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Exposição: Gabriel Abrantes e os fantasmas sobre o futuro

“Ghost in Museum” (2022), pintura de Gabriel Abrantes
“Ghost in Museum” (2022), pintura de Gabriel Abrantes

O excesso de liquidez na mais recente exposição de Gabriel Abrantes, “Nobody Nowhere”. Está a falar de todos nós

O maravilhoso, o fantástico e o fantasmagórico foram ganhando terreno na obra de Gabriel Abrantes, seja nos seus filmes e vídeos (bolas humanizadas que flutuam, estátuas que abandonam museus e participam em manifestações), seja na sua pintura recente, onde pululam figuras vagamente humanoides ou animalizadas que parecem habitar um mundo açucarado ou de plasticina. É um território altamente contaminado pela “baixa cultura”, pela BD e pela animação mais freak mas que, ao mesmo tempo, participa de coisas que estão no mundo (a política, as relações interpessoais, a história da arte).

Algo, porém, mudou na série de pinturas “Nobody Nowhere”, na Galeria Francisco Fino. Desde logo, o tom. Nestas várias telas a óleo, uma difusa melancolia mistura-se com um sentimento de absurdo. O que vemos são, literalmente, fantasmas em cenas que associamos a ambientes artísticos (museus, galerias, ateliês) mergulhados numa massa líquida que os mantém imersos até à cintura. Numa dessas pinturas, o fantasma opera uma mesa de mistura em frente a um desenho; noutra, um fantasma paralítico parece fazer uma obra coletiva com um parceiro; noutra, um fantasma voa sobre um projetor de 16 mm como se também ele fosse só água, matéria transitória; numa tela, a boémia decadente instala-se com quatro fantasmas à mesa, com garrafas tombadas, e podia ter saído de uma pintura de Kirchner ou Munch; e numa muito estranha dois fantasmas beijam-se, um pouco como na pintura “Os Amantes”, de Magritte, mas com telas que lhes pesam nas costas. Os tons são enevoados, a figuração de um realismo surrealizante, quase lambido. Tudo isto podia ser uma homenagem paródica ao mundo da arte, aos seus protagonistas e processos. Só que não é: são todos fantasmas e vão afogar-se, embora ajam com a mesma naturalidade com que as figuras do Ku Klux Klan, que Guston pintou no seu período final, se passeavam em carros na rua como rapazes divertidos.

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