Mais do que uma moda, é um autêntico fenómeno: as viagens ao Japão estão a crescer para níveis nunca antes vistos em Portugal. Até pela distância, são programas de férias longe de serem baratos, mas o facto é que a procura tem vindo a disparar, sobretudo desde 2022, altura em que o país asiático levantou por completo as restrições impostas com a pandemia de covid-19 reabriu as fronteiras.
“Noto que há cada vez mais gente a querer ir ao Japão, e este ano o iene até está mais caro, ao contrário de 2024 em que teve uma descida”, adianta Jorge Ferrão, fundador e CEO da Fujir, agência sediada em Lisboa dedicada em exclusivo a organizar viagens à medida para o Japão. Na sua perspetiva, a par dos laços históricos entre ambos os países, ou da riqueza da cultura nipónica patente nos seus múltiplos destinos, também algumas séries que passam na Netflix, com destaque para ‘Shogun’, ou filmes de Hayao Miyasaki, mestre da animação japonesa ('anime'), têm contribuido para aquecer o interesse dos turistas nacionais.
A ilha que é um refúgio de arte
Uma das pérolas a sul do Japão, que atrai um número crescente de portugueses adeptos de viagens culturais, é a ilha de Naoshima, situada no Mar Interior de Seto, e que é toda ela um ‘santuário’ de arte contemporânea, repleta de museus e de esculturas ao ar livre, que se misturam de forma orgânica na paisagem natural, como se tivessem nascido ali.
O ‘ex-libris’ de Naoshima, e que marca o primeiro impacto visual a quem desembarca na ilha, é a escultura Abóbora Vermelha, de Yayoi Kusama - artista conhecido pelas suas instalações imersivas com padrões de bolinhas - estrategicamente localizada junto ao cais. É apenas um aperitivo para o verdadeiro banquete artístico que se pode desfrutar em toda a ilha, a começar pelo Museu de Arte Chichu, projetado pelo premiado arquiteto japonês Tadao Ando, em que a maior parte da estrutura está debaixo da terra, de forma a não danificar a paisagem.
Este museu subterrâneo alberga obras de arte icónicas, como a série ‘Nenúfares’ de Claude Monet, que foi o principal foco da produção do pintor nos seus últimos trinta anos de vida. Estas pinturas de Monet estão expostas numa sala branca sob a luz natural que vem do teto, o que permite diferentes formas de fruição ao longo do dia. E no jardim em frente ao museu, é possível apreciar os 200 tipos diferentes de flores e de árvores que o mestre impressionista francês representou nos seus quadros.
Mas nem sempre foi assim. Antes de se tornar num paraíso artistico, hoje reconhecido em todo o mundo, Naoshima era uma ilha industrial, cheia de fábricas e refinarias, sobretudo de cobre. Foi nos anos 80 que a Benesse Corporation teve a iniciativa visionária de elevar a fasquia na ilha, transformando-a num enclave artístico, e atualmente é um exemplo destacado, a nível global, de regeneração sustentável de um território através da cultura, e onde a mobilidade é facilitada pelo uso de bicicletas elétricas.
Para planear uma viagem a Naoshima, o ideal é fazê-lo com bastante antecedência, no mínimo com 180 dias, conforme recomenda o responsável da agência Fujir. “A oferta de alojamento que existe dentro da ilha é muito restrita e esgota rapidamente”, adverte Jorge Ferrão, referindo que a “alternativa é ficar nos arredores de Naoshima, em Uno ou mais a sul, em Bakamatsu, e apanhar um ‘ferry’”.
Organizando a viagem com tempo, é uma experiência marcante ficar alojado em Naoshima no Museu Benesse House, que é simultâneamente um hotel e uma galeria de arte. E outra proposta de valor é ficar no ‘glamping’ Sana Mane, em que as tendas estão equipadas com cápsulas de sauna privadas, em forma de concha. Uma das recomendações do especialista em viagens ao Japão é evitar fazer a viagem entre meados de junho e o início de julho. “Não aconselho estas datas porque chove muito, devido às monções japonesas, e não é agradável para turismo”, nota Jorge Ferrão.
Osaka, a cidade boémia
Um dos aeroportos mais próximos de Naoshima é o de Osaka, onde tem lugar a Expo 2025, exposição mundial que decorre entre 13 de abril e 13 de outubro, dedicada ao tema “Designing future society for our lives”. Neste evento em que predomina a tecnologia, a mascote é Myaku-Myaku, uma criatura misteriosa nascida da fusão de células e água.
Osaka, a terceira maior cidade do Japão, é um dos pontos ideiais para programas de viagem combinando uma visita a Naoshima, onde se pode chegar por ‘ferry’. “É talvez a cidade japonesa mais europeia que existe, os habitantes têm um espírito de humor que faz com que sejam considerados os latinos do Japão. É também a capital da comédia e dos ‘blues’ no país, para quem gosta de vida boémia é uma experiência muito interessante”, salienta o dono da agência Fujir. Osaka é ainda conhecida por ser uma cidade onde se come bem, nos seus restaurantes podem-se apreciar as melhores iguarias da cozinha do Japão, e faz gala em assumir-se como um local de ‘Kuidaore’, que significa ‘comer até rebentar’.
Para quem vai ao Japão pela primeira vez, os itinerários de viagens, por norma, centram-se no chamado ‘arco dourado’, que inclui as principais cidades, como a moderna capital Tóquio, além de Quioto, um centro mais espiritual repleto de templos e de património cultural classificado, e também a boémia Osaka, a que se soma muitas vezes Hiroshima, cidade japonesa destruida pela bomba atómica na Segunda Guerra Mundial, e que hoje se afirma como um destino que celebra a paz.
O diretor da agência Fujir, que diz “conhecer o Japão profundo”, gosta sempre de “puxar por algo diferente” nos roteiros de viagem, incluindo alojamento em Ryokan (estalagem tipicamente japonesa) ou Shukubo (mosteiro japonês). Também ele, um ex-diretor criativo de publicidade, foi tocado pelo ‘bichinho’ do Japão, ao ponto de saber falar a língua e ter decidido mudar de vida, especializando-se a programar viagens, para pessoas individuais ou grupos, ao país que representa a sua verdadeira paixão. Jorge Ferrão frisa que o Japão está a atraír gente de todas as idades, mas há um mercado que se destaca agora, “da geração mais nova, que quer fazer turismo de ‘anime’”.
A agência portuguesa dedicada a destinos nipónicos também se orienta por temáticas, “que este ano será sobre o Sake”. Qualquer que seja o programa, uma coisa é certa: tratando-se do Japão, a arte está sempre presente.