No dia em que dá o tiro de partida para o Congresso do PS, que dura até domingo em Lisboa, Pedro Nuno Santos deixou algumas pistas programáticas em entrevista ao podcast ‘Geração 70’, do jornalista Bernardo Ferrão, no festival de Podcasts do Expresso. Questionado sobre a mais recente polémica em torno da compra de ações dos CTT, Pedro Nuno Santos admitiu que o então governo socialista de José Sócrates “fez mal” em inscrever a privatização dos correios no memorando da troika, mas garante que não tenciona reverter nem essa, nem nenhuma outra privatização. Estabilidade e previsibilidade são bens maiores, admite.
“Não temos a pretensão de corrigir todas as asneiras que PSD e CDS fizeram naqueles quatro anos”, afirma, sublinhando que muitas dessas privatizações “foram mal feitas, mas não podemos estar sempre a reverter tudo o que os outros fizeram”. “O pior que pode acontecer é cada novo governo achar que vai inventar a roda e reverter tudo. Foram mal feitas, mas entretanto o país seguiu", disse numa entrevista conduzida no âmbito do ‘Festival de Podcasts’, que fecha as comemorações dos 50 anos do Expresso.
O mesmo vale para a reforma do SNS, que está em curso e que Pedro Nuno Santos diz que é para manter. “Temos é de acarinhar a reforma para ela começar a produzir resultados”, disse, mostrando-se sempre muito “orgulhoso” do trabalho feito pelo governo de António Costa, embora reconhecendo que “não está tudo bem”.
A sombra de Costa, a dívida abaixo dos 100% e o ‘fundo Medina’, que “não se adequa à realidade portuguesa”
Questionado sobre a liderança ‘bicéfala’ que tem mantido com o ainda primeiro-ministro desde que foi eleito secretário-geral do PS, Pedro Nuno procurou relativizar a ideia de que António Costa lhe faz sombra, assumindo que quererá “sempre” contar com o “camarada” António Costa, mas avançando que vai ser feita uma gestão das suas presenças no período de campanha eleitoral.
"Não faz sentido, nem para mim, nem para ele [que António Costa esteja sempre ao seu lado em campanha"], mas conto obviamente com ele na campanha", disse, admitindo que teve momentos de “tensão e diferença” com o primeiro-ministro quando estava no governo. Mas, garantiu, o “respeito” perdurou sempre. Essas tensões, explica Pedro Nuno, deveram-se ao facto de ele próprio ser uma pessoa que “defende as suas posições” de forma “muito afirmativa”. Além do mais, disse ainda, não receia qualquer tipo de sombra, porque “quando temos confiança em nós, é muito difícil que nos façam sombra”.
Uma dessas diferenças de posição tem a ver com a estratégia de redução mais acelerada da dívida pública. Assumindo o objetivo de continuar a trajetória de redução da dívida pública, Pedro Nuno Santos desvalorizou os esforços acentuados de Fernando Medina - noticiados esta sexta-feira pelo Expresso - para deixar a dívida abaixo dos 100% do PIB. “O relevante não é o valor, mas continuarmos a reduzir a dívida pública e preservarmos margem orçamental para investirmos nos serviços públicos”, disse. Para logo acrescentar: “O ajustamento podia ser mais gradual do que aquele que foi nos últimos anos”.
Já sobre o chamado ‘fundo Medina’, que foi apresentado por Fernando Medina durante a apresentação do Orçamento do Estado para este anos e que prevê que o excedente orçamental seja alocado a um fundo para investimentos futuros (pós-PRR), Pedro Nuno Santos volta a dizer que não vê a ideia com bons olhos: “Não se adequa à realidade portuguesa”, disse. Em causa está o facto de o seu adversário interno na corrida à liderança do PS, José Luís Carneiro, ter feito saber que quererá tentar inscrever essa medida no programa eleitoral do PS, uma vez que Pedro Nuno Santos irá aceitar contributos do adversário na corrida interna.
“Temos excedentes num país com grandes necessidades e devemos aplicar esse excedente. A alternativa a não aplicar é reduzir impostos, o dinheiro deve sempre voltar à economia. Não me parece uma solução adequada a realidade portuguesa”, afirmou, lembrando que há países que criam fundos soberanos tendo em conta a dificuldade que têm de absorver capital, mas não é o caso português.
Governabilidade? Pedro Nuno deixa Mortágua à espera e não antecipa cenários
Questionado sobre o desafio feito esta manhã pela coordenadora do Bloco de Esquerda, que se disponibilizou para um acordo escrito com o PS, Pedro Nuno Santos deixou tudo em standby. “O PS está focado nas eleições de 10 de março, concorre sozinho e está focado no seu programa eleitoral e é só no cenário de vitória do PS que trabalhamos”, disse, lembrando que o PS, ao contrário do PSD, não fez nenhum “acordo pré-eleitoral, nem pretende fazer”.
O PS vai a eleições sozinho à procura do “melhor resultado possível”, e o resto logo se vê, garantindo que procurará a solução governativa que melhor respeite o programa eleitoral do PS. Sem saber a “correlação de forças, não vale a pena antecipar cenários”. O mesmo acontece para os cenários de governabilidade do day after: o PS junta-se ao Chega para aprovar uma moção de rejeição a um eventual governo minoritário do PSD? Pedro Nuno não diz. Nem que sim, nem que não. “Não estamos aí”.
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