É quinta-feira, dia 4 de agosto de 2050. Está um dia quente, como agora está quase sempre. Já não temos uma ou duas ondas de calor por ano como no início do século, são mais de cinco e chegam a durar um mês. Numa grande parte do país, sobretudo do Tejo para baixo, estão mais de 25°C durante cinco meses e é frequente chegarmos aos 46°C ou 47°C. Tudo isto estava estudado há 27 anos, em 2023, quando os cientistas apresentaram três cenários do que seria o clima em Portugal se pouco ou nada mudasse e este até era o moderado. Mas, na altura, 2050 parecia um tempo muito distante. Poucos se apercebiam que 1996 estava à mesma distância, andando para trás no tempo, e que, em 2023, já tinha nascido a maioria dos que estão hoje a enfrentar este dia de calor.
O areal das praias e as zonas ribeirinhas também já não são como eram. Três décadas de erosão costeira e a subida gradual do nível do mar encolheram algumas praias e afetaram milhares de portugueses que viviam perto da costa. Temos entre 24 e 32 centímetros a menos de terra, tal como tinha sido estimado, o que corresponde a galgamentos de dezenas ou de centenas de metros a mais em alguns lugares. E tudo isso acontece porque não foi cumprido o Acordo de Paris, não foi evitado um aumento de 1,5°C na temperatura global face ao período pré-industrial e as emissões de dióxido de carbono continuaram a subir até 2045, mudando profundamente a forma como vivemos agora. “As alterações são preocupantes do ponto de vista da saúde pública”, dizia ao Expresso, em julho de 2023, Pedro Matos Soares, coordenador da equipa de cientistas do Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), responsável pelo “Roteiro Nacional para a Adaptação 2100”, promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente, com o Banco de Portugal, Direção-Geral do Território, Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e Direção Norueguesa de Proteção Civil (DSB). “As temperaturas máximas começam a chegar aos limites humanos de resposta fisiológica, pondo em causa os grupos mais vulneráveis”, explicava. Hoje, os trabalhadores agrícolas, varredores de ruas ou operários da construção civil já não conseguem trabalhar ao sol em determinados períodos do ano e foram criadas regras para os proteger, como o governo espanhol tinha feito em 2023, ao proibir o trabalho ao ar livre em dias de temperaturas extremas. Já na altura o então secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, avisava que já não se vivia a era do aquecimento global, mas a da “ebulição” global.
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