Política

Costa admite "erros", anuncia mudanças na Habitação e deixa recados a Marcelo

Primeiro-ministro António Costa
Primeiro-ministro António Costa
ESTELA SILVA/LUSA

Primeiro-ministro admite, em entrevista à RTP, que o Governo cometeu erros, destaca dois casos “mais graves” e recusa dizer se deixa cair Medina se for “acusado” de algum processo. Em teoria, diz, não deve haver um membro do Governo acusado, mas avaliação é feita caso a caso. A Marcelo, Costa deixa recados: foi o próprio Presidente que o vinculou o quatro anos de governo. E nunca as eleições europeias foram motivo para crises políticas

No dia em que se assinala um ano das eleições que deram maioria absoluta ao PS, António Costa admite erros ("o Governo pôs-se a jeito") no primeiro ano de mandato, embora distinga níveis de gravidade nos vários casos que levaram a demissões no executivo. Em entrevista à RTP, o primeiro-ministro deixa implícito que as saídas de Pedro Nuno Santos e de Marta Temido foram as “mais graves” e admite que o novo questionário de verificação prévia passou a ser a nova bitola ética dos membros do Governo, incluindo dos atuais governantes. “Cada membro do Governo já colocou a si próprio as questões”, disse. Ser arguido num processo não é critério para sair, mas ser “acusado” é, “em princípio”, motivo para isso. Ainda assim, “depende e deve ser avaliado caso a caso”.

Com uma pequena novidade sobre a nova lei da Habitação (que vai ser aprovada no dia 16 de fevereiro, num Conselho de Ministros especial) e uma achega aos professores sobre as negociações que ainda estão em curso, António Costa deixou recados a Marcelo Rebelo de Sousa: não é ele que tem competência para negociar com sindicatos e, caso pense dissolver a Assembleia da República a meio da legislatura, estará a agir contra as suas próprias palavras no discurso da tomada de posse. Foi Marcelo, lembra Costa, que disse “de forma inequívoca” que a legislatura era de quatro anos e que o primeiro-ministro não podia interromper a meio para ir para algum cargo europeu. António Costa devia governar até ao fim. E também deixou já o aviso para a avaliação que Marcelo quer fazer em 2024. “Nunca foram umas eleições europeias que causaram uma crise política”, afirmou Costa, lembrando que só por três vezes os partidos no governo conseguiram ganhar essas eleições.

“Governo pôs-se a jeito”. Se um ministro for acusado,“em princípio”, deve sair

“Neste ano, o Governo pôs-se a jeito, cometeu erros, mas o maior tropeção foi a guerra da Rússia contra Ucrânia que teve consequências brutais na vida das pessoas”, começou por dizer António Costa quando questionado sobre os casos que têm atingido o Governo neste primeiro ano de maioria absoluta. Depois de ter procurado mostrar como a maioria absoluta é uma “maioria de diálogo”, o primeiro-ministro fez uma diferença entre os vários casos, destacando duas saídas do Governo por problemas relacionados com a governação - considerando essas “mais graves” e que tiveram “consequências políticas” com a saída de Pedro Nuno Santos e de Marta Temido - e as saídas do Governo relacionadas com “ética” ou com “casos judicias”, que levaram os envolvidos a preferirem sair do Governo para lidar com esses processos.

Em todo o caso, insistiu o primeiro-ministro, “esses problemas não comparam com os problemas que atingem o dia a dia dos portugueses”. Questionado sobre o que aprendeu nesta primeira fase do Governo de maioria, Costa assume que “nem sempre” o executivo “respondeu prontamente às dúvidas” que existiam e reforça que aprendeu neste ano que a maioria absoluta aumenta “muito o escrutínio”.

Questionado sobre as buscas na Câmara de Lisboa, que estão a deixar o ministro das Finanças sob investigação, António Costa recusa-se a especular o que apenas conhece pelos jornais, insistindo que nem Fernando Medina foi ouvido nem tão pouco constituído arguido, daí que não é sequer suspeito de nada. Nesse ponto, Costa destaca a importância da separação de poderes e da máxima que leva a que ninguém esteja acima da lei. “Deixemos a justiça funcionar, e a política deve aguardar serenamente”, diz, lembrando que o MP abre investigação sempre que recebe uma queixa.

Em teoria, sem falar do caso concreto de Fernando Medina, admite - ao fim de alguma insistência - que se um ministro for acusado em algum processo em princípio deverá sair do Governo. Ainda assim, diz, cada situação deve ser avaliada “caso a caso”. “Em princípio, havendo uma acusação não deve um membro do Governo manter-se em funções, mas, insisto, depende do crime que é. Depende se compromete o exercício de funções ou se não compromete”, diz. E insiste: “Não pode haver pressão sobre a justiça”.

Professores. “Quando o ministro da Educação fala sou eu que estou a falar”

Sobre o braço de ferro que o Governo mantém com os professores, que continuam em greve, António Costa insiste que a “negociação ainda está em curso”, logo admite ter margem negocial, mas lembra que para uma negociação chegar a bom porto “é preciso que ambas as partes queiram chegar a acordo”. A “boa fé”, diz, continua, lembrando que o Governo não suspendeu a negociação quando as greves foram convocadas, como costuma acontecer.

Rejeitando a ideia de que o Ministério da Educação esteja de pés e mãos atadas por falta de autorização das Finanças, ou mesmo do primeiro-ministro, para responder a mais exigências dos professores, Costa voltou à ideia de que o Governo é uma equipa que fala em uníssono. “A ideia de que o ministro da Educação fala por si não é verdade. Quando o ministro fala sou eu que estou a falar”, diz, rejeitando por completo qualquer mudança sobre a lei da greve.

O líder do executivo mostrou-se, contudo, muito crítico da greve promovida pelo sindicato STOP, “que visa paralisar as escolas às horas mais incertas para perturbar o mais possível”. “Sobre esse tipo de greve temos dúvidas da legalidade”, disse, afirmando que ainda está a aguardar a resposta do parecer pedido ao Conselho Superior do Ministério Público sobre o tema. Quanto ao resto, “o direito à greve deve ser respeitado” e o primeiro-ministro não tenciona “dar lições aos sindicatos” sobre como o devem exercer. “Os serviços mínimos é o que está previsto na lei da greve porque não ha nenhum direito que seja absoluto, não se pode fazer greves que visam apenas perturbar por perturbar”, diz.

Quanto à margem negocial que o Governo tem para apresentar aos sindicatos, António Costa limita-se a dizer “que o que o Governo propôs é uma verdadeira revolução na carreira dos professores”, com as medidas focadas na vinculação e no modelo de recrutamento, e lembra que as negociações começaram porque o executivo quis, e não por causa das greves.

Nova lei da Habitação a 16 de fevereiro

Na manga, António Costa levava um anúncio sobre um dos dossiês mais quentes e sobre o qual mais tem falado: a Habitação. Depois de, na Comissão Nacional do PS, ter mandatado indiretamente a nova ministra da Habitação a encontrar “novos instrumentos, nem que sejam transitórios” para resolver o problema grave do sector, o primeiro-ministro anuncia que o Conselho de Ministros vai reunir-se no próximo dia 16 de fevereiro apenas e só para aprovar uma nova lei com três pilares.

“Vamos ter, a 16 de fevereiro, um Conselho de Ministros dedicado exclusivamente à Habitação, com uma nova lei que visa a obtenção de mais solos para construção de habitação pública; um forte incentivo [fiscal] à construção de habitação por parte de promotores privados; incentivos para os proprietários colocarem mais casas no mercado de arrendamento e, com isso, apoiar os jovens no arrendamento de habitação”, disse.

A ideia, além da estratégia de habitação que o Estado está a articular com cada município, passa também por pôr o próprio Estado a disponibilizar mais casas para o mercado, seja através de construção de raiz [em Almada e Amadora, por exemplo], seja através de realojamento de famílias como as do bairro da Jamaica, onde o primeiro-ministro vai estar esta terça-feira. O PRR, lembrou, tem uma fatia de 2700 milhões de euros destinados à habitação, que o Estado está a contratualizar com os vários municípios.

Costa lembra que foi Marcelo que o colou aos quatro anos de governação

Já sobre o “ultimato” feito pelo Presidente da República, que tem dito que o ano de 2023 é decisivo e que depois das europeias de 2024 se fará nova avaliação, António Costa rejeitou a ideia de ter um governo a prazo, embora admita que o executivo “tem de provar todos os dias o que vale”.

Em todo o caso, a legislatura é de quatro anos e foi para quatro anos que os portugueses votaram e deram uma maioria absoluta ao PS, há precisamente um ano. António Costa, de resto, segura-se nas palavras do próprio Presidente da República no discurso da tomada de posse para mostrar que conta governar até 2026. Foi nessa altura que Marcelo disse com muita clareza que o mandato que os portugueses tinham confiado ao PS, e a António Costa em particular, era de quatro anos, logo, António Costa que não pensasse em sair a meio para um cargo europeu. Agora, é nessas palavras que Costa pega para mostrar a Marcelo que não faz sentido dissolver a Assembleia a meio da legislatura, quando os portugueses votaram pela “estabilidade”.

“Os portugueses decidiram que havia maioria porque não queriam eleições de dois em dois anos, o PR disse que de forma inequívoca que os portugueses tinham decidido que o governo devia governar e que eu próprio devia ser primeiro-ministro durante quatro anos”, disse, sublinhando que “se sente muito bem” para desempenhar essa função até ao fim. E que o seu médico também o atesta.

Questionado sobre o que quis Marcelo dizer quando, esta semana, disse que “a maioria absoluta não é um escudo protetor ilimitado”, Costa recusou comentar declarações do Presidente mas repetiu o que disse na noite das eleições: “Esta maioria é enorme responsabilidade, é uma maratona, os portugueses disseram ‘os senhores estão cá para correr a maratona’”, referiu, rejeitando que as eleições europeias venham a ser um momento decisivo para a avaliação do Governo, mesmo que o PS venha a perder essas eleições.

“Tenho visto esta conversa sobre as eleições europeias, mas lembro-me que só três vezes um partido que está no governo ganhou as europeias - espero que o PS ganhe -, mas não foi isso que causou qualquer crise política”, frisou, admitindo que por vezes o voto nas europeias é usado como voto de protesto contra a governação. “Há leituras politicas sim, mas veremos, até maio de 2024 há muita água para correr”, disse, terminando a entrevista a lembrar que o voto que deu maioria absoluta ao PS há um ano foi pela “estabilidade”.

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