
Adaptação de um texto teatral, “A Baleia” é um dos filmes mais esperados da temporada. Tem Brendan Fraser como protagonista
Adaptação de um texto teatral, “A Baleia” é um dos filmes mais esperados da temporada. Tem Brendan Fraser como protagonista
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Charlie é um professor de literatura, a ministrar cursos à distância, mantendo fechada a sua imagem, via Zoom, com o argumento de ter avariada a câmara do computador. É mentira. Ele não quer mostrar-se porque é um homem colossalmente gordo, mais de 250 quilos de carne e adiposidades.
Mal se consegue mover, mesmo com o uso de um andarilho. E come, come, come, de uma maneira voraz e desmedida, como se quisesse degradar-se, punir-se de um modo vil, como se quisesse morrer. De facto, quer.
Não é um personagem de que seja possível gostar ou com quem construir empatia. A primeira vez que o vemos está a masturbar-se com pornografia gay e, no fim, quase tem um colapso cardíaco. A ideia não é torná-lo simpático aos olhos do público, mesmo se, por detrás daquele rosto disforme, se entrevê o amável Brendan Fraser que, diga-se desde já, faz um trabalho portentoso (bem azado para o Óscar), soterrado em muitas dezenas de quilos de próteses e chumaços retocados com efeitos digitais.
A ideia não é tornar Charlie simpático aos olhos do público, mesmo se, por detrás daquele rosto disforme, se entrevê o amável Brendan Fraser que, diga-se desde já, faz um trabalho portentoso
Charlie nem sempre foi assim, nem ficou assim por doença ou fatalidade. Ele entrou em rota suicidária por um sentimento de culpa e abandono. Lá muito atrás, na vida, largou mulher e filha por um aluno por quem se enfatuou e com quem passou a partilhar a existência. Agora que ele morreu, tudo se precipita numa espiral depressiva. E nem a aproximação de outras pessoas (como uma enfermeira, irmã do defunto amante, a insistir que ele precisa de cuidados hospitalares ou a filha abandonada, a querer retomar uma relação convulsa) parece poder travar o maelstrom.
Darren Aronofsky, o realizador de “A Baleia”, é, já se sabe, um experto da hipérbole. Os seus filmes não têm que ser emocionantes, têm que ser superlativamente dramáticos, com histórias, pessoas, situações de estremecer paredes. É outra vez o caso desta adaptação de um texto teatral que o cineasta carrega de truques e sonoridades (com a música a sublinhar tudo com dois traços — e grossos) como se a própria proximidade da câmara que avantaja em relação ao palco não fosse suficiente.
O descomedimento de processos é de tal modo tonitruante que obnubila o próprio projeto do filme — devolver a uma criatura monstruosa a humanidade que lhe está subjacente. Quando, lá para o fim, isso está para acontecer, já só queremos que o filme acabe.
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