5 maio 2023 16:13

Uma pintura permanentemente na corda bamba, que ainda assim teima em ser pintura
antónio jorge silva
A obra de Sónia Almeida desdobra-se e recompõe-se, transformando-se num agregador da dispersão visual contemporânea
5 maio 2023 16:13
O que pode ser a pintura hoje? A pergunta parece esgotada depois de tanta necrologia e renascimento geracionais tão antigos como o célebre quadrado negro ‘malevichiano’ no qual uns quiseram ver um ponto final e outros um recomeço. É particularmente curioso que cada geração tenha uma relação ou de exaustão ou de alegria renovada em ver pintura ou prosseguir pintando. Só caricaturalmente o facto se pode ver como uma questão de moda ou julgado pela tendência de cada tempo contradizer o anterior. E, no entanto, a pergunta permanece: o que pode ser a pintura hoje? Na era da hiperdisponibilidade visual, do êxtase tecnológico, do arquivo infinito e indomável, a era em que o futuro parece ser, esse sim, uma noção anacrónica (e todos sabemos como a ideia de futuro e ultrapassagem foi tantas vezes, no século XX, inimiga da pintura), pensar o que pode ser a pintura volta a obrigar a pensar a sua relação com a tradição, mas obriga sobretudo a pensar a nossa relação com a história, agora destituída de qualquer energia messiânica e com um contexto que não cessa de transformar as condições da visão e daquilo que é visto.
Certamente que todas estas perplexidades passaram pela mente de Sónia Almeida ao longo dos últimos 15 anos, como se pode perceber por esta sua primeira retrospetiva, comissariada por Bruno Marchand. Com exposições individuais na Bélgica, Itália, EUA e Reino Unido, a artista, que vive em Boston, teve uma presença expositiva apenas pontual e fragmentária entre nós (a sua última mostra individual foi há 15 anos). Com esta exposição, com cerca de 40 obras, descobrimos como ela coloca a pintura numa encruzilhada muito particular. Por um lado, confronta a sua materialidade com a materialidade do mundo, não apenas porque a prolonga em condições que não são as habituais (o tecido, a madeira, o alumínio, a impressão) como a espacializa em forma de obstáculo ou coisa obstaculizada, parcialmente oculta (como com os pequenos “bolsos” em que parte delas se escondem), ou dada ao tato; ou, pelo contrário, a lança num estado de evidência invasivo usando a impressão para cobrir paredes com evocações de mosaicos ou malhas que lembram o jogo “Tetris”.