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Discurso de Ventura indigna Governo, incomoda direita e divide PSD

Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, e Ana Catarina Mendes, ministra dos Assuntos Parlamentares, em representação do Governo no encerramento da Convenção do Chega
Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, e Ana Catarina Mendes, ministra dos Assuntos Parlamentares, em representação do Governo no encerramento da Convenção do Chega
TIAGO MIRANDA

Moreira da Silva condenou representação do PSD na Convenção do Chega. CDS e IL mostram distância e o Governo acusou Ventura de fazer um “discurso de incitamento ao ódio” e contra a democracia

Sentados na primeira fila, nas cadeiras reservadas aos convidados, Ana Catarina Mendes, ministra dos Assuntos Parlamentares, e Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, ouviram notoriamente incomodados o discurso final de André Ventura. A ministra tentou manter alguma impassibilidade enquanto os delegados apupavam e gritavam “Vergonha!Vergonha!”. Saiu assim que o líder do Chega terminou e não poupou palavras na saída.

A ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, saiu da sala logo depois do discurso de André Ventura, notoriamente indignada com o que ouviu. “Aquilo que aqui vimos foi incitamento ao ódio e isso é contra a democracia”, disse a ministra que representou o Governo no encerramento da Convenção e que, como a própria disse, “não tinha como não marcar presença”.

“Há todo um mundo que distingue e que afasta o Chega do Governo”, disse a ministra, condenando o “discurso de ódio e de desrespeito pelo portugueses” e prometendo: “O Governo continuará a trabalhar como sempre para reforçar a democracia.”

Ana Catarina Mendes disse que a Europa vive uma guerra “motivada pelos discursos de ódio” como os que se ouvem no Chega e defendeu que é preciso um Estado social forte para dar resposta a todos. “Num cenário desta guerra e com os sintomas da inflação, o Governo não se desviará para proteger todos: os que cá estão e os que cá chegam”, prometeu.

PSD dividido

Se o Governo se indignou, a reação da Iniciativa Liberal também foi de repúdio, a do CDS de marcação de diferenças e a do PSD de algum incómodo no local, mas de divisão dentro do partido.

Por várias vezes, nesta Convenção, André Ventura disse que o PSD terá de se entender consigo se quiser voltar ao poder neste país e até disse que quer ministros num futuro governo de direita. À saída da sessão de encerramento, Miguel Pinto Luz, vice-presidente social-democrata, respondeu aos jornalistas que “não é o tempo, nem o local para fazer essa discussão”.

Fixado em passar a mensagem de que o PSD é a “única alternativa”, Pinto Luz comparou o Chega ao Bloco pela forma como se “alimenta da frustração coletiva para se tornar audível” e classificou-o mesmo como o partido do “berro e acrimónia”. Mas manifestou compreensão pelos muitos portugueses que se juntam ao Chega “e a outros partidos dos extremos porque estão zangados”.

Contudo, repetiu várias vezes, “só há um partido que é alternativa ao PS e é o PSD”, pelo que acredita, “na altura certa”, os portugueses serão confrontados com uma opção: ou vão “para o partido do berro e da acrimónia” ou “para um projeto reformista e credível do PSD”, que é “o único partido capaz de fazer a transformação necessária” em Portugal.

Ainda mal Pinto Luz tinha acabado de falar, já Jorge Moreira da Silva manifestava o seu repúdio nas redes sociais. “Considero lamentável a presença do PSD na Convenção do Chega. É uma inaceitável normalização de um partido racista, xenófobo, extremista. Repito o que disse em 2020 e nas Diretas de 2022: nunca, jamais, em tempo algum. Viola os nossos valores e princípios. E nisso não se transige” escreveu Moreira da Silva, que foi adversário de Montenegro nas últimas diretas sociais-democratas.

E, pouco tempo depois, também Marques Mendes, no seu comentário na SIC, defendia maior distância do PSD em relação ao Chega. A relação com o partido de André Ventura, que foi militante e candidato autárquico do PSD, continua, assim, a gerar divisão no PSD, que tem um acordo com o Chega nos Açores.

Liberais e CDS mostram distâncias

Se no PSD o discurso oficial não é de demarcação clara, na Iniciativa Liberal é cada vez mais clara a linha vermelha.Se dúvidas houve, com esta Convenção “fica claro para todas as pessoas” que não há que aproxime o Chega e a Iniciativa Liberal, disse o líder parlamentar dos liberais, Rodrigo Saraiva, à saída do discurso de André Ventura.

“Escusam-se continuar a perguntar se há entendimentos com este partido: não! Há todo um mundo que nos separa”, garantiu o dirigente liberal, salientando como a IL defende a liberdade individual e a liberdade económica. Se ainda existissem dúvidas sobre alguma proximidade económica as propostas do Chega no Parlamento desfazem essas dúvidas, acrescentou Rodrigo Saraiva, apontando que são propostas que só representam mais despesa e mais dívida.

À direita, também o CDS faz parte do Governo açoriano e, portanto, também do acordo com o Chega feito na liderança de Francisco Rodrigues dos Santos. Mas Paulo Núncio, representante do CDS na Convenção, quis separar bem as águas e apontar ao Chega uma “contradição insanável”: “Não é possível ser um partido do protesto radical e ao mesmo tempo querer ser um partido de governo; não é possível ter como parceiros internacionais partidos que são contra a União Europeia e, ao mesmo tempo querer fazer parte de um governo.”

O CDS, partido que perdeu a representação parlamentar há um ano nas mesmas eleições em que o Chega cresceu de um para 12 deputados, “é um partido muito diferente do Chega”, salientou Núncio. “O CDS é o único partido em Portugal da direita que defende a democracia cristã e esta defesa do personalismo inspira uma visão do homem, da família e da sociedade que nos distingue claramente do Chega”, justificou o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no Governo Passos-Portas.

O dirigente do CDS começou, contudo, por dizer que “a democracia portuguesa vive hoje um dos momentos mais delicados da sua história”, com a “catadupa de casos e detenções” que mostram como “este Governo está em fim de ciclo e não tem condições para continuar a governar”.

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