Helena Freitas, diretora do Parque de Serralves: “Estamos numa crise profunda de extinção de espécies, é avassalador”
O impacto da Humanidade no planeta é avassalador. As espécies extinguem-se a uma taxa cerca de 100 a mil vezes superior à sua taxa base. Helena Freitas, professora catedrática da Universidade de Coimbra, diz que o grande problema é o desaparecimento da biodiversidade. É um processo irreversível e definitivo. Nas últimas duas décadas, Portugal tem tido a política de conservação da natureza mais pobre de sempre. Oiça a conversa com a diretora do Parque de Serralves no podcast “Ser ou não Ser”
Nasceu em Famalicão durante as vindimas. Teve a liberdade de correr pelos montes e de usufruir da natureza em todo o seu esplendor: dos riachos, dos castanheiros e dos escaravelhos que via na manta morta (talvez os grandes responsáveis por seguir biologia). Helena Freitas, professora catedrática e investigadora da Universidade de Coimbra na área da Biodiversidade e diretora do Parque de Serralves, no Porto, acredita que se houvesse uma métrica para a sustentabilidade seria o bem-estar e a felicidade de todos, em harmonia com os ecossistemas que suportam a vida do planeta.
“Tudo o que fazemos não deveria fazer mal à natureza.” No entanto, devido às alterações climáticas e à perda de biodiversidade, alguns especialistas consideram que se entrou numa nova era geológica, o Antropoceno, caraterizada pelo impacto do homem na terra. “O planeta está a ser configurado para responder quase exclusivamente àquilo que são as nossas necessidades enquanto espécie e isso traduz-se na degradação fortíssima dos grandes ecossistemas e dos nossos biomas.”
Helena Freitas explica que isso é especialmente visível nos sistemas que são mais impactados pelas alterações climáticas, como os recifes de coral, as florestas tropicais ou as zonas húmidas e cita David Attenborough, naturalista britânico: “A influência do homem é de tal magnitude, que em termos de biomassa na superfície da terra deixamos apenas 4% do planeta livre para as espécies selvagens. O resto é a nossa biomassa ou daquelas espécies que domesticamos para nosso consumo, portanto imaginemos os leões, os elefantes, enfim... toda essa massa está a ficar sem espaço para existir.”
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“O grande problema é o desaparecimento da biodiversidade. É um processo irreversível. Perdemos, perdemos… É definitivo!” A ciência estima a existência de 10 milhões de espécies, mas conhece apenas dois milhões, das quais 90% são insetos. Há uma enorme quantidade de espécies em condições de acesso difícil.
“A verdade é que estamos numa crise profunda de extinção de espécies. A ciência estima que todos os dias a taxa de extinção seja 100 a mil vezes superior à taxa base. É avassalador”, sublinha.
Pegue-se no exemplo dos insetos polinizadores que estão em risco. 80% ou mais das espécies com interesse agrícola que precisamos para o nosso alimento são polinizadas. Se não o forem, não produzem. Helena Freitas alerta: “Quando falamos de extinção e desaparecimento da biodiversidade, estamos a falar de uma ameaça profunda sobre a nossa própria existência.”
Pior do que a crise climática, defende, é “a crise da biodiversidade”, que "é muito mais grave e menos conhecida”. Isto porque o desaparecimento de espécies tem consequências de natureza sistémica. “Temos uma cascata de efeitos que nem a ciência consegue estimar na sua plenitude.”
José Fernandes
"Não somos uma espécie superior"
Para explicar uma das consequências da perda de biodiversidade, pega no exemplo do desaparecimento dos ecossistemas húmidos. Os anfíbios, cujo ciclo de vida depende diretamente destes ecossistemas, começaram a desaparecer. Na América Central já se correlaciona o incremento de determinadas doenças, que estavam relativamente controladas, com a extinção dos anfíbios, isto porque os insetos vetores deixam de ter quem se alimente deles, logo proliferam.
A investigadora lembra a frase de Rachel Carson, no livro Primavera Silenciosa: “Na natureza nada existe sozinho". Para explicar que “qualquer impacto na natureza tem essa dimensão relacional que tendemos a esquecer”. Por isto, há uma imperiosa necessidade de regenerar os solos, os rios e a forma de se viver na cidade. “Vamos ter de trabalhar numa agenda regenerativa global. A ideia de que somos uma espécie superior, fruto de uma evolução única, é absurda. Somos seres vulneráveis, expostos a todas as doenças como qualquer outra espécie. O sucesso da vida em geral é conseguido mediante uma aposta colaborativa.”
José Fernandes
Portugal a perder
Portugal não é obviamente imune ao problema da biodiversidade. Os problemas com os ecossistemas húmidos e a perda da população de cavalos-marinhos na Ria Formosa são uma realidade e, diz a investigadora, o país não está a ter capacidade de antecipar a estratégia de polinização.
“Nas ilhas a situação é um pouco diferente. Os Açores têm feito um trabalho mais consistente relativamente à biodiversidade marinha e terrestre, mas com o Protocolo de Montreal, que estabelece a proteção de 30% do planeta até 2030, no mar e em terra, e recuperação de 20% dos ecossistemas degradados para ampliar as áreas protegidas haverá decerto uma tentativa nesse sentido.”
A professora universitária é perentória: “Nas últimas duas ou três décadas a política de conservação da natureza tem sido a mais pobre de sempre. A biodiversidade ainda não é mainstream. Ainda não há perceção de que é essencial fazer da biodiversidade um tema central também na abordagem do território.”
Os olhares têm estado mais centrados na questão dos incêndios e isso, na sua opinião, colocou o foco de investimento nesta matéria. “Penso que agora começa a haver uma maior preocupação, ainda tímida, para reforçar a administração dos parques naturais e o aparecimento de alguns programas incipientes de monitorização da situação da biodiversidade. Temos produzido uns livros vermelhos que identificam as situações críticas, mas ainda há muito trabalho a fazer.”