Europeias 2024

Portugueses são os europeus mais preocupados com emigração e desconfiam das políticas socialistas de imigração

Portugueses são os europeus mais preocupados com emigração e desconfiam das políticas socialistas de imigração
JOSE SENA GOULAO

Novo estudo sinaliza que partidos moderados estão a tentar combater a extrema-direita de forma errada (e aponta quatro caminhos alternativos para afinar as campanhas até às eleições europeias)

“uma viragem brusca à direita” no horizonte europeu e, para a combater, os partidos moderados estão a adotar uma “estratégia dupla”. “Esta consiste em imitar as políticas de direita em matéria de migração e promover uma narrativa do sucesso da UE, centrando-se na sua resposta à crise climática, à pandemia de covid-19 e à guerra da Rússia contra a Ucrânia.” Só que ambas podem sair furadas.

O diagnóstico é feito pelo European Council on Foreign Relations (ECFR), que publica esta quinta-feira mais um estudo sobre a situação política da União Europeia baseado em estudos de opinião realizados em 12 países (incluindo Portugal). E se já antes das eleições um estudo da mesma instituição antecipava que o Chega podia eleger quatro eurodeputados, no rescaldo de 10 de março esta ideia parece sair reforçada. Mas há outros padrões identificados pelo ECFR que podem ser detectados na realidade nacional.

(Des)radicalização das direitas

“Nos últimos anos temos assistido simultaneamente a uma radicalização de alguns partidos da direita europeia e a uma desradicalização de alguns da extrema-direita”, escrevem os autores Ivan Krastev e Mark Leonard.

Se esta radicalização é fácil de identificar no PiS polaco ou no Fidesz húngaro, em Portugal, a direita parece não ter andado nesta direção. A exceção foi a entrada de Passos Coelho na campanha para as legislativas, quando num comício da AD no Algarve agitou a campanha ao colar a imigração à sensação de insegurança.

Em sentido inverso, já no V Congresso Nacional do Chega no início de 2023 eram visíveis sinais de moderação do discurso. A tendência amplificou-se este ano, quando na Convenção em Viana do Castelo André Ventura admitiu pousar algumas das bandeiras mais polémicas do partido com vista a um “equilíbrio” que permitisse a governação à direita.

Por outro lado, sublinham os autores, a extrema-direita europeia não é coesa e tem até mostrado uma capacidade limitada de cooperação. E isto é também notório nas diferentes visões que têm sobre a Europa. Na reunião da extrema-direita europeia em novembro, quando surgiu ao lado de Marine Le Pen (da União Nacional francesa) e de Tino Chrupalla(da AfD alemã), as posições de André Ventura pareceram ter evoluído para uma aproximação aos homólogos.

Ainda assim, consultando o programa às legislativas, o Chega não se apresenta como um partido eurocéptico. Pelo contrário, o partido defende que é necessário “reafirmar a necessidade de Portugal permanecer na UE é vital para o País”, embora seja taxativamente contra qualquer transferência adicional de soberania para os órgãos da UE.

Assim, se em 2019 (quando o Chega concorreu dentro da coligação Basta e ficou longe de eleger com cerca de 49 mil votos) foi possível colar a extrema direita a um euroceticismo, o mesmo argumento pode agora não ser tão mobilizador (principalmente em Portugal). Segundo o ECFR, Portugal está entre os países onde o eleitorado menos acredita que o líder do principal partido da extrema direita quer sair da UE (apenas 23% dos eleitores da extrema direita acreditam, face a 28% no restante eleitorado).

A “obsessão” com a imigração e as “maiorias desconfiadas”

A “armadilha da migração” é outra das tendências. De acordo com o ECFR, a forma como os europeus olham para as seis crises que afetaram a UE nos últimos 15 anos (clima, pandemia, imigração, Ucrânia, financeira e Gaza), apenas Áustria e Alemanha revelam uma preocupação “desproporcionalmente elevada” com a imigração. No caso português, a crise financeira é a preocupação que mais inquiridos apontam como aquela que mais mudou a forma como encaram o futuro.

Mais: Portugal surge como o país onde mais pessoas estão tão preocupadas com as saídas do país como com as entradas. Isto foi notório na última campanha eleitoral, em que da direita à esquerda, a questão da emigração (sobretudo jovem) foi tema recorrente.

Isto leva os autores a concluir que a imigração assumiu uma centralidade no debate europeu como resultado do “sucesso da extrema-direita em torná-la um símbolo dos falhanços da UE”. “Seguir as políticas da extrema-direita acarreta muitos riscos e não tem garantia de atrair ou reter os eleitores mais preocupados com a imigração”, escrevem.

Isto sobretudo quando há uma “ascensão de maiorias desconfiadas”, eleitores para quem contam mais as perceções do que suspeitam ser as intenções dos políticos do que o que estes dizem publicamente. E Portugal é o país europeu onde os inquiridos mais desconfiam que os líderes da principal força europeísta (aqui considerado o PS) querem abrir as fronteiras a imigrantes e refugiados (54%).

Percepções sobre vontade dos políticos em relação à imigração


Em contrapartida, uma campanha assente no que a classe política tende a destacar como os sucessos europeus (gestão da pandemia, apoio à Ucrânia e Pacto Verde) pode igualmente sair furada, com os partidos moderados a arriscar “salientar aquilo que os torna impopulares” e mobilizar eurocéticos. Este risco parece ainda assim ser mais reduzido em Portugal, com os portugueses a estar entre os que mais avaliam positivamente a gestão da pandemia e o apoio à Ucrânia, assim como entre os mais disponíveis para cortar nas emissões de carbono (mesmo que para tal o custo da energia aumentasse).

“A ascensão de maiorias desconfiadas – ou mesmo paranóicas – significa que as elites podem facilmente tornar-se vítimas da sua retórica musculada. Os líderes europeus correm o risco de se concentrarem demasiado na política, ao mesmo tempo que parecem afastados das preocupações centrais dos seus eleitorados”, concluem os cientistas políticos do ECFR. Assim, “se os líderes quiserem travar a ascensão da extrema-direita, terão de encontrar uma forma mais autêntica de fazer campanha.”

Quatro “estratégias alternativas”

Combater a extrema direita e o euroceticismo não tem uma solução única, até porque o eleitorado vota nas europeias com uma perspetiva nacional, argumenta o ECFR. Por isso sinaliza quatro caminhos possíveis a aplicar consoante as realidades nacionais.

Por um lado, os partidos podem optar por tentar que a polarização do sistema político trabalhe a seu favor. Esta estratégia já foi bem sucedida nas europeias de 2019, mas também nas legislativas de 2022. Parece contudo ter-se esgotado a 10 de março.

Por outro lado, os partidos podem optar por tentar mobilizar o eleitorado moderado e desmobilizar os eurocéticos. No passado, este eleitorado de extrema-direita tendia a participar menos nestas eleições por serem referentes a uma instituição que preferiam que não existisse, aponta o ECFR. Agora, o eleitorado eurocético está altamente mobilizado, em alguns países até mais do que o europeísta. Embora este não seja o caso português, havia ainda assim 50% dos eurocéticos a afirmar que vão “definitivamente” votar a 9 de junho (e isto num estudo feito em janeiro, muito antes do aumento da participação nas últimas legislativas).

Um terceiro caminho pode passar por focar a campanha noutras crises que preocupam os eleitores indecisos. Em Portugal, como acontece noutros países, as mulheres estiveram sobrerrepresentadas entre os indecisos nestas legislativas. Focar a campanha em temas como as leis do aborto, igualdade laboral e direitos de minorias pode mobilizar o seu voto.

Por fim, há um argumento passível de ser usado na geopolítica. Ao contrário do que aconteceu em 2019, neste momento, há uma menor ambivalência em relação a Donald Trump na Europa. A sua possível reeleição em novembro pode criar “uma abertura” para que alguns líderes foquem a campanha na necessidade da Europa ter uma autonomia estratégica, nomeadamente em questões de defesa. Isto pode “acordar alguns eleitores europeus para a necessidade de preservar uma direção pró-europeia no Parlamento Europeu”. Nomeadamente, quando do outro lado está um líder que imita Trump.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: calmeida@expresso.impresa.pt

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