PS e PSD tiram tempo a perguntas feitas pelos outros partidos na comissão de inquérito ao Novo Banco
Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, e Fernando Negrão, do PSD, presidente da comissão, no arranque de novo inquérito ao Novo Banco
tiago miranda
Mário Centeno será questionado por deputados do PS por mais tempo do que pelo BE ou CDS. Os microfones na audição de Maria Luís Albuquerque estarão mais tempo com perguntas do PSD do que do PCP. É o resultado do regulamento da comissão de inquérito ao Novo Banco, aprovado apenas com votos favoráveis de socialistas e sociais-democratas
Ao contrário daquilo que aconteceu em todas as comissões de inquérito anteriores, os partidos vão ter tempos diferentes para fazer as perguntas a quem for inquirido na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco. O PS e o PSD terão mais minutos de intervenção nas audições a personalidades do que os restantes, que, juntos, e à exceção da abstenção da Iniciativa Liberal, votaram contra essa intenção. Contudo, socialistas e sociais-democratas têm maioria e levaram a sua avante.
O que está em causa são minutos. Antes de haver audições – e já se sabe que Mário Centeno, Carlos Costa, António Ramalho ou Maria Luís Albuquerque serão protagonistas ouvidos –, a comissão de inquérito às perdas do Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução teve de definir como se organiza e um dos pontos é a grelha de tempo de cada audição.
Até esta comissão de inquérito, o tempo destinado às perguntas de cada deputado era a mesma. Por exemplo, no inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, cada partido dispunha, na primeira ronda de perguntas, de oito minutos, o mesmo tempo que o depoente depois tinha para responder. Agora, na comissão de inquérito ao Novo Banco, a partilha de tempos é distinta: na primeira ronda, o PS e o PSD dispõem de 9 minutos, mais um do que o BE e o PCP, com o CDS e o PAN a terem sete minutos e a Iniciativa Liberal 5. O tempo indicativo de resposta de cada depoente oscila entre os 12 minutos para os maiores partidos e os oito, no caso do mais pequeno. Na segunda ronda, todos os partidos têm 5 minutos e a Iniciativa Liberal apenas dois.
A justificação para a diferença na grelha de tempos face às anteriores comissões é o novo Regime da Assembleia da República, aprovado em agosto do ano passado, que refere que “a composição das comissões parlamentares deve ser proporcional à representatividade dos grupos parlamentares”.
PSD diz que “história vale o que vale”
Só PS e PSD concordam com esta grelha e, na reunião da comissão de inquérito que decorreu esta quinta-feira, 7 de janeiro, o BE, o PCP e o CDS fizeram questão de assumir publicamente a sua discordância.
Mariana Mortágua, Duarte Alves e Cecília Meireles, do BE, PCP e CDS, respetivamente, avançaram vários argumentos para contestar a proporcionalidade, desde o facto de as respostas dadas a um partido poderem ser consideradas mais importantes do que as concedidas a outros deputados, até à menção ao histórico das comissões de inquérito, que beneficiaram com as perguntas dos partidos que não estavam comprometidos com o assunto (e, neste caso, o PSD era Governo, com o CDS, quando o BES foi alvo de resolução, e o PS era Governo quando o Novo Banco foi vendido). Os três deputados referiram a diferente natureza das comissões de inquérito face às restantes comissões parlamentares, mencionando que levá-la para a arena do combate político poderá limitar o seu trabalho.
“Esta é a primeira comissão de inquérito guiada pelo novo regimento, ir buscar o histórico vale o que vale”, respondeu Duarte Pacheco: “O novo regime estabelece que deve existir proporcionalidade. E deve muito bem. Não valemos todos o mesmo. Há partidos que têm 2% e há partidos que têm 38%, porque os eleitores assim o decidiram”. E, mesmo assim, adiantou o social-democrata, os dois maiores partidos até estão a ser amigos dos pequenos. Se quisessem aplicar uma estrita proporcionalidade, “não era um minuto de diferença entre BE e PS, seria muito mais”, continuou. João Paulo Correia, do PS, tem a mesma opinião e referiu que as comissões de inquérito não estão excluídas, no novo regime da Assembleia, da proporcionalidade. E, assim, PS e PSD juntaram-se para, sozinhos, e apenas com a abstenção da Iniciativa Liberal, aprovar o regulamento da comissão de inquérito.
Americanização semi-completa
A reunião de comissão de inquérito desta quinta-feira serviu para organizar os trabalhos e, nas próximas semanas, deverão ser solicitados os documentos pedidos pelos partidos (depois da receção dos requerimentos, as entidades contam com dez dias para entregá-los). Só depois começarão as audições – há cem pedidos de audições, mas é certo que serão menos a realizar-se, já que os trabalhos têm de estar concluídos em abril.
O novo regimento da Assembleia da República – de que o presidente da comissão, o social-democrata Fernando Negrão, assume discordar – prevê também que a “prestação de depoimentos perante as comissões parlamentares de inquérito tem lugar na Assembleia da República, em salas devidamente preparadas para o efeito, em que o depoente e seus eventuais acompanhantes estão colocados perante os deputados, em mesa própria”.
Negrão já lhe chamou uma americanização dos trabalhos da comissão, só que, neste caso, nem tudo será respeito. Haverá uma mesa própria para os depoentes (já não estarão lado-a-lado com o presidente, como até aqui, mas sim à sua frente, depois dos dois corredores onde estão dispersos os deputados). Só que não haverá um “frente-a-frente”, como pede o regimento (os deputados continuarão nos seus lugares, pelo que não os depoentes não ficarão propriamente “perante” quem lhes está a fazer as perguntas”).
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