Faltam 30 minutos para as oito da noite e a sala ainda está por encher. Mais tarde, será este o palco para Mariana Mortágua responder a Rui Tavares e defender as conquistas de Abril que só uma “esquerda forte” pode proteger. Por agora, o fado calmo de Ana Moura ecoa por entre as cadeiras vazias e paredes de azulejo tradicionais, mas na cozinha do Restaurante “O Mário”, em Leiria, a azáfama é mais do que a habitual para uma quinta-feira à noite. Esta noite são espetadas, porque para servir os mais de cem militantes esperados é preferível cozinhar “coisas mais simples à base de grelhados”.
Foram no entanto as declarações do dia que fizeram o discurso da bloquista pegar fogo. A confusão instalou-se depois de Rui Tavares ter dito que a “direita democrática” precisava de ter alguém para conversar. Mariana Mortágua não quis deixar as palavras do coordenador do Livre viverem muito tempo. Primeiro porque há uma luta à esquerda do PS e depois para evitar que se crie a ideia que a vitória à direita é dado adquirido. Mariana quis reagir rápido e aproveitou o discurso da noite para “dar uma nota” sobre o assunto e mandar recado ao Livre de que não devia falar como se a eleição estivesse perdida. “Devemos estar totalmente concentrados em derrotar uma aliança PSD e IL. Este é o momento de lutar, não de confundir”, afirmou.
Reafirmando a convicção de que “é possível derrotar a direita”, apelou ao voto no BE o “entendimento mobilizador” que defenda as conquistas de Abril. “Para travar a extrema direita é preciso uma esquerda forte. Essa esquerda forte sabe que não é com uma aliança com PSD e IL que se melhora a democracia”.
O discurso da noite de Mariana Mortágua estava contudo a ser escutado por um indeciso. Nos 29 anos em que António Durão aqui trabalha, o chefe de sala já viu passar muitas campanhas de partidos diferentes e, para ele, servir o Bloco de Esquerda ou outro não faz diferença. “Não ligo a essas coisas”, diz apesar de até conhecer o projeto bloquista “por alto” e reconhecer Mariana Mortágua “da televisão”. Ainda assim garante que dia 10 de março vai às urnas: “Em quem não sei, mas claro que vou votar.”
António Durão está entre os 18% de indecisos (contabilizados na mais recente sondagem SIC/Expresso, divulgada esta quinta-feira). Mas Mariana Mortágua desvaloriza sondagens. “O problema desta campanha sobre cenários é que ela empobrece o debate”, criticou. “É com toda a confiança que sinto a subida do bloco, como vocês sentem porque estão na rua.”
Pizarro e PNS num discurso que fez pontaria à esquerda
Rui Tavares não foi o único nome da esquerda na mira da coordenadora bloquista. Depois de um dia centrado na defesa do direito à habitação em Lisboa, Leiria - onde o cabeça de lista, Rafael Henriques, é médico de família - foi sítio para voltar a defender o SNS.
“Para o Rafael, como para tantos outros profissionais, o SNS é um compromisso, uma luta diária” e quando isso acontece “quem paga são os utentes”, começou por dizer. Lembrando o concurso público para médicos de família aberto com a maioria absoluta que deixou 70% das vagas por ocupar, a coordenadora nacional do BE fez pontaria ao ministro da Saúde que na altura considerou o concurso um “sucesso”. “Faltou muito pouco para ouvirmos Manuel Pizarro dizer que o SNS está melhor, só o acesso dos utentes é que está pior”, numa referência à conhecida frase de Luís Montenegro que um dia disse que o país estava melhor, as pessoas é que não.
E seguiu para outro nome socialista, o de Pedro Nuno Santos que já nesta campanha garantiu que não dará “nenhum passo atrás” no Estado Social. Para Mariana Mortágua este é um “bom início de conversa”, mas “para salvar o SNS é preciso fazer o contrário do que fez a maioria absoluta”. É preciso reconstruir o SNS, defendê-lo da “fúria privatizadora da direita” e alargar as suas valências. “Se foi possível no 25 de abril [construir um SNS do zero], não me digam que não é possível agora.”
Com os alvos fixos no bloco da esquerda, houve ainda tempo para ataques mais no geral. Mariana Mortágua pôs o dedo na ferida e em dia de protestos de professores lembrou a luta pela recuperação do tempo de carreira, que é “o símbolo de vários anos de políticas erradas”. “O PS nunca hesitou em pôr o país contra os professores para tentar tirar ganhos políticos”, acusou.
Mas neste tema também não poupou a direita, recordando que quando o PS precisou de uma maioria para não repor o tempo dos professores em 2019, encontrou-a no PSD. Volvidos cinco anos, “a promessa feita por Luís Montenegro [de repor o tempo] é antinatural, cheia de truques e já nasceu afogada em impossibilidades e dúvidas. A história do PSD é a do despedimento dos professores. Se ouvirem bem, nas palavras de Luís Montenegro há sempre um ‘mas’.”
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