18 fevereiro 2020 20:05
tiago petinga/lusa
O antigo primeiro-ministro esteve na apresentação do livro de Carlos Moedas e atacou diretamente o atual líder socialista. Também falou sobre como esteve perto de perder a sua ministra das Finanças
18 fevereiro 2020 20:05
O propósito era fazer um elogio público a Carlos Moedas, antigo secretário de Estado e ex-comissário europeu para Ciência e Tecnologia. Mas Pedro Passos Coelho aproveitou para fazer muito mais: aproveitou para fazer uma viagem no tempo até 2014 e servir uma vingança fria, gelada.
Sem nunca nomear António José Seguro ou António Costa, que então disputavam a liderança do PS, Passos Coelho leu, na íntegra, algumas das declarações dos dois socialistas a propósito da escolha de Carlos Moedas para comissário Europeu. Dizia Seguro que Moedas era uma escolha de "natureza partidária", sem "peso político"; concordava Costa: "Foram escolher para comissário alguém que é o mais ortodoxo dos ortodoxos".
Neste momento, já Passos não escondia algum divertimento. A escolha de Maria João Rodrigues, então a preferida do PS para ocupar o cargo, "teria sido o júbilo do país, tal o peso político da eurodeputada", comentou Passos, referindo-se, implicitamente, ao desfecho que a eurodeputada conheceu. "E agora o atual Governo faz uma avaliação positiva", notou Passos. Com razão, mais uma vez: depois de muito crítico da escolha de Carlos Moedas, o atual primeiro-ministro acabou a tecer rasgados elogios ao social-democrata. "O país deve muito a Carlos Moedas", disse Costa em agosto de 2019.
Moral da história: "Devemos pesar melhor o que dizemos e assim evitamos andar a fazer política", aconselhou o antigo-primeiro-ministro. Tudo isto perante uma plateia com muitos notáveis por metro quadrado: muitos rostos do 'passismo' (Luís Montenegro, Hugo Soares, Carlos Abreu Amorim, Teresa Morais), pesos pesados do Governo PSD/CDS (Paulo Macedo, Miguel Relvas, Paula Teixeira da Cruz, Pires de Lima), mas também outras figuras do universo PSD, desde Francisco Pinto Balsemão, Luís Marques Mendes, António Mexia, José Luís Arnaut ou Miguel Pinto Luz.
Maria Luís ficou por causa do BES
A verdade, no entanto, é que Carlos Moedas esteve para não ser comissário europeu, tal como Pedro Passos Coelho confirmou de viva voz esta terça-feira. Apesar ter sido sempre o nome na cabeça do então chefe de Governo, Jean-Claude Juncker tentou dissuadir o social-democrata e forçar a escolha de Maria Luís Albuquerque. Passos ponderou. "A questão era complexa e eu aceitei equacionar", assumiu.
No entanto, continuou, esse período coincidiu com os primeiros sinais evientes da crise no BES e do processo que resultaria na resolução do banco. A pasta prometida a Maria Luís foi a que seria tutelada por Valdis Dombrovskis, responsável pelo Semestre Europeu e vice-presidente. Mas Passos resistiu.
"O BES inspirava a maior das preocupações e era uma semana crítica se o BES iria sobreviver ou não", revelou, antes de contar o derradeiro telefonema para o então presidente da Comissão. "Jean-Claude Juncker, não posso indicar a minha ministra das Finanças. Mas garanto-te: não ficas pior."
Por entre outras revelações, Passos disse ainda que nunca desejou a pasta dos Fundos Estruturais, não resistindo em dar mais um bicada a António Costa ("não sei como é que este o Governo a quis") e assumiu que aconselhou Carlos Moedas a recusar a pasta dos Assuntos Sociais, como parecia ser essa a vontade de Juncker. "E foi ele [Moedas] que farejou a coisa", voltou a elogiar Passos.
E sobre o futuro? Com Carlos Moedas a ser apontado com insistência por alguns setores do partido como um nome a ter em conta para a próxima liderança do partido, não houve um endorsment claro. Mas a frase esteve lá, suficientemente ambígua para todas as interpretações: "Não sei o que quer fazer na vida, mas faça bom uso", rematou Passos.