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Presidenciais 2021

Ventura atira-se aos “candidatos socialistas” Ana Gomes e Marcelo (e ‘Parrachita’ encarna Marilyn para lhe cantar os parabéns)

André Ventura e Maria Vieira num jantar-comício em Viseu
André Ventura e Maria Vieira num jantar-comício em Viseu
José Fernandes

O líder do Chega falou em Viseu para os seus devotos num jantar-comício que virou espetáculo de variedades. Apesar das sondagens favoráveis, insistiu que “nada está garantido” e alertou para a “convergência de esquerda” que poderá surgir para o travar numa segunda volta. Ventura ainda dramatizou com uma suposta “tomada de poder ditatorial pela extrema-esquerda” e não poupou Sócrates

Ventura atira-se aos “candidatos socialistas” Ana Gomes e Marcelo (e ‘Parrachita’ encarna Marilyn para lhe cantar os parabéns)

Hélder Gomes

Jornalista

“Não, dançar não sei mas vou mostrar-vos outra coisa”, disse André Ventura no final de um jantar-comício em Viseu. Em seguida, senta-se ao piano e toca durante alguns segundos. Em dia de aniversário, é apresentado como “o pianista e futuro Presidente da República Portuguesa, Doutor André Ventura”. Apesar do omnipresente tom reverencial com que se lhe dirigem, a noite desta sexta-feira foi um sortido rico de revista e números de comédia. Mas também de ataques aos seus adversários, elegendo os “socialistas” Ana Gomes e Marcelo Rebelo de Sousa como os principais, de denúncia da “frente presidencial” que a esquerda estará a congeminar para o travar numa eventual segunda volta e “sim, de um elevar de fasquia”. “Se eu vencer as eleições, António Costa terá o caminho da rua apontado”, garantiu o candidato do Chega no final de um longo discurso que ultrapassou a meia hora.

José Fernandes

Mas vale a pena contar a história do início. Terminado o jantar no salão de hotel, cantados os parabéns a Ventura e sopradas as velas, Maria Vieira, mandatária presidencial junto das comunidades portuguesas, trauteou uma versão adaptada de uma modinha da terra: “Cá estou eu, cá estou eu outra vez em Viseu para dizer ao André que ele é hoje um bebé. Ora zus, trus, trus! Ora zás, trás, trás! Ora chega, chega, chega, deixa o Marcelo lá para trás!’. Depois, a mandatária agradeceu a todos os que, “apesar das restrições impostas por esta maldita ‘palermia’, não deixaram de estar presentes”. E mesmo sabendo que não é “loura”, não tem “olhos azuis”, não é “alta”, não é uma “bomba sexual”, mas sendo também atriz, decidiu “copiar a ideia da colega Marilyn Monroe e oferecer ao André a mesma prenda que a Marilyn ofereceu ao Kennedy”. E cantou “Happy Birthday to You, Mr. President”, com um suspiro lânguido pelo meio e, no fim, um beijo na cabeça do candidato.

Reconhecendo que alguns ainda estariam “em estado de choque com o grande número que a ‘Parrachita’” ali fez, Ventura disse que nunca pensou que “a Marilyn Monroe cantasse” para si. “No máximo, imaginava, sei lá, a Ágata a cantar para mim ou aquela que cantava ‘continuas chamando-me assim, bebé’... a Ruth Marlene!”. Alguém corrigiu: era a Romana. “Vou começar hoje em Viseu como terminei ontem na Guarda: nada está garantido”, sublinhou, referindo-se à sondagem que o coloca em segundo lugar, à frente de Ana Gomes, e reforçando o apelo ao voto. Com os seus gestos expansivos, alguns microfones caíram do púlpito. “Amanhã vão dizer que é boicote à comunicação social”, gracejou. E um apoiante: “Eu vou postar aqui no Facebook: ‘André Ventura deita comunicação social abaixo’”.

“Não pensem que os números se multiplicam por milagre”

Agora mais a sério, “nada está garantido”, repetiu Ventura, “não pensem que os números se multiplicam por milagre”, demonstrando alguma falta de fé quando, dois dias antes, dissera ter recebido “um sinal dos céus”. Segundo ele, há duas opções. “Marcelo vence e o PS vai continuar a ser levado ao colo ou provocamos uma segunda volta e nada ficará como dantes”, declarou. Já se fala numa “convergência de esquerda”, disse, “para evitar o que aconteceu em França quando Jean-Marie Le Pen e Marine Le Pen passaram à segunda volta”. Recordou que Ana Gomes não tem o apoio do PS e lançou uma pergunta ao Bloco de Esquerda, que apoia Marisa Matias: “Como é que se vão dar à humilhação tremenda de desistir por uma candidata apoiada pelo PAN e pelo Livre apenas para derrotar o André Ventura?”.

O próprio confessa não saber se a candidata bloquista ou o candidato comunista, João Ferreira, vão desistir. “Na verdade, se Tiago Mayan desistisse, era mais um candidato de esquerda a desistir”, disse, referindo-se ao candidato da Iniciativa Liberal. Nesta altura, também não pode prometer vitórias, disse ainda, mas pode prometer “a luta até ao fim, contra tudo e contra todos, contra os dois candidatos socialistas desta eleição: Ana Gomes e Marcelo Rebelo de Sousa”. E assumiu “um compromisso”: “Mesmo que todos desistam por Ana Gomes para evitar que eu passe à segunda volta, vou lutar até ao último dos segundos desta campanha eleitoral para que, mesmo que eles se unam todos, fiquem pelo menos a uma décima de chegar ao resultado do André Ventura e, por isso, sim, derrotaremos a esquerda toda”.

Os seus adversários estão “tocados de medo, desafinados de receio, desmotivados e desorientados”, descreveu, apontando agora sobretudo a João Ferreira e a Marisa Matias e à “falta de convicção com que estão nesta campanha”. “Nem eles acreditam que vão ter um bom resultado. João Ferreira parece que está a ser puxado para andar ali”, exemplificou. “Sabem que vão ficar para trás, andam à procura de uma justificação, de desculpas e agora encontraram. Chama-se abstenção”, disse. Entretanto, “caminhamos sorridentemente para uma ‘venezuelização’ do regime, para uma tomada de poder ditatorial pela extrema-esquerda, sem que ninguém se preocupe”. Ninguém, claro, tirando Ventura, o autoproclamado “homem do leme”, que afirmou mesmo que “só falta começarem a prender opositores políticos”.

O “homem do leme” e as preocupações de Sócrates

“Se precisamos de um homem do leme, esse homem do leme não é António Costa nem Marcelo Rebelo de Sousa de certeza absoluta. Esse homem do leme será certamente a Quarta República que precisamos para este país”, personificou. (E aqui entrou a emblemática música de Vangelis, curiosamente a mesma que se tornou hino de campanha de António Guterres, que na véspera Ventura acusara de se ter “posto a andar”. A música ainda haveria de regressar mais um par de vezes.) Costa não poderá ser “esse homem do leme” porque “temos um Governo que mentiu à Europa e assim nos envergonhou a todos perante a União Europeia”. “E nada acontece. Não há uma ministra que se demite, não há um Governo que cai”, lamentou, referindo-se ao caso do procurador europeu. E disse que “ainda hoje vimos na Holanda, por muito menos, o Governo a cair”.

Sai mais um número de comédia para as mesas dos entusiasmados apoiantes. “Hoje eu tive um ataque de quem menos esperava: José Sócrates. Disse que estava muito preocupado... Já estou a imaginar José Sócrates preocupado, com o tal cofre da mãe lá em casa, cheio de massa, e de roupão”. O antigo primeiro-ministro mostrou-se “muito preocupado com a violência que trouxemos para o debate político”, acrescentou, recriando um desabafo imaginado de Sócrates: “Ah, a extrema-direita, meu Deus! Ainda acabo na prisão se isto corre mal...”. E um telefonema “ao amigo Carlos Santos Silva”, dizendo que “já nem a Venezuela” os salvaria e pedindo “um asilozinho em Cuba”.

As cerca de seis dezenas de apoiantes riram e aplaudiram e, após as palavras do “homem do leme”, a sala do hotel viseense transformou-se, por breves minutos, num salão de baile improvisado, com “Dancing Queen” a abrir a pista. Enquanto alguns convivas ainda arriscaram uns passinhos de dança, outros iam-se já dirigindo para o exterior. A campanha do Chega prossegue este sábado com paragens em Vila Real e Bragança.

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