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“The Bear” não é (apenas) sobre comida. A nova série da Disney+ é um sucesso

Jeremy Allen White (Lip Gallagher em “Shameless”) interpreta o chefe Carmen ‘Carmy’ Berzatto
Jeremy Allen White (Lip Gallagher em “Shameless”) interpreta o chefe Carmen ‘Carmy’ Berzatto

A comédia dramática da plataforma de streaming norte-americana vai além de dedos cortados, panelas queimadas e tentativas de chegar à excelência. “The Bear” aproveita-se dos bastidores de um restaurante para abordar temas sérios. Com humor

Catarina Brites Soares

Comida, cozinha, cozinha, comida. Longe vai o tempo em que o binómio era desconsiderado. De olvidadas, a comida e a cozinha passaram a fórmula infalível para que uma série, filme ou programa resulte no pequeno ecrã. Os nomes para definir os que se tornaram fãs multiplicam-se — hoje quase todos somos foodies — e a evidência é mais um sinal de que comer e cozinhar deixaram de ser só necessidades.

Tudo isto para dizer a quem está farto que pode confiar. E quem não está também. “The Bear” não é mais uma série (só) sobre comida. O cenário principal é uma cozinha, sim, onde as várias camadas das relações humanas se vão desvelando. E é isso que faz dela uma comédia dramática bem conseguida.

A cozinha do The Original Beef of Chicagoland é a metáfora: caótica, desorganizada e confusa. É assim que está porque é também assim que se encontra grande parte das personagens — em conflito. Em “The Bear”, também como nas cozinhas, a história é sobre os que se desiludem, superam, mudam, aprendem, ensinam, erram e crescem. Não necessariamente por esta ordem.

Jeremy Allen White não é o patrão, mas é o chefe. Carmen ‘Carmy’ Berzatto, interpretado pelo ator norte-americano que foi Lip Gallagher em “Shameless”, é o típico talento que só vive para ele, neste caso cozinhar. O resto parece não existir nem preocupá-lo — guarda a roupa no forno de um fogão —, ainda que cedo se entenda que a velocidade que atingiu no ofício foi a solução para acalmar ressentimentos. Reconhecido no mundo da alta cozinha em Nova Iorque, decide regressar a Chicago para levar, ou salvar, o restaurante de família.

O cenário principal de “The Bear” é uma cozinha, lugar onde as várias camadas das relações humanas se vão desvelando. É isso que faz dela uma comédia dramática bem conseguida

“És o melhor chefe do melhor restaurante dos Estados Unidos. O que estás aqui a fazer?”, questiona Sydney (Ayo Edebiri), surpresa por encontrar o premiado Berzatto no restaurante onde acaba de começar a trabalhar. “Sandes”, responde Carmy. Não é bem verdade, mas pode começar-se por aí. A comida, afinal de contas, é outra personagem.

São frequentes os grandes planos de ingredientes e confeção, as receitas que se vai querer repetir em casa e os pratos para os quais faltam adjetivos. É recorrente a ausência de palavras das próprias personagens quando alguém da equipa se inspira. Os foodies podem ficar por aqui. As iguarias serão motivo de sobra para os agarrar à série.

“The Bear” é comédia, apesar de ser a morte que traz Carmy às raízes. Fora clichés, e sendo um culminar, pode significar inícios e reinícios, e é mais ou menos assim que acontece com o protagonista. A série debruça-se sobre as reviravoltas da vida e o que se faz quando ela nos vira do avesso. Carmen decide voltar à terra natal e transformar o The Original Beef of Chicagoland. De caminho, transforma-se a ele e aos que o rodeiam (e não é um spoiler).

É uma série a dois ritmos. Tanto tem de acelerada — alinhada com a cadência típica de uma cozinha — como encontra tempo e espaço para se digerir e descansar da montanha-russa que são as interações e catarses.

Os confrontos com a família, tanto a de sangue como a que acaba por criar no restaurante, é o que aguenta a produção criada por Christopher Storer. “Este restaurante era a casa do teu irmão, que eu estava a conduzir lindamente sem ti”, acusa Richie, o primo, representado pelo norte-americano Ebon Moss-Bachrach, numa das muitas conversas acesas com Carmy. “Nesse caso, porque não o deixou a ti?”, contra-ataca o amigo.

A ambição de Carmy volta a ficar clara noutro diálogo premonitório com Sydney: “Se queremos mudar este restaurante, temos de mudar.” A receita normalmente é óbvia e é esta. Difícil é que resulte sem efeitos colaterais e danos pelo caminho.

Mas, como numa cozinha, nem tudo são berros, discussões e tensão. Também há resultados. O percurso para chegar a eles é o que dá complexidade à produção — um original FX, estreado nos Estados Unidos na Hulo e agora disponível na Disney+ —, que também é uma história sobre resiliência, frustração e sacrifícios para corresponder a expectativas. “The Bear”, com oito episódios de 30 minutos, é sobre a perda e o que fazer com ela. Segue caminho para uma segunda temporada.

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