Gomes Cravinho garante que não mentiu, mas admite que sabia da derrapagem no Hospital de Belém e diz que não havia como travar
João Gomes Cravinho
O ministro dos Negócios Estrangeiros diz que não mentiu ao Parlamento sobre o aumento exponencial de custos na requalificação do Hospital de Belém para receber doentes com Covid-19. Cravinho distingue ter a informação sobre a derrapagem da autorização para essa despesa se realizar. Mas também diz que esse custo tinha de ser assumido no contexto da pandemia. Promete esclarecer tudo no Parlamento.
O ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-ministro da Defesa João Gomes Cravinho admitiu esta segunda-feira que sabia do aumento da despesa nas obras do antigo Hospital Militar de Belém (HMB) e que não havia razão para travar as obras, mas continua a garantir que não autorizou o aumento da despesa. Nas palavras de Cravinho, “houve uma estimativa inicial” para transformar o ex-HMB em Centro Militar de Atendimento para doentes com Covid-19 mas “percebeu-se que [a verba] era insuficiente”. O ministro confirmou ter a informação sobre a derrapagem do custo das obras, que ao fim da primeira semana de trabalhos mais do que duplicou a despesa, como o Expresso noticiou esta semana. Mas, segundo as declarações do MNE à saída de uma reunião em Bruxelas, “não havia razão nenhum para travar o que quer que seja”, leia-se o sobrecusto com as obras.
Confrontado com a polémica dos últimos quatro dias, Cravinho assegura que não faltou à verdade e promete esclarecer tudo. “Não gostei nada mesmo de ser acusado de mentir, muito menos de mentir na Assembleia da República”, afirmou o ministro, que descartou as acusações de ter mentido, feitas por André Ventura, do Chega, e de a sua verdade não coincidir com a verdade dos factos, como disse o PSD “Não há nenhuma mentira no que disse, e explicarei em pormenor no Parlamento”, garantiu aos jornalistas. O ministro foi chamado à Comissão de Defesa pelo PSD, que quer “esclarecimentos imediatos”, mas ainda não há data marcada para a audição.
João Gomes Cravinho assume agora que, “em março de 2020 se torna claro que o custo da obra vai ser superior ao custo inicial estimado”, admitindo que tinha essa informação à época. A estimativa e teto do Governo era de €750 mil, mas segundo o ofício da direção-geral de Recursos de Defesa Nacional (de 27 de março de 2020) revelado pelo Expresso, a obra precisava de um acréscimo de investimento da ordem dos €920 mil, passando os custos para 1,7 milhões, sem IVA. Mas a obra acabaria ascender a €3,2 milhões no final.
O contexto da pandemia em 2020 justificava, segundo o ministro, a necessidade de se realizarem as obras e preparar o ex-HMB para receber doentes ligeiros com Covid-19. “Penso que é preciso recuar a a março 2020: as pessoas estão recordadas do que era a realidade nacional e internacional, num momento em que as nossas sociedades tinham de se preparar para algo inesperado”, situou João Gomes Cravinho. Para o ministro, o fundamental naquela altura era erguer aquela capacidade para haver mais camas disponíveis: “Naquele momento era uma prioridade absoluta criar capacidade para receber doentes Covid, e o edifício precisava de ser preparado”.
Questionado pelos jornalistas sobre porque não travou o aumento dos custos, Cravinho justificou que “se tivesse travado a despesa, esta não teria sido feita” e assim “não havia o hospital com certeza”, quando “naquele momento o objetivo era fazer o renovar o hospital”.
As respostas do ministro, no entanto, ao assumir a necessidade de renovar o ex-HMB mesmo com a derrapagem orçamental, são diferentes das justificações enviadas ao Expresso e publicadas na passada sexta-feira. Com o MNE no estrangeiro, o gabinete do ministro reencaminhou a mesma resposta que o ex-ministro da Defesa já tinha dado ao “Diário de Notícias” há dois anos sobre o mesmo tema e o mesmo ofício: "Todos os documentos relevantes respeitantes a este processo constam do processo de auditoria mandado instaurar pelo MDN, desenvolvido pela Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) e entregue no Tribunal de Contas, na sequência do despacho do ministro da Defesa”. Sem negar a existência do documento, Cravinho sublinhou nessas respostas “que não foram autorizados nem tão-pouco propostos ao Governo trabalhos extra do Exército com um valor de €920 mil”
João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros
Na verdade, o ministro continua a distinguir o conhecimento dos sobrecustos da autorização formal para a direção-geral realizar a despesa: “O grande problema aqui é a falta de autorização para se incorrer em despesa, o que já levou a uma condenação do Tribunal de Contas”, justificou Cravinho em Bruxelas. Aliás, no Parlamento já tinha dito que “não” autorizou nem lhe foi solicitado “que autorizasse” a despesa. Mas também não a travou nem a questionou enquanto esta estava a ser feita. Só três meses depois da obra concluída (em junho de 2020), é que o então diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional, Alberto Coelho - hoje arguido por corrupção e branqueamento na operação “Tempestade Perfeita” - começou a ser questionado sobre os procedimentos, adjudicações e autorizações de despesa.
O ministro garantiu que irá ao Parlamento “responder a todas as perguntas” dos deputados. Só o PSD, antes mesmo desta notícia, tinha 30 questões para o MNE e ex-titular da Defesa. “Teremos tempo para entrar em pormenor no que quiserem”, explicou. E disse que era preciso “criar condições para o hospital acolher doentes”, mas isso era “sempre algo que tinha de ser feito no quadro da lei”.
Sobre se esta polémica de alguma forma atrapalha a capacidade de estar no Governo, o ministro dos Negócios Estrangeiros respondeu: “Não, de forma alguma.”
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