Os socialistas estão esta quinta-feira à noite reunidos em Comissão Política, a direcção do partido, pela primeira vez em meses e António Costa levou no bolso a lista das coisas em que o partido (e o Governo, que se confundem) tem de se concentrar. As presidenciais não entraram nos tópicos do discurso de cerca de meia-hora. Entraram só as tarefas relacionadas com o combate aos efeitos da pandemia. Costa quer o PS concentrado "nisso e só nisso", sem distrações, até porque é hora de falar com todos "com humildade", "cabeça fria" e "nervos de aço". E o "isso" consubstancia-se em duas fases: uma primeira de estabilização da economia, para os próximos meses e a segunda com o plano de retoma, que não será apresentado antes do verão.
Na conversa com os socialistas, António Costa defendeu que "esta batalha não está ganha" e que por isso a "disciplina tem de continuar". Além da disciplina, o secretário-geral socialista quer que continue o clima de paz política. "Devemos fazer um esforço para procurar manter o consenso político e social", disse. O primeiro-ministro, aqui na pele de secretário-geral do PS, recusa falar em suspensão da democracia, diz, isso sim que "é preciso um esforço" não obstante "o PS estar muito forte".
"Temos de ter a humildade que por muita força que o PS tenha, precisamos de todos os partidos, todos os parceiros para este caminho nos próximos anos". "Soubemos unir-nos contra o vírus, temos de nos unir contra a crise e o desemprego", reforçou. Antes tinha dito que sempre houve oposição e que os partidos criticaram o Governo "sem nunca porem em causa a unidade nacional que era imprescindível para enfrentarmos esta crise".
Para Costa, a "unidade" que conseguiu alcançar no combate à economia é para ser estendida a médio prazo e pode ser por anos. Aliás, o otimismo transformou-se em realismo, nas palavras do próprio, e isso faz com que diga que a fase mais baixa da crise provocada pela pandemia dure até 2023. "O máximo de otimismo que permite é ser realista e sendo realista, o que tenho a dizer-vos é que a minha convicção é que vamos ter dois anos muito duros de luta e combate", adiantou. "É nisso e só nisso que o PS tem de concentrar-se com toda a sua energia e determinação, focando-se no essencial", reforçou numa indireta a outros temas como as presidenciais.
Cabeça fria e nervos de aço
A primeira tarefa a que se propõe é a de lançar o chamado Plano de Estabilização Económica e Social (PEES), antes chamado de plano de emergência, para responder às dificuldades do período de abertura. Costa diz que há que responder às empresas em dificuldades, até porque há um efeito psicológico que ainda não passou e, apesar de a reabertura estar em marcha, não "basta abrir uma loja ou um restaurante" para que as pessoas consumam e que tudo volte à normalidade. "A vida é assim, ninguém esperava mas nestes momentos temos de manter cabeça fria, nervos de aço e determinação para enfrentar o que temos de enfrentar", disse, até porque "as medidas drásticas e radicais" que foram tomadas "têm uma fatura social e económica" que "é muito dura e começa a tornar-se evidente para todos".
Este plano, que o Governo começou a traçar começará a ser debatido na próxima semana com os partidos para que na segunda quinzena de Junho possa estar traduzido no Orçamento Suplementar. Este será um programa com quatro pilares que se traduzem em algumas medidas e em algumas "pequenas obras" que não têm grandes problemas de contratação nem custam "milhões e milhões", mas que serão imprescindíveis para, disse, estabilizar a economia. São estes os quatro pilares:
- No plano institucional, para que haja transparência e rapidez, mas sem burocracia. E para isso quer criar um Simplex SOS, que "auxilie o que é fundamental que são os processos de investimento" seja de empresas ou autarquias;
- Um apoio às micro-empresas por terem sido as mais atingidas pela crise;
- Manter as medidas de apoio ao emprego com a reivenção de mecanismos de apoios e sobretudo para ajudar os jovens que no espaço de uma década foram atingidos pela crise, além disso lançar um programa de formação e qualificação direcionada nomeadamente par o digital;
- E um quarto pilar social com Reforço do Serviço Nacional de Saúde e abertura do próximo ano letivo com garantia de "universalidade de acesso ao ensino à distância", com a distribuição de computadores para os alunos;
Nestes pilares entram ainda as obras que quer fazer, nomeadamente:
- Entre elas está retirar definitivamente o amianto de todas as escolas, aproveitando agora que estas estão fechadas.
- Avançar para a "construção de faixas de gestão de combustível nas florestas, para ajudar no combate aos incêndios rurais
- "Recuperar o atraso que temos nos programas de acessibilidades para as pessoas com deficiência". "É agora ou nunca", disse.
Estas são medidas "essenciais para esta fase" que "não podem estar à espera do programa de retoma da economia", prometeu. Esse tem de ficar à espera da resposta europeia que pode demorar ainda dois meses a ser aprovada, o que empurra a apresentação da segunda fase, que será a de um plano de retoma da economia, para o verão "quando tivermos mais claro que poderemos então com credibilidade ter um verdadeiro programa de relançamento da economia".
No plano europeu, António Costa está esperançado em poder vir a ter "poder de fogo" até porque "há sinais claros e encorajadores" que "vai ser possível nos próximos dois meses encontrar a capacidade necessária para vencer as resistências e permitir que a União Europeia tenha um verdadeiro plano de recuperação". Além disso, admite, é preciso garantir que o financiamento não leva a que os estado se "endividem ainda mais". Porque isso não serviria "países como Portugal que não podem aumentar ainda mais os níveis de endividamento".
Neste discurso inicial, António Costa fintou os dois assuntos que têm agitado as águas muitas vezes paradas do PS: as presidenciais, que foram parar à cena mediática depois de o próprio relançar Marcelo Rebelo de Sousa e a substituição de Mário Centeno. Se quanto ao primeiro ainda vai ouvir um ou outro dirigente a pedir que não apoie nenhum candidato e outros a dizer que apoiam a socialista Ana Gomes, quanto ao segundo referiu-se, mas apenas para lembrar que é motivo de "reconhecimento" e de credibilidade que Portugal tenha "o ministro das finanças a presidir ao Eurogrupo". Neste discurso, António Costa fez jus à técnica de encerrar assuntos quando eles ameaçam queimar não se referindo a eles.