Durão Barroso já percorreu o mundo inteiro e foi acabado de aterrar da China, onde reuniu com o primeiro-ministro, que chegou este fim de semana à Universidade de Verão do PSD para dar uma aula sobre os desafios da Europa aos jovens simpatizantes social-democratas. Apontado por muitos como possível - e desejado - candidato presidencial para 2026, o ex-presidente da Comissão Europeia aproveitou a sua intervenção inicial para deixar um recado ao partido que já liderou: que se concentre nas eleições europeias do próximo ano, sugerindo que não disperse para outras eleições mais longínquas. No final, aos jornalistas, reforçou o apelo e elevou a fasquia - o PSD “deve ganhar” as eleições europeias -, ao mesmo tempo que remeteu para o que disse em fevereiro para voltar a afastar uma candidatura presidencial. “Façam o trabalho de casa”, atirou. O que disse, está dito.
“Nós no PSD somos por excelência o partido da Europa e devemos ter orgulho nisso”, começou por dizer, lembrando que foi com Cavaco Silva que o país aderiu à União Europeia (UE), que foi o governo de Passos Coelho que “tirou Portugal da bancarrota que tinha sido provocada pelos socialistas e José Sócrates”, e que foi consigo próprio que Portugal presidiu durante dez anos à Comissão Europeia num período “extremamente difícil para a UE”.
Daí que diga que o PSD tem “autoridade e credibilidade” para falar e propor no contexto europeu, e deve fazer uso disso mesmo estabelecendo as eleições europeias do próximo dia 9 de junho como a sua “prioridade imediata”. “Devemos estar a preparar as nossas equipas, a ter uma mensagem para o país e a dizer como vamos executar o projeto nacional em articulação com o projeto europeu”, disse aos jornalistas, deixando subentendida uma crítica ao PSD para que não se distraia com outras eleições - como as presidenciais que têm feito correr tinta nas últimas semanas, desde que o ex-líder Luís Marques Mendes se antecipou e aproveitou a rentrée para se assumir como potencial candidato à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa em 2026.
Também Pedro Santana Lopes, que pode estar prestes a voltar a filiar-se no PSD, não descarta uma candidatura, e o país político agitou-se à direita com o tema. Até Marcelo Rebelo de Sousa deu o seu contributo quando decidiu comparecer de forma presencial (pela primeira vez) na rentrée do seu partido de origem, tendo sido recebido por Luís Montenegro, num gesto que deu aso a leituras de apoio político que cairam mal junto do Partido Socialista. Perante os jovens social-democratas, Marcelo forçou-se a falar apenas da Ucrânia, mas deixou um recado ao seu possível sucessor: que mantenha o legado de “proximidade” que Marcelo conquistou, e que, no resto, onde Marcelo falhou, faça melhor do que ele.
Quanto a isso, Durão Barroso voltou a afastar uma candidatura. “Remeto para o que disse na atribuição do ‘Honoris Causa’ na Universidade Católica, em fevereiro”, disse perante as perguntas dos jornalistas. Mas perante a insistência - “Em política nunca se diz nunca, mas neste caso está a dizer?” - a resposta seria taxativa: “Exatamente”.
E reiterou: “Não estou com qualquer disponibilidade para intervenção política ou partidária, não estou na vida política ativa”.
A 2 de fevereiro, em Lisboa, Durão Barroso tinha respondido que não estava na competição das presidenciais. Passaram-se seis meses, mas não quer mudar uma vírgula. “É o cargo mais importante que um português pode ter, fico lisonjeado, mas não há minimamente hipótese”, disse na altura, acrescentando uma outra frase mais enigmática. “Mesmo se tivesse essa vontade, não sei se alguém votaria em mim”. Apesar da aparente abertura, agora voltou a sugerir que não, não é essa a sua batalha. “Não vou estar sempre a repetir-me, a minha posição é exatamente a mesma”, disse.
Fasquia alta: “É muito importante o PSD ter uma vitória nas europeias”
Ainda assim, o atual presidente da Aliança Global para as Vacinas, não criticou quem já manifestou disponibilidade para uma candidatura. “Todos os que se sentem com capacidade para determinados cargos é bom saber a sua disponibilidade”, disse aos jornalistas, evitando traçar cenários ou fazer comentários.
O seu ponto é outro, e foi aí que subiu a fasquia para o PSD. Depois de Luís Montenegro já ter chegado a dizer, numa entrevista, que se perdesse as europeias por pouco não era necessariamente uma derrota - o que criou incómodo dentro do partido -, José Manuel Durão Barroso apontou para cima: ganhar as europeias é “muito importante” para o PSD.
“O PSD tem uma prioridade política que é preparar-se para ser governo e oferecer ao país um governo de qualidade, mas a prioridade imediata do ponto de vista eleitoral são as eleições europeias, que são daqui a alguns meses. Do ponto de vista político, para o PSD, o importante é ganhar, além das regionais da Madeira, ganhar as europeias para preparar-se para ser governo. É muito importante ter uma vitória nas europeias”, disse, evitando depois responder à pergunta sobre se o resultado das europeias é decisivo para o futuro político de Luís Montenegro na liderança do PSD. “Não vou entrar em cenários nem na política interna”, atirou.
Quanto ao perfil dos candidatos às europeias e ao timing para apresentação e candidaturas, preferiu realçar que o PSD tem “muitos valores no partido, e até independentes próximos do partido” que seriam bons candidatos.
Ucrânia na UE, mesmo que paz seja longínqua
Durante as duas horas de intervenção e perguntas e respostas dos jovens da Universidade social-democrata, José Manuel Durão Barroso falou sobre a história da União Europeia, os desafios e a ideia de que perante uma crise, a Europa tem conseguido sempre melhorar a sua integração e fortalecer a sua governação. Foi o que aconteceu com a crise institucional que deu origem ao Tratado de Lisboa, o que aconteceu com a pandemia, o que aconteceu com a crise das dívidas soberanas (onde se conseguiu que a Grécia ficasse no euro) e é também o que, acredita, vai acontecer com a crise da guerra na Ucrânia após a invasão russa.
Mostrando-se favorável a uma adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO, como defendido pelo Presidente da República em Kiev, Durão Barroso mostrou-se cauteloso: não é só o país que quer aderir que se tem de preparar, a União Europeia também tem de o fazer e, quem sabe, tem de encontrar mecanismos “criativos” para vir a acolher países cujos territórios não estejam plenamente clarificados. Uma Europa a duas velocidades não é o desejável, em teoria, mas é o que pode vir a acontecer na perspetiva de um alargamento a mais de 30 membros, defendeu.
Isto porque, do que conhece de Vladimir Putin (e foi contando histórias para sublinhar que conhece bem), Barroso não vê qualquer hipótese de reconciliação no médio/longo prazo. “Ele nunca aceitou uma realidade chamada Ucrânia, acha que é um desafio à sua própria autoridade, e, por isso, até pode vir a haver uma negociação de cessar-fogo, espero que haja, mas a paz não vejo que seja previsível no futuro”, disse, sugerindo mesmo que pode não ser possível haver paz naquele território no período da sua própria vida. “Talvez nas vossas vidas seja possível, na minha vida não vejo como possa haver”, afirmou, pedindo à Europa que esteja preparada para décadas e décadas de conflito - tal como acontece na Palestina ou na fronteira da Coreia do Norte com a Coreia do Sul.
De resto, foi taxativo: “Sou a favor, decididamente, da Ucrânia na NATO e na UE, mas acho que isso tem de ser feito com muito cuidado, não podemos baixar os níveis de exigência de entrada na UE, senão a UE passa a ser outra coisa que não a União Europeia”. Muito aplaudido pelos alunos ‘laranja’, Durão Barroso saiu de Castelo de Vide - onde esteve pela quarta vez presencialmente - a garantir que intervenção política, só mesmo uma intervenção de professor e alunos como esta.