Ser ou não ser

“Há 25 milhões de euros disponíveis para investir em projetos de impacto social e ambiental, em Portugal e Espanha. A hora é agora”

A gestora de investimento de impacto da 3XPGlobal tem 25 milhões de euros para investir em projetos de impacto social e ambiental entre Portugal e Espanha. Bárbara Leão de Carvalho acredita que este fundo de capital de risco vocacionado para a área da sustentabilidade ajudará os empreendedores sociais a serem autónomos do ponto de vista financeiro porque não há que ter pudor em falar de dinheiro. Os negócios sustentáveis têm de ser lucrativos. Oiça o episódio completo do podcast Ser ou não Ser

Corria o ano de 2008 quando Bárbara Leão de Carvalho seguiu o coração e se demitiu de uma multinacional para entregar energia a algo mais alinhado com o seu propósito de vida. Tirou um ano sabático e viajou por todo o Médio Oriente. “Queria ver o que se passava mundialmente ao nível de sustentabilidade”, afirma. Mas foi no sul da Índia, na costa do Tamil Nadu, mais concretamente em Auroville, a “cidade da aurora”, também conhecida como “cidade do amanhecer”, uma ecovila, fundada em 1968, onde Bárbara encontrou o que procurava. “O meu coração disse-me de imediato para implementar aquele conceito em Portugal”, ou seja, uma ecovila construída com o propósito de uma comunidade onde todos vivessem em harmonia com a natureza, independentemente da nacionalidade, raça, crença ou política.

TOMAS ALMEIDA

Quando regressou a Portugal, Bárbara Leão de Carvalho, que atualmente é gestora de investimentos de impacto da 3XP Global, uma gestora de ativos vocacionada para o investimento de impacto social e de sustentabilidade, arregaçou as mangas e criou o projeto Biovilla, uma cooperativa para o desenvolvimento sustentável. Primeiro teve de encontrar o local certo para o instalar (o Parque Natural da Arrábida), depois teve de procurar os apoios financeiros e, por fim, teve de contratar os recursos humanos necessários. Conseguiu um investimento de 2,5 milhões de euros. “Um montante avultado para Portugal”, admite.

Há 15 anos, nem sabiam que eram empreendedores sociais. “Lembro-me de ter montado um modelo de negócio para uma cooperativa jovem e, quando ia falar do projeto, visto como moda na altura, de este ser até um pouco rejeitado”, confessa. Os investidores não entendiam como é que um projeto que tinha por base entrega de valor social e ambiental tinha ao mesmo tempo um modelo de negócio por trás. “Consegui levantar capital para implementar o Biovilla pela mão de pessoas muito visionárias. Trouxe para Portugal as primeiras community bonds [títulos de financiamento de projetos sociais] através de um trabalho sistémico, em que cada um fez a sua parte”.

A empreendedora social orgulha-se de nunca terem sido subsídio-dependentes, garantindo que esse era um ponto assente na sua ética empresarial. O Biovilla foi reconhecido como “Rising Star” na categoria “Negócios e Biodiversidade” dos European Business Awards for the Environment, uma iniciativa da Comissão Europeia enquadrada no novo Green Deal. “O Biovilla ainda não atingiu o break even, mas estamos quase lá. Os projetos de inovação social demoram um pouco mais”.

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O fundo 3XPGlobal tem 25 milhões de euros para investir

“Entristece-me quando vejo organizações que estão a fazer um trabalho incrível pelo ecossistema e estão num lugar de escassez porque não foram capazes de monitorizar o valor que entregam”, afirma. É por isso que Bárbara Leão de Carvalho se tem dedicado a ajudar estas organizações sociais a tornarem-se mais resilientes e a ultrapassarem as dificuldades, já que enfrentam um caminho mais árduo porque o que as move é a resolução de um problema social. Portanto, do ponto de vista de governança é um trabalho mais emocional.

O fundo 3XPGlobal tem 25 milhões de euros para investir em Portugal e Espanha através do Fundo de Capitalização e Resiliência. “É um fundo de impacto que pretende apoiar projetos com valor social e ambiental.” Bárbara Leão de Carvalho admite faltar em Portugal, em termos legislativos, a figura da “empresa social” e refere que escasseia também o enquadramento legal e que nas questões fiscais faltam ainda algumas peças. Contudo, está otimista: “Não nos falta confiança, nem esperança, até porque o espírito nós já temos”.

Este fundo de capital de risco já está disponível, por isso se tiver uma ideia de negócio de inovação social já se pode candidatar. “Agora é a hora. Investidores e projetos. Procuramos pessoas que queiram mudar o mundo. Somos muito rigorosos do ponto de vista financeiro. Têm de ser pessoas que verdadeiramente queiram contribuir para estas soluções. Que acreditam no potencial de inovação que daqui advém”, refere Bárbara Leão de Carvalho.

Bárbara Leão de Carvalho diz que hoje fala-se muito de “unicórnios”, startups avaliadas em mais de mil milhões de dólares, ou de “zebras”, empresas focadas em crescimento sustentável e na conexão com as suas comunidades e propósitos, mas a gestora do fundo de impacto da 3XP Global diz que faltam as “fénix”, ou seja, empresas que geram mil milhões de dólares em valor social e ambiental, sem excluir a parte financeira.

“Acho que não tem de haver pudor em falar de dinheiro quando falamos de ecossistema. Para mim, este é um caminho que tem de acontecer”, afirma. Se as empresas no futuro serão todas de inovação social não sabe, mas é um grande desejo do seu coração: “Há uma revolução silenciosa de milhares de projetos a nível mundial de ecovilas, de agrofloresta, de permacultura, entre outros, que não são visíveis porque preferem ser a parecer, mas que estão a acontecer”.

Eco Aldeia da Bravura

“Restaurar ecossistemas, enraizar comunidades e cultivar o desenvolvimento humano”. É com esta mensagem que apresentam a missão do novo projeto Eco Aldeia da Bravura - Comunidade Oxalá. São 242 hectares situados no Algarve com uma bacia hidrográfica que é fundamental para fornecer água a esta região. Bárbara Leão de Carvalho explica que pretendem trazer à memória que o ciclo da água depende da floresta e que não é com monoculturas que se consegue reverter o cenário. “Para a água regressar é preciso introduzir biodiversidade”: a ideia é criar uma comunidade que passe a viver em conexão com a natureza.

Este projeto está em negociações com os municípios. Ainda estão a adquirir terra, mas já são coproprietários. “Queremos criar algo que seja relevante para a região, por isso neste momento estamos mais focados na parte ambiental, mas desejamos que nos seja permitido construir 100 unidades habitacionais e duas unidades hoteleiras para que as pessoas possam passar tempo connosco e de alguma forma se desenvolverem neste contexto regenerativo”, explica.

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Supermercado biológico e o consumo consciente

O facto de no seu doutoramento ter estudado o “consumo consciente” levou-a a uma autorresponsabilização: “Acredito que é através do nosso poder de compra que redirecionamos a economia”. Na opinião de Bárbara Leão de Carvalho, se comprarmos a um produtor local estamos a apoiar essa família. É um voto civil completamente diferente de comprar a uma multinacional. “Apoiar um negócio local é dar viabilidade, por exemplo, a uma filha ir para a universidade. Estamos a falar de uma compra que impacta na decisão de uma família”. A gestora reforça que temos de ter essa consciência, até porque as PME (pequenas e médias empresas) contribuem com mais de 98% do PIB (produto interno bruto) nacional.

Mas este novo paradigma de consumo obriga a uma mudança de mentalidade. As culturas são sazonais. O consumidor tem de entender, por exemplo, que se não há tomate é porque o agricultor não produz com estufa. É preciso paciência e empatia. Bárbara Leão de Carvalho está otimista com as mudanças de consumo, uma vez que este é um mercado que está a crescer a dois dígitos. Garante que não pretende ser evangelizadora e aceita quem ainda não está neste caminho.

Para minimizar a pegada carbónica das compras que efetua em Itália ou França, porque determinados produtos ainda não são transformados em Portugal, faz encomendas maiores. No entanto, como apoiam projetos de produção regenerativa, logo positivos em carbono, acabam por compensar as emissões feitas pela logística. A terminar a nossa conversa, Bárbara Leão de Carvalho fala ainda do seu livro intitulado “Guilding”. Para saber mais sobre o conceito, oiça o nosso podcast.

'Ser ou não ser' é um podcast semanal sobre o mundo da sustentabilidade, da ecologia e da responsabilidade. A cada episódio, mergulhamos em tópicos relevantes, desde práticas individuais até iniciativas globais, com convidados apaixonados por este tema. Damos voz a líderes de empresas, ativistas, empreendedores e especialistas, para partilharem experiências e soluções inovadoras para um futuro mais sustentável. 'Ser ou Não Ser' é um podcast do Expresso SER, com moderação da jornalista Teresa Cotrim e o convidado residente Frederico Fezas Vital, professor e consultor na área da inovação social, impacto e empreendedorismo. A coordenação está a cargo de Pedro Sousa Carvalho.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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