Ser ou não ser

Mira Amaral: “Não vou atrás de clichés que dizem que as renováveis vão resolver o problema da transição energética de um dia para o outro”

Não acredita na ideia de que as energias renováveis resolverão o problema energético de um dia para o outro e afirma que o mundo pretende abandonar um modelo intensivo de fontes fósseis para outro intensivo em minerais e matérias-primas. Mira Amaral, consultor de projetos de investimento e desenvolvimento tecnológico e professor de economia e gestão do Instituto Superior Técnico, garante que consegue encontrar vantagens e desvantagens em cada uma das opções. Oiça a conversa aqui no podcast Ser ou Não Ser

A energia é um fator de competitividade de uma economia, diz Luís Mira Amaral, antigo ministro da Indústria e Energia do XI e XII Governo de Cavaco Silva. Mas considera haver muito irrealismo na chamada transição energética. “Já houve várias transições energéticas no mundo. Passámos da madeira (biomassa) para o carvão, depois para o petróleo, depois para o gás natural... e nunca houve disrupção. As formas de energia existentes ajudaram outras a emergir”.

Por isto, admite não suportar o fundamentalismo climático em que se tentou fazer uma verdadeira disrupção energética e não uma transição energética. “Não vou atrás de clichés que dizem que as energias renováveis resolverão o problema de um dia para o outro”. Na sua opinião, quer abandonar-se um modelo intensivo em fontes fósseis, como o petróleo, para se passar para outro paradigma intensivo em minerais e matérias-primas, que a Europa não controla, estando inclusive dependente dos chineses e dos russos, uma vez que não acautelou a produção”. E vai mais longe: “É preciso ter consciência de que qualquer solução energética tem problemas e, por isso, o importante é balancear entre as vantagens e os inconvenientes”.

Portugal tem reservas de lítio que podem ser uma fonte de abastecimento importante para a Europa, mas este é um tema que tem dividido opiniões. Mira Amaral, afirma que não estamos no terceiro mundo. Há obrigatoriedade em cumprir padrões ambientais da União Europeia. O que o preocupa é a forma como estas explorações estão a ser feitas noutras partes do mundo, uma vez que não estão sujeitas às mesmas regras. “Os chineses e os russos, como são regimes autoritários, conseguem adquirir minas em países do terceiro mundo porque não têm os regulamentos de compliance”. Quanto à mineração em mar profundo, o engenheiro diz ter algumas preocupações, pelo que é um caminho que tem de ser feito com cautela. “Enquanto não existirem tecnologias que permitam explorar preservando os mares e os oceanos, é melhor ficar em terra”.

José Fernandes

Quanto aos temas da sustentabilidade ao nível empresarial, acredita que as grandes empresas conseguem equilibrar os três pilares, o ambiental, social e o de governo, no entanto, há uma franja de pequenas empresas que na sua opinião nem se deveriam chamar empresas, mas sim unidades de sustentação familiar, que não têm condições financeiras para fazer esta transição. Falou ainda do tema da água, que na sua opinião é o problema mais crítico do século XXI, porque, ao contrário das energias, não se consegue substituir. “Temos de tratar da gestão estratégica das águas”. O que aconteceu, na sua opinião, é que este não era um tema mediático. “O que era mediático era o hidrogénio, o ‘popó’ elétrico e as renováveis”. Os resíduos são outro assunto que tem de ser resolvido. Portugal continua a não cumprir as metas da União Europeia.

Por fim, falou ainda das reformas e do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, objeto das suas preocupações quando foi ministro do Trabalho e Segurança Social do X Governo de Cavaco Silva, explicando que este servia para quando as receitas correntes dos descontos dos contribuintes começassem a não chegar para pagar as pensões correntes, entrava esse fundo em complemento para pagar as reformas.

“O que achei perigosíssimo foi utilizarem esse fundo para comprar dívida pública… e se esta der para o torto?”, questiona. Isto porque aquela dívida publica pode valer menos e o fundo depois não ter dinheiro para pagar as pensões. O engenheiro defende ainda que Portugal devia adotar um modelo semelhante ao sistema sueco, em que cada contribuinte desconta para um fundo individual. “Isto é transparente. Quanto mais se desconta, mais dinheiro se tem na reforma”.

Mário Henriques

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