que essas emoções estão a ser prejudicadas por algumas ideias filosóficas extremamente reacionárias, e não é preciso ter lido filosofia para captar essas ideias, porque elas estão na corrente, estão constantemente na comunicação social e nós não as percebemos. Ontem, em Madrid, alguém me perguntou o que penso sobre o “The New York Times” e eu respondi que este é o meu primeiro livro em 20 anos sobre o qual não eles publicaram uma crítica. As críticas que escreveram sobre os meus últimos quatro livros foram muito boas. É verdade que os citei como um mau exemplo dos meios de comunicação tradicionais. Não estamos a falar de estudantes universitários. Estamos a falar de meios de comunicação muito poderosos que publicam artigos que pressupõem que as inclinações políticas de cada um de nós são determinadas pelo local de nascimento das nossas mães. Escrevi este livro para fazer com que as pessoas parassem e pensassem nisso. Há outros tipos de ideias. Por exemplo, aposto que todos os grandes jornais do mundo publicam, todos os dias, algum artigo que diz que determinado acontecimento pode ser explicado por ser vantajoso para a evolução. E os nossos antepassados, caçadores-recoletores, faziam-no há 200 mil anos e isso explica tal acontecimento. Essa também é outra hipótese louca, mas conta como ciência. O que quis fazer foi expor os pressupostos filosóficos que o woke toma como certos e que, na verdade, vêm de fontes extremamente reacionárias.

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