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Cinema: a investigação do “The New York Times” que levou à derrocada de Harvey Weinstein deu um filme

Carey Mulligan e Zoe Kazan nos papéis das jornalistas Megan Twohey e Jodi Kantor, respetivamente
Carey Mulligan e Zoe Kazan nos papéis das jornalistas Megan Twohey e Jodi Kantor, respetivamente

Este é um filme de nervo sobre o jornalismo e a verdade. Chama-se “Ela Disse”, assina Maria Schrader

Megan Twohey (Carey Mulligan) e Jodi Kantor (Zoe Kazan), duas jornalistas do Times, mal se conheciam naqueles meados de 2016 em que a primeira metade deste filme decorre. Trabalhavam em áreas distintas de um jornal que... é um mundo. “Ela Disse”, bom filme sobre o jornalismo, serve também para nos recordar disso e que ainda há jornais assim. As duas mulheres atravessavam períodos pessoais delicados. Megan acabara de ser mãe e estava ainda “com as hormonas fora de controlo”, Jodi já passara pela experiência mas ainda tinha um bebé de berço a seu cargo.

O filme deixará sempre em segundo plano a privacidade destas vidas, doseando q.b. para manter as personagens credíveis, ou não fosse esta uma adaptação cinematográfica (com guião de Rebecca Lenkiewicz) baseada no livro homónimo que Megan e Jodi publicaram em 2019. Mas “Ela Disse” não é a história destas duas mães guerreiras. É muito mais uma descrição detalhada, factual, da corajosa investigação que levaram a cabo e das consequências que ela trouxe ao mundo e à vida social do Ocidente.

A ponta do icebergue chamou-se Donald Trump. Relatos de algumas mulheres molestadas no trabalho em empresas do então homem de negócios haviam chegado aos ouvidos de Jodi, boatos de coação emocional e psicológica, assobios e “apalpadelas” (palavra que será frequente neste filme), mas a jornalista nada encontrava de concreto e de plausível — e, pior, nenhuma das “apalpadas” queria falar em público, claro.

Em seguida vieram as eleições americanas. Trump bate a democrata Hillary Clinton against all odds e toma posse em janeiro de 2017. Lá ficou o assunto, se não encerrado, pelo menos comprometido: que sucesso teria uma investigação contra o recém-empossado Presidente dos Estados Unidos?

Só que a atriz Rose McGowan solta entretanto uma primeira lebre que a repórter Jodi, já experiente em casos de assédio sexual, agarra imediatamente. O alvo da investigação do Times deixa então de ser o novo Presidente e passa para o não menos famoso e todo-poderoso patrão da produtora Miramax, responsável, de resto, por alguns dos melhores filmes americanos das duas décadas anteriores, Harvey Weinstein. A cineasta alemã Maria Schrader, que muitos em Portugal conhecerão do excelente “Stefan Zweig: Adeus, Europa”, trata Weinstein neste filme como um fantasma (só figiurado pela voz ou, perto do termo, observado de costas). Jamais lhe vemos a cara.

E esta opção acaba por dar frutos porque, enquanto o filme decorre, a audiência vai imaginando um 'rosto monstruoso', à medida que a investigação de Megan e Jodi nos apresenta uma e outra vítima (desde uma rodagem na Irlanda em 1992), em certos casos sem qualquer subterfúgio, como no caso de Ashley Judd, que aceitou interpretar o seu próprio papel. Outro aspeto a salientar é a tensão que Schrader consegue imprimir ao seu filme, apesar de não haver espectador na sala que não saiba o desfecho desta história. As interpretações de Carey Mulligan e Zoe Kazan são ótimas e as atrizes funcionam em modo de buddy movie.

Há também , um fundo thrillesco de filme liberal à moda de Pakula que “Ela Disse” jamais perde. E com isto, volta a audiência a refletir sobre o principal caso que tornou popular ao #MeToo. “Ela Disse” podia ter-se chamado “Um Porco Chamado Harvey”... É um filme de batalhas e de causas, sem medo da violência, sem medo de tocar nos detalhes, como aquele em que uma vítima de Weinsten confessa que andava sempre vestida com dois pares de collants para poder ganhar algum tempo, caso fosse atacada. A revelação deste tipo de histórias é demasiado forte para poder ser esquecida. “Ela Disse” sai em defesa de muitas mulheres que ficaram com as vidas destruídas para sempre

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