Emmys: o que faz de “The White Lotus” uma grande série? Foi a maior vencedora da noite
“The White Lotus” coloca-nos perante um grupo de personagens que espelham, de forma mais ou menos subtil, a eterna luta de classes. Segunda temporada à vista
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Comédia negra, crónica de costumes e drama familiar com mistério à mistura, “The White Lotus” venceu em 10 categorias nos Emmys deste ano, entregues na última madrugada. A criação televisiva de Mike White, que já tinha sido considerada a melhor de 2021 pelos críticos do Expresso, ganha uma segunda temporada em outubro
O que poderia dar para o torto numa semana de férias num paradisíaco resort de luxo? Tanta coisa... Sem se deixar corroer pela abordagem xaroposa tão comum neste tipo de história, “The White Lotus” coloca-nos, em seis intensos episódios, perante um grupo de personagens que espelham, de forma mais ou menos subtil, a eterna luta de classes. Uma família disfuncional, um casal em lua de mel e uma mulher enlutada (e descompensada) são-nos apresentados como os três núcleos em torno dos quais a trama se desenrola. São, também, uma espécie de animais de zoo, observados de forma atenta, e com uma boa dose de cinismo, pelos trabalhadores da estância balnear, especialmente o gerente Armond (Murray Bartlett) e Belinda (Natasha Rothwell), a responsável do spa.
O conflito aberto entre Shane (Jake Lacy), o homem rico, cheio de si e sem ver muito para lá do próprio umbigo, e Armond, sempre pronto a valer-se do seu pequeno poder, é tão intenso, a dado momento, que quase conseguimos ouvi-los a rosnar um para o outro. Pode até ser essa a face mais visível do embate entre o privilégio e a subjugação, mas “The White Lotus” aborda, de forma menos chapada, problemáticas raciais e de género sem que delas saiam lições de moralismo bacoco.
David Bernad e Mike White (à esq.), com o elenco e a equipa de "The White Lotus", a receberem o Emmy de Melhor Série Limitada, Antológica ou Telefilme Série no Microsoft Theater, em Los Angeles
“The White Lotus” conquista-nos não só pela forma como faz rir, desbragada e inadvertidamente, com situações tão parvas que nos deixam envergonhados, como pela entrega de um elenco que, não parecendo à partida, se revela de primeira linha.
Bartlett, que já conhecíamos de “Procurando” e “Histórias de São Francisco”, tem aqui um merecidíssimo momento de aclamação, ao fim de mais de três décadas de carreira. Rothwell demonstra uma admirável versatilidade atirando-se de forma contida a Belinda, personagem que está nos antípodas da efervescente Kelli, que encarna em “Insecure”. E não há como não enaltecer a prestação magistral de Jennifer Coolidge, a eterna MILF de “American Pie”, que encontra em Tanya McQuoid a personagem perfeita para explorar a sua aguçada veia cómica.
Shane serve como uma luva a Jake Lacy, cujo percurso ficou marcado pela participação na última temporada da versão americana de “O Escritório”, mas há ainda interpretações sólidas de Connie Britton, a mãe de família e mulher de sucesso Nicole Mossbacher que se perde entre as lições de feminismo da filha e o apoio desmedido ao filho e ao marido, e de Alexandra Daddario, mulher-troféu de Shane que luta para manter a sua carreira jornalística.
Não há personagens unidimensionais em “The White Lotus” e é com base nos conflitos internos de cada uma delas que vislumbramos uma humanidade caótica, pouco habituada a lidar com emoções fortes. Há os que resistem, os que desistem, os que se modificam e aqueles que se agarram à sua sobranceria para não sair da zona de conforto. O final, tragicómico, desvenda o mistério da morte anunciada no primeiro episódio, mas, sabendo já que uma segunda temporada terá lugar num outro White Lotus, verdadeiramente trágico seria se nunca mais ouvíssemos falar de Tanya McQuoid, Belinda ou mesmo Armond.
Lee Jung-jae, vencedor na categoria de Melhor Ator por "Squid Game"
Na passada madrugada, The White Lotus venceu 10 Emmys, nas categorias de Melhor Série Limitada, Antológica e Telefilme, Melhor Realizador (Mike White), Melhor Atriz Secundária (Jennifer Coolidge), Melhro Ator Secundário (Murray Bartlett), Melhor Argumento (Mike White), Melhor Edição (John M. Valerio), Melhor Música (Cristobal Tapia de Veer), Melhor Elenco (Meredith Tucker e Katie Doyle), Melhor Mistura de Som (Christian P. Minkler, Ryan COllins, Walter Anderson e Jeffrey Roy), Melhor Música para Genérico (Cristobal Tapia de Veer).
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