A Revista do Expresso

O charme da velha quinta: assim até dá gosto

9 outubro 2022 9:11

anna blazhuk

O crítico de vinhos João Paulo Martins revela semanalmente os principais segredos do mundo dos vinhos

9 outubro 2022 9:11

Visitei há uma semana a Quinta d’Aguieira. Está incluída na Bairrada mas, provavelmente, não por mérito mas por outras razões (políticas?, pessoais?), não se sabe bem. O facto de ter pertencido ao Conde de Águeda poderá ter tido alguma influência. A verdade é que, quando, ainda no séc. XIX, António Augusto de Aguiar desenhou o mapa a que chamou o Paiz Vinhateiro da Bairrada, a região terminava imedia­tamente acima de Sangalhos, em Oliveira do Bairro, povoação vizinha. Considerava-se que, sendo a casta emblemática a Baga, em tintos, o norte da região já não produzia vinhos de embarque (os melhores), mas sim vinhos de consumo e, mesmo estes, estavam organizados em várias classes. Quanto mais nos afastamos do centro da região, dizia A. A. Aguiar, mais variações se encontram em termos de solos e, consequentemente, de vinhos. Ficamos então a saber que a Quinta d’Aguieira lá ficou inserida na região, quando foi feita a demarcação em 1979. Os seus vinhos, provavelmente associados aos ilustres proprietários, eram famosos, desde os anos 20 e 30 do século passado. Sem recuar tanto no tempo, recordo-me que nos anos 70 e 80 era normal encontrar estes vinhos no mercado e na restauração. Eu próprio, então jovem entusiasta sem formação ou ‘escola’, recordo-me de ter a marca em conta como sendo das mais sofisticadas (e caras) que eu conseguia comprar. Na minha coleção de rótulos constam, divididos em Colheita e Garrafeira, os tintos dos anos 1959, 65, 66, 70, 74 e 77. A graduação vinha impressa no rótulo e em todos era 11,5%; em alguns deles vinha a indicação Produit et Mis en Bouteilles en Domaine e Estate Produced and Bottled. Nem mais! Em todos e em letras bem visíveis: Vinho Velho. Longe ainda estavam os tempos em que os consumidores desataram numa correria a beber vinhos novos, com muito álcool e muita madeira. A quinta teve os seus sobressaltos a seguir à revolução e, depois de várias vicissitudes, acabou comprada pela família Guedes, da Aveleda. Com o bom gosto que se lhes reconhece — basta visitar a quinta em Penafiel e a casa de família em Avintes — não é de estranhar o que aqui aconteceu: o interior foi minuciosamente recuperado mas com a intenção, concretizada, de manter o ‘espírito do lugar’; tudo tem o ar antigo que é suposto mas com o conforto que nos levaria a pensar qualquer coisa do género: passavam-se aqui umas belas férias! Em casa e nos jardins. Dinheiro e bom gosto nem sempre andam juntos, mas às vezes andam juntos e até casam...! Na hora, após inesperado trambolhão na cave escura que me deixou a coxear e pulso dorido, provámos um desses tintos antigos, eventualmente de 65 (rótulo em muito mau estado) que deu um prazer enorme. Todo ele em delicadeza, com grande frescura ácida, leve, fino e cheio de caráter. Um tinto e tanto. Tive sorte: não há bons vinhos velhos, há boas garrafas de vinhos velhos! Naquele ambiente de velho solar onde se sente o peso da História, este vinho, e provavelmente nenhum outro, se adequaria melhor. Há dias assim. Agora que acabei de escrever vou voltar a pôr a ligadura no pulso, qu’isto ainda vai demorar a passar...