Política

Gomes Cravinho garante que não mentiu, mas admite que sabia da derrapagem no Hospital de Belém e diz que não havia como travar

João Gomes Cravinho
João Gomes Cravinho

O ministro dos Negócios Estrangeiros diz que não mentiu ao Parlamento sobre o aumento exponencial de custos na requalificação do Hospital de Belém para receber doentes com Covid-19. Cravinho distingue ter a informação sobre a derrapagem da autorização para essa despesa se realizar. Mas também diz que esse custo tinha de ser assumido no contexto da pandemia. Promete esclarecer tudo no Parlamento.

Gomes Cravinho garante que não mentiu, mas admite que sabia da derrapagem no Hospital de Belém e diz que não havia como travar

Vítor Matos

Jornalista

O ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-ministro da Defesa João Gomes Cravinho admitiu esta segunda-feira que sabia do aumento da despesa nas obras do antigo Hospital Militar de Belém (HMB) e que não havia razão para travar as obras, mas continua a garantir que não autorizou o aumento da despesa. Nas palavras de Cravinho, “houve uma estimativa inicial” para transformar o ex-HMB em Centro Militar de Atendimento para doentes com Covid-19 mas “percebeu-se que [a verba] era insuficiente”. O ministro confirmou ter a informação sobre a derrapagem do custo das obras, que ao fim da primeira semana de trabalhos mais do que duplicou a despesa, como o Expresso noticiou esta semana. Mas, segundo as declarações do MNE à saída de uma reunião em Bruxelas, “não havia razão nenhum para travar o que quer que seja”, leia-se o sobrecusto com as obras.

Confrontado com a polémica dos últimos quatro dias, Cravinho assegura que não faltou à verdade e promete esclarecer tudo. “Não gostei nada mesmo de ser acusado de mentir, muito menos de mentir na Assembleia da República”, afirmou o ministro, que descartou as acusações de ter mentido, feitas por André Ventura, do Chega, e de a sua verdade não coincidir com a verdade dos factos, como disse o PSD “Não há nenhuma mentira no que disse, e explicarei em pormenor no Parlamento”, garantiu aos jornalistas. O ministro foi chamado à Comissão de Defesa pelo PSD, que quer “esclarecimentos imediatos”, mas ainda não há data marcada para a audição.

João Gomes Cravinho assume agora que, “em março de 2020 se torna claro que o custo da obra vai ser superior ao custo inicial estimado”, admitindo que tinha essa informação à época. A estimativa e teto do Governo era de €750 mil, mas segundo o ofício da direção-geral de Recursos de Defesa Nacional (de 27 de março de 2020) revelado pelo Expresso, a obra precisava de um acréscimo de investimento da ordem dos €920 mil, passando os custos para 1,7 milhões, sem IVA. Mas a obra acabaria ascender a €3,2 milhões no final.

O contexto da pandemia em 2020 justificava, segundo o ministro, a necessidade de se realizarem as obras e preparar o ex-HMB para receber doentes ligeiros com Covid-19. “Penso que é preciso recuar a a março 2020: as pessoas estão recordadas do que era a realidade nacional e internacional, num momento em que as nossas sociedades tinham de se preparar para algo inesperado”, situou João Gomes Cravinho. Para o ministro, o fundamental naquela altura era erguer aquela capacidade para haver mais camas disponíveis: “Naquele momento era uma prioridade absoluta criar capacidade para receber doentes Covid, e o edifício precisava de ser preparado”.

Questionado pelos jornalistas sobre porque não travou o aumento dos custos, Cravinho justificou que “se tivesse travado a despesa, esta não teria sido feita” e assim “não havia o hospital com certeza”, quando “naquele momento o objetivo era fazer o renovar o hospital”.

As respostas do ministro, no entanto, ao assumir a necessidade de renovar o ex-HMB mesmo com a derrapagem orçamental, são diferentes das justificações enviadas ao Expresso e publicadas na passada sexta-feira. Com o MNE no estrangeiro, o gabinete do ministro reencaminhou a mesma resposta que o ex-ministro da Defesa já tinha dado ao “Diário de Notícias” há dois anos sobre o mesmo tema e o mesmo ofício: "Todos os documentos relevantes respeitantes a este processo constam do processo de auditoria mandado instaurar pelo MDN, desenvolvido pela Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) e entregue no Tribunal de Contas, na sequência do despacho do ministro da Defesa”. Sem negar a existência do documento, Cravinho sublinhou nessas respostas “que não foram autorizados nem tão-pouco propostos ao Governo trabalhos extra do Exército com um valor de €920 mil”


Na verdade, o ministro continua a distinguir o conhecimento dos sobrecustos da autorização formal para a direção-geral realizar a despesa: “O grande problema aqui é a falta de autorização para se incorrer em despesa, o que já levou a uma condenação do Tribunal de Contas”, justificou Cravinho em Bruxelas. Aliás, no Parlamento já tinha dito que “não” autorizou nem lhe foi solicitado “que autorizasse” a despesa. Mas também não a travou nem a questionou enquanto esta estava a ser feita. Só três meses depois da obra concluída (em junho de 2020), é que o então diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional, Alberto Coelho - hoje arguido por corrupção e branqueamento na operação “Tempestade Perfeita” - começou a ser questionado sobre os procedimentos, adjudicações e autorizações de despesa.

O ministro garantiu que irá ao Parlamento “responder a todas as perguntas” dos deputados. Só o PSD, antes mesmo desta notícia, tinha 30 questões para o MNE e ex-titular da Defesa. “Teremos tempo para entrar em pormenor no que quiserem”, explicou. E disse que era preciso “criar condições para o hospital acolher doentes”, mas isso era “sempre algo que tinha de ser feito no quadro da lei”.

Sobre se esta polémica de alguma forma atrapalha a capacidade de estar no Governo, o ministro dos Negócios Estrangeiros respondeu: “Não, de forma alguma.”

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