“Era importante que nas empresas houvesse educação sexual acerca do assédio e não esta ideia de que é só para os pequeninos, só na escola”
Patrícia Pascoal, psicoterapeuta e coordenadora do Mestrado em Sexologia da Universidade Lusófona, e Sara Magano, psiquiatra e terapeuta sexual, são as convidadas do mais recente episódio do podcast "Que Voz é Esta?", desta vez dedicado ao tema da sexualidade e saúde mental. Oiça aqui a conversa
Há uma forte ligação entre a saúde mental e a sexualidade, áreas que se influenciam uma à outra, mas esta relação ainda não é clara para todas as pessoas e nem sempre é explorada devidamente pelos próprios profissionais de saúde. O stress, a ansiedade e as perturbações do sono, bem como a depressão, as doenças do comportamento alimentar, a esquizofrenia e outras patologias mentais graves podem afetar a sexualidade. Por outro lado, pessoas com determinadas preferências, fantasias, orientações e identidades de género, sobre as quais recaem “discursos castigadores e punitivos da sua vivência sexual”, são particularmente vulneráveis ao aparecimento de sintomas de mal-estar psicológico ou mesmo doença mental.
"A sexualidade afeta a saúde mental e a saúde mental afeta a sexualidade. Se ando muito preocupada, ansiosa, a dormir mal ou com ataques de pânico, se tenho dificuldades em estar com outras pessoas e tendo a isolar-me, tudo isso irá refletir-se na minha sexualidade, desde logo pela falta de vontade de a explorar", sublinha Patrícia Pascoal, psicoterapeuta, coordenadora do Mestrado em Sexologia da Universidade Lusófona e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, e convidada do mais recente episódio do podcast "Que Voz é Esta?", desta vez dedicado à sexualidade.
Vários estudos mostram que, de facto, pessoas com perturbações psiquiátricas têm mais problemas sexuais do que a população em geral. A depressão, por exemplo, é um fator de risco para a disfunção sexual e a própria disfunção pode contribuir para o aparecimento de uma perturbação depressiva, explica Sara Magano, psiquiatra e terapeuta sexual pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, também convidada a participar neste episódio. Há vários mecanismos que explicam esta relação, uns mais conhecidos do que outros, mas o mais importante, salienta, é que nas consultas de psicologia e psiquiatria seja abordado o tema da sexualidade e se faça um rastreio de eventuais problemas sexuais, algo que ainda não acontece de forma sistemática e generalizada.
Medicação pode causar problemas sexuais, “mas há outras formas de ter prazer"
Com menor ou maior intensidade, todos os fármacos antidepressivos causam problemas sexuais, como dificuldades em atingir o orgasmo ou mesmo incapacidade de o atingir, e diminuição do desejo. Para evitar lidar com estes efeitos secundários, há quem se recuse a fazer medicação ou quem a abandone quando os efeitos surgem. Sara Magano, que é membro da Consulta de Sexologia Clínica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, admite que se confronta frequentemente com situações destas na sua prática clínica, mas garante que há formas de minimizar estes problemas.
"As pessoas devem ser informadas devidamente, e a priori, sobre os efeitos secundários e riscos da medicação ao nível da função sexual. Só o facto de saberem que determinado problema pode estar relacionado com a medicação, já ajuda a desbloquear muitas coisas." Por outro lado, nota, "muitas vezes estes efeitos são transitórios e há outras formas de explorar a intimidade e ter prazer e satisfação sexual". "Para se ter uma sexualidade plena, não é preciso ter uma ereção ou um orgasmo, ou haver atividade sexual penetrativa. Às vezes, basta o terapeuta falar sobre isto e trabalhar estas questões com a pessoa para que ela se sinta de imediato disposta a explorar coisas novas e a descobrir mais sobre si e a sua sexualidade."
José Fernandes
“A sexualidade é muito mais do que os comportamentos sexuais”
A sexualidade é um tema cada vez mais presente nos meios de comunicação social e, sobretudo, nas redes sociais, onde profissionais da área da psicologia e sexologia partilham conhecimento sobre o assunto e tentam desconstruir preconceitos, procurando, por essa via, aumentar a literacia da população. Mas isto não significa que se saiba mais sobre o assunto hoje em dia, aponta Patrícia Pascoal. “A sexualidade é muito mais do que apenas os comportamentos sexuais. Integra, sem dúvida, aquilo que se faz, mas também as fantasias, as vontades, os desejos, a identidade sexual e a orientação sexual.”
Mas há uma “falácia muito grandena qual temos tendência para cair, tanto nas nossas relações, como em contexto de clínica e em contextos educacionais”. “A sexualidade é um processo em contínua construção e reconstrução. Somos preparados, desde cedo, para termos uma identidade sexual, para correspondermos a um género e termos determinadas expectativas acerca do namoro e das relações. Na adolescência e no início da vida adulta, as tarefas ligadas à sexualidade assumem uma grande preponderância, mas isso não significa que fiquem definidas de forma imutável nessa fase”. Ao longo da vida, diz, “vamos descobrindo em nós novos interesses, ou desinteresses, e a sexualidade até pode deixar de ser uma prioridade ou um grande interesse, reconstruindo-se em função das nossas tarefas de vida e das relações que vamos tendo." No entanto, isso nem sempre é compreendido e respeitado.
“De forma geral, há uma hipersexualização das pessoas, como se tivessem de ser sempre muito sexuais e fazer todas as práticas com todas as pessoas e de todas as maneiras. Há uma grande pressão para o desempenho, o que tem um impacto grave na saúde mental.”
Sara Magano, psiquiatra e membro da Consulta de Sexologia Clínica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, e Patrícia Pascoal, Patrícia Pascoal, psicoterapeuta, coordenadora do Mestrado em Sexologia da Universidade Lusófona e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica.
"De forma geral, há uma hipersexualização das pessoas, como se tivessem de ser sempre muito sexuais e fazer todas as práticas com todas as pessoas e de todas as maneiras. Há uma grande pressão para o desempenho, o que tem um impacto grave na saúde mental", diz Patrícia Pascoal, exemplificando: "Nasce uma criança ou fica-se sem emprego ou sem habitação ou muda-se de trabalho ou de cidade. E, enquanto tudo isto acontece, espera-se que a sexualidade continue a ser uma fonte inequívoca de prazer e que estejamos sempre em altas, cheios de vontade e disponíveis. Essas expectativas não são realistas."
Segundo a psicóloga, há ainda outro fenómeno a que se assiste hoje em dia e que tem consequências sobre a saúde mental - a "politização da sexualidade". “O tema da sexualidade é muitas vezes usado como arma de arremesso em discursos muito polarizados e extremados que em nada servem às pessoas.”
Determinadaspreferências - por exemplo, ligadas ao tipo de práticas sexuais, como o sadomasoquismo consensual, ou ao tipo de relação, como a relação aberta - são associadas a doença mental. "Quando dicotomizamos o discurso em certo ou errado, deixamos de falar para as pessoas e sobre a vida delas, que é tão rica e, muitas vezes, recheada de sofrimento. Se vivemos num contexto em que há um discurso de menorização, criminalização, patologização e descrédito estamos não só a remeter ao silêncio pessoas que podem precisar de ajuda, como a fomentar o ódio e a perseguição. É isto que tem acontecido ao longo da história da sexualidade, da sexologia e da saúde mental."
“Que voz é esta?” é um novo podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento vão dar voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, e ouvir os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, vão falar de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.