Marcelo e Aguiar Branco exaltam Eça como crítico-mor do país, em cerimónia no Panteão que mereceria “uma das suas melhores crónicas”
JOSÉ SENA GOULÃO
Das duas principais figuras do Estado admitiram que Eça talvez não apreciasse um evento em sua homenagem com tanta pompa e circunstância. José Pedro Aguiar Branco argumentou que "é por isso que o seu lugar sempre foi o óbvio: entre os nossos maiores, onde pertence, neste silêncio fala com eloquência"
Eça de Queirós repousa, enfim, no Panteão Nacional, em Lisboa, e numa cerimónia pautada por momentos de leitura da obra do escritor, e de música mencionada nos seus livros, Marcelo Rebelo de Sousa e José Pedro Aguiar Branco destacaram a intemporalidade das palavras de Eça e dos seus comentários sobre o país. As duas principais figuras da hierarquia do Estado fizeram um exercício sobre o que diria Eça do evento, com um discurso ao jeito do próprio autor e defenderam que a maior homenagem a fazer é continuar a lê-lo. Já no final do seu discurso, o presidente da Assembleia da República aproveitou para deixar uma farpa contra “megalomanias”.
“Será sobretudo a sua ironia e o seu prazer em derrubar ídolos que nos protegerá de triunfalismos e megalomanias”, disse o presidente da Assembleia da República a fechar o seu o discurso, num comentário bem mais focado no presente, uma deixa subtil contra o populismo. . “Se assim for, também por isso, valeu a pena” esta cerimónia, salientou José Pedro Aguiar Branco, que elevou o estatuto de Eça de Queirós como um provedor nacional, um escritor e um homem a quem as críticas são sempre permitidas. Tecendo paralelismos com o passado e o presente, o presidente da Assembleia da República disse Eça é “mais do que qualquer outro, o escritor que nos descobre os vícios, o que nos denuncia, o que brinca, mesmo à distância do tempo, com os nossos defeitos coletivos.”
Cerimónia de Concessão de Honras de Panteão a Eça de Queiroz- Homenagem na Assembleia da República.
Nuno Fox
“Há críticas que só aceitamos quando são feitas pelos nossos. Há verdades que só os mais próximos nos podem dizer. Eça de Queirós conquistou na cultura portuguesa esse estatuto”, afirmou. Falou das críticas de Eça e da sua intemporalidade, sobre os políticos que “lidam mal com as farpas da imprensa” e sobre as elites, mas não deixou de notar que as críticas partem de alguém que “só podia gostar muito deste país”. Enalteceu também o “brilho no seu percurso diplomático” em Cuba, onde serviu como diplomata e onde promoveu uma “defesa intransigente do humanismo”. “Foi muito mais do que um escritor. Foi, numa palavra, um reformista, e naqueles tempos reformista era um insulto. Hoje, para uns tantos, não será muito diferente”, vincou.
Aguiar Branco admitiu que Eça, num possível comentário irónico sobre a cerimónia desta quarta-feira e os discursos do próprio presidente do Parlamento, “certamente escreveria uma das suas melhores crónicas de sempre”. “E é por isso que o seu lugar sempre foi o óbvio: entre os nossos maiores, onde pertence, neste silêncio fala com eloquência”, sublinhou. Deixou ainda um agradecimento à aldeia de Santa Cruz do Douro, em Baião, onde o autor estava sepultado até agora, por “partilhá-lo com milhões de portugueses”.
"Quantos estão tão vivos como Eça?", pergunta Marcelo
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que a transladação e as honras do Panteão Nacional são uma suprema homenagem para o escritor, nascido na Póvoa de Varzim, que nunca deixou de estar presente na cultura portuguesa desde o momento em que foi publicado.
O Presidente começou por questionar “quantos escritores portugueses estão tão vivos como Eça de Queirós?”, e vincou que escritores como Eça são “vivos porque os lemos, de facto, por oposição a termos lido por obrigação escolar, por oposição a serem um vago nome de rua ou de jardim”.
“Neste Panteão Nacional, repousam alguns dos nossos maiores políticos, escritores, artistas e desportistas. Não todos, nem todos da mesma grandeza, mas certamente importantes ou estimados em determinada época. E a maioria deles estimados e importantes ainda hoje. É um lugar dos imortais”, disse o Presidente da República. Defendeu que “a maior homenagem a Eça será sem dúvida reeditá-lo, estudá-lo e, acima de tudo, lê-lo”, mas vincou que “há atos de justiça, como esta trasladação, mesmo não conhecendo as vontades do escritor sobre a matéria”.
Marcelo assumiu que Eça de Queirós talvez odiasse a cerimónia desta quarta-feira, e citou palavras semelhantes ditas por Agustina Bessa-Luís, aquando das comemorações dos 100 anos do nascimento do escritor: “Nunca haverá uma maneira certa de comemorar Eça, porque todas as comemorações ficam aquém. As verdadeiras homenagens são feitas pelos milhões de leitores de Eça.”