“Trabalhava a noite inteira, vangloriava-me por dormir tão pouco e trabalhar tanto. A toda a hora, sentia um aperto muito grande no peito”
Oiça aqui o mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?” com a participação de Ana Rita Goes, psicóloga e professora na Escola Nacional de Saúde Pública, e o testemunho de Ana Rita Filipe, arquiteta de 49 anos que conseguiu controlar problemas graves de ansiedade com várias práticas de autocuidado: “A primeira coisa a fazer é termos a coragem de parar, de nos questionarmos, de fazermos um balanço dos nossos dias e sermos capazes de definir objetivos, prioridades e limites”
Ao fim de mais de 15 anos a tomar ansiolíticos para dormir e controlar a ansiedade, Ana Rita Filipe, arquiteta de 49 anos, conseguiu deixar a medicação, adotando outras estratégias. Fez alterações na alimentação e reforçou a atividade física, experimentando novos desportos. "Costumo dizer que, para mim, o exercício físico funciona melhor do que um comprimido. Sinto, de facto, um efeito no controlo da ansiedade, sinto-me mais relaxada e mais calma depois de treinar", conta, em entrevista ao mais recente episódio do podcast "Que Voz é Esta?", retomado este mês após uma pequena pausa para as férias de Natal e Ano Novo.
Ana Rita Filipe trabalha como arquiteta nas Caldas da Rainha.
José Fernandes
Além destas alterações no estilo de vida, Ana Rita Filipe, que durante muito tempo sofreu problemas graves de ansiedade, com ataques de pânico e insónias recorrentes, também procurou conhecer-se melhor.
“A primeira coisa a fazer é termos a coragem de parar, de nos questionarmos, de fazermos um balanço dos nossos dias e sermos capazes de definir objetivos, prioridades e limites", diz a arquiteta, cujos problemas de saúde mental foram causados, em parte, por questões relacionadas com o trabalho.
"Eu trabalhava muito mais horas do que seria desejável. Saía às 7h00 de casa e só voltava pelas onze, meia-noite, hora a que ia buscar o meu filho a casa dos avós." Se os dias eram longos, as noites de sono eram o oposto. Dormia pouco, "cerca de quatro, cinco horas por noite, no máximo". Às vezes, passava as noites em branco, no local de trabalho, sem se deslocar a casa. "Trabalhava a noite inteira, de manhã ia ao ginásio, tomava banho e depois voltava para o ateliê. E vangloriava-me por dormir tão pouco e trabalhar tanto."
O ritmo dos seus dias era tão intenso e insustentável que o corpo começou a quebrar. "Sentia um aperto muito grande no peito a toda a hora. O meu coração batia como se eu tivesse acabado de correr uma maratona." A dada altura, mesmo que quisesse, já não conseguia adormecer de todo.
José Fernandes
Festival de Podcasts Expresso. Podcast Beleza das Pequenas Coisas com Bernardo Mendonça, Susana Peralta e Márcia.
O autocuidado passa por adotar práticas e comportamentos que têm um impacto positivo comprovado no bem-estar psicológico, ajudando a reduzir o stress, a controlar a ansiedade e a melhorar o humor. Ana Rita Goes, psicóloga clínica e professora na Escola Nacional de Saúde Pública na área da promoção da saúde, destaca a importância do exercício físico - que tem um papel "essencial" na regulação do humor e na diminuição do stress - do sono, das interações sociais e da alimentação saudável.
Também chama a atenção, em entrevista ao podcast “Que Voz é Esta?”, para a necessidade de sermos "capazes de parar e de integrar no dia a dia atividades que nos permitam refletir e repousar, focando-nos em nós próprios", e de fazer um “trabalho interior” que nos permita conhecer os nossos limites e aprender a dizer "não".
Ana Rita Goes, psicóloga e professora na Escola Nacional de Saúde Pública na área da promoção da saúde
José Fernandes
Quando se fala em autocuidado, pensamos numa perspetiva individual, daquilo que cada um pode fazer para melhorar, mas há também questões culturais e sociais que constituem um entrave à implementação destas estratégias, como os ritmos de trabalho e os horários escolares. No fundo, a própria forma como a sociedade está organizada.
“Há um investimento muito baixo na educação social-emocional e o ritmo do dia a dia também não favorece este tipo de práticas. É fazer, fazer, fazer, produzir, seja lá qual for o custo. A sociedade precisa de se questionar acerca daquilo que quer", diz Ana Rita Goes.
A investigadora defende que os horários de trabalho, a qualidade dos transportes e as infraestruturas que temos nos locais em que passamos os dias “devem ser adaptados”, de modo a promover e a facilitar a prática da atividade física, a alimentação saudável e os momentos de pausa. “É preciso toda uma organização social para que a rotina natural das pessoas envolva estas práticas, sem que elas tenham de fazer um esforço louco para conseguirem lá chegar." Porque, às vezes, este esforço de autocuidado "pode transformar-se num fator adicional de stress”.
“Que voz é esta?” é o nome do podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento dão voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, ouvindo igualmente os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, fala-se de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.