
Os 20 melhores livros publicados este ano. A escolha dos livros do Expresso é uma oportunidade de recuperar o tempo de leitura perdido e também uma excelente ajuda na hora de escolher os presentes de Natal
Os 20 melhores livros publicados este ano. A escolha dos livros do Expresso é uma oportunidade de recuperar o tempo de leitura perdido e também uma excelente ajuda na hora de escolher os presentes de Natal
José Mário Silva, José Guardado Moreira, Luciana Leiderfarb, Luís M. Faria, Luísa Mellid-Franco, Pedro Mexia, Rui Lagartinho, Sara Figueiredo Costa
1
Neste livro com quase 1200 páginas, finalista do Prémio Pulitzer 2022 na categoria de Biografia, Richard Zenith reconstitui, com minúcias de arqueólogo, os muitos estratos da vida de Fernando Pessoa, fazendo jus ao coro de elogios da crítica anglo-saxónica, aquando da publicação do texto original, em inglês. O principal trunfo de Zenith, um estreante no género biográfico, foi o seu conhecimento profundíssimo da obra do escritor, à qual dedicou grande parte da sua bibliografia e carreira académica. Pessoano desde a década de 80, quando decidiu traduzir “O Livro do Desassossego”, estudioso de longa data do famoso espólio (esse tesouro composto por cerca de 25 mil papéis, quase todos inéditos à data da morte de Pessoa), ele teve acesso prévio e privilegiado à principal “fonte de informação” sobre o poeta: tudo aquilo que escreveu e tudo o que sonhou escrever, por entre ilusões de grandeza e uma sucessão de falhanços clamorosos, sobretudo no plano material (quando as quimeras embatiam na realidade concreta do quotidiano).
O fio condutor da biografia é sempre a obra, esse labirinto disperso e esquivo, construído por dezenas de identidades diferentes (entre heterónimos e semi-heterónimos), uma “espécie de Pompeia literária” que vamos entrevendo no meio dos “escombros das suas obras semiacabadas e fragmentárias”. Mais do que explicar o mistério deste homem de natureza reservada, embora expansivo e alegre quando entre amigos, nas tertúlias, Zenith procurou os sinais da sua inscrição no tempo em que lhe coube viver, não só o tempo individual (o da sua trajetória discreta, sem nunca se afastar muito de um círculo apertado: primeiro em Durban, depois em Lisboa), mas também o tempo histórico de Portugal e do Mundo, no final do séc. XIX e primeiro quartel do séc. XX.
Década a década, assistimos cronologicamente à crescente tensão entre esses dois tempos, sempre devidamente contextualizados (notando-se, aqui e ali, que o texto foi inicialmente pensado para um público não conhecedor da realidade portuguesa). Ao longo de mais de 12 anos de trabalho, Zenith encontrou um tom equilibrado, sem grandes arroubos, um estilo bastante acessível, sem abdicar do rigor que se espera de um académico. Para elucidar determinadas circunstâncias, há aproximações a versos e prosas escritas por Pessoa, seja na sua correspondência, seja em certas obras (como os poemas em língua inglesa, por exemplo, no caso da idealização homoerótica).
Mas a tentação erudita nunca se sobrepõe à fluidez do texto, assumidamente direcionado para um público não especialista. Sem surpresa, o retrato de Pessoa que emerge deste livro não é completo, nem definitivo. Há, e provavelmente haverá sempre, espaço para outras abordagens, outros ângulos, outras perspetivas. E, nem de propósito, neste final de ano acaba de ser editada outra biografia monumental de Pessoa (“O Super-Camões”, de João Pedro George, D. Quixote, quase 1000 páginas), a primeira de um autor português desde a que João Gaspar Simões escreveu em 1950, apenas 15 anos após a morte do poeta. / José Mário Silva
2
Virginia Woolf é um expoente da tradição ensaística britânica que talvez não tenha igual no mundo. Autoconscientes sem ostentação, seguros na cultura e delicados na sensibilidade, os seus ensaios propõem ocupar-se de livros, autores, críticos, temas, géneros literários, formas de ler e condições da escrita (nomeadamente para as mulheres), mas também de outros tipos de arte, bem como de experiências reais ou imaginadas, como viajar de carro, andar de avião ou estar doente. Esta recolha de 48 ensaios não desmente a opinião de Woolf de que há poderes da prosa ainda por revelar. Os textos expandem a nossa perceção das coisas e o nosso conhecimento, trazendo-nos a voz de uma escritora cuja inteligência não envelheceu um dia que seja. / Luís M. Faria
3
Muitos anos antes de Benjamin, então criança, se tornar primeiro-ministro de Israel, Benzion Netanyahu, seu pai, académico especialista na História dos judeus da Península Ibérica no século XVI, visita uma universidade americana na esperança de lá ficar como professor. Este brilhante romance, tão erudito quanto divertido, mergulha-nos a fundo nesse ‘episódio menor’, mas cheio de implicações. / J.M.S.
4
Judeu de origem romena, radicado em Paris, Paul Celan perdeu os pais no Holocausto e viveu assombrado por esse e outros fantasmas públicos e privados. Estarrecedores, os seus poemas haveriam de submeter o idioma alemão a torções, desvios, invenções, hesitações. Se todas as traduções de poesia são “versões”, as de Celan só podem aspirar a ser versões aproximativas, mas nem por isso menos fascinantes. / Pedro Mexia
5
Pode a beleza conviver com o horror? Nesta ficção autobiográfica de implacável honestidade, Annie Ernaux, Nobel da Literatura 2022, mostra que sim. Focando-se nos dias de angústia que culminaram num aborto clandestino, a escritora francesa transforma a experiência pessoal num lugar de questionamento dos códigos sociais e da própria memória. / J.M.S.
6
Escritos no final no século XIV, os “Contos de Cantuária” são o “Decameron” da língua inglesa, com uma peregrinação em vez de uma peste. A caminho de um santuário, dezenas de peregrinos contam as suas histórias, e elas, compondo o retrato histórico-alegórico de uma época, testam os mecanismos da ficção, muito antes de se tornar um género hegemónico. / P.M.
7
Este retrato da vida de um homem normalíssimo, sujeito à erosão do tempo e às contingências da História, é uma espécie de síntese da escrita de McEwan. Ao mesmo tempo épico e íntimo, sério e humorístico, prosaico e metafísico, sólido e gasoso, atravessa quase um século à procura das marcas fugidias mas sempre exaltantes da nossa humanidade. / J.M.S.
8
De um dos mais relevantes autores da BD portuguesa, “Juventude” é um romance de crescimento, cada prancha uma imagem saturada de cor e detalhe, cruzando férias de verão e viagens juvenis com dores de crescimento e episódios mais sombrios. Na ausência de texto, as imagens contam a história de uma vida que se abre ao mundo sem “tempo de temer a morte”. / Sara Figueiredo Costa
9
Aos 80 anos, o autor mantém intactas as qualidades que fizeram dele — talvez — o maior ficcionista português vivo. Este 32º romance é o mais breve, o mais sucinto, sem nunca perder densidade e clareza narrativas nem a atenção à “linguagem do mundo”. Um Lobo Antunes capaz de resgatar leitores cansados do solipsismo que se vinha apoderando da sua obra. / J.M.S.
10
Início de um projeto intitulado “Septologia”, introduz-nos, ao jeito nórdico, às “variedades da experiência religiosa”. Um pintor viúvo, convertido ao catolicismo, entrega-se a um solilóquio vagaroso e hipnótico à medida que o dramaturgo norueguês Jon Fosse nos conduz, entre encontros e memórias, à escuridão do “eu” e ao enigma da salvação. / P.M.
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