O Futuro do Futuro

Alexandre Cabral e a busca de vida extraterrestre no maior telescópio do mundo: “De certeza absoluta que não estamos sós"

Alexandre Cabral, responsável pela contribuição portuguesa do Telescópio Extremamente Grande, que está em construção no Chile, mantém a expectativa quanto às boas-novas que um dia poderão chegar com os feixes de luz. “Para nós, não é só importante encontrar planetas que tenham indícios de vida, mas encontrar um planeta que seja idêntico à Terra”, diz no Podcast O Futuro do Futuro

O Telescópio Extremamente Grande está ainda em construção no Chile com a expectativa de se tornar, até ao final da década, o maior equipamento do género, mas em Portugal há quem não esconda a expectativa quanto à eventual descoberta de vida noutros planetas: “De certeza absoluta que não estamos sós”, responde Alexandre Cabral, cientista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), que tem vindo a liderar o contributo português para a construção do Telescópio Extremamente Grande (ELT, na sigla em inglês).

Em entrevista ao podcast O Futuro do Futuro, o cientista explica como a luz, que pode ter percorrido milhões de quilómetros de distância, é decomposta em comprimentos de onda ou “cores”, num processo comparável à sequenciação das várias cores do arco-íris, com o objetivo de recolha de dados que permitem caracterizar elementos químicos, através dos reflexos gerados pela passagem dessa luz na atmosfera de um planeta.

Alexandre Cabral, cientista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, admite que há uma grande probabilidade de existência de vida nos múltiplos exoplanetas à volta da Terra
Matilde Fieschi

Consoante as alterações nos vários comprimentos de onda que correspondem às “cores” que compõem um feixe de luz, os investigadores do ELT ficam em condições de prever o que existe num planeta. E, em alguns casos, as probabilidades remetem para condições de habitabilidade que, eventualmente, já estão a ser aproveitadas por uma qualquer forma de vida extraterrestre.

“Se conseguirmos perceber que os elementos químicos que existem na atmosfera daquele exoplaneta são muito parecidos com aqueles que nós temos cá, como o ozono, o oxigénio, o dióxido de carbono… então aí temos uma probabilidade de existir vida, que é bastante grande”, refere o cientista.

“Para nós, não é só importante encontrar planetas que tenham esses indícios, mas encontrar um planeta que seja idêntico à Terra”, acrescenta Alexandre Cabral durante o podcast Futuro do Futuro.

Nos últimos tempos, Alexandre Cabral tem vindo a desdobrar-se entre Lisboa e o deserto de Atacama, como coordenador da contribuição portuguesa na construção do Andes, que é um dos espectógrafos que vão decompor a luz captada pelo ELT.

A participação portuguesa é apoiada pelo IA e pela Agência Espacial Portuguesa e incide na construção de um “front-end”, que é um equipamento que prepara os feixes de luz que vão sendo captados, antes de serem decompostos por espectógrafos em vários comprimentos de onda para funcionarem como testemunhos de diferentes elementos químicos presentes num planeta que reflete essa luz.

O “front-end” que funciona associado ao espectógrafo Andes pesa quatro toneladas, tem uma extensão de seis metros e é constituído por lentes e prismas. Este “front-end” entra em ação entre o momento em que a luz é captada pelo conjunto de espelhos do telescópio com uma área de 40 metros e um segundo momento em que a luz é encaminhada para uma fibra ótica com menos de um milímetro de diâmetro.

O edifício que vai albergar o ELT, que vai ter 120 metros de diâmetro, está ainda em construção e Alexandre Cabral recorre à toponímia lisboeta para que se tenha uma ideia das dimensões em causa: “No caso do Marquês de Pombal, praticamente ocupa toda a rotunda. E Ainda tem que chegar um bocado a uma das zonas de circulação automóvel. Portanto, é gigantesco!”

Imagem que Alexandre Cabral trouxe para o podcast Futuro do Futuro, com o objetivo de dar a conhecer o futuro Telescópio Extremamente Grande, que está em construção no Deserto de Atacama, Chile

Foi para dar a conhecer os trabalhos em curso no deserto de Atacama, que Alexandre Cabral trouxe para o Futuro do Futuro uma fotografia do estaleiro de construção do futuro ELT. E para ilustrar as ferramentas de trabalho e o dia-a-dia de cientistas envolvidos na construção de telescópios no Chile, o investigador do IA e da FCUL, trouxe um excerto de uma conversa por rádio, com um colega.


Não é a primeira vez que cientistas portugueses contribuem para a construção de um grande telescópio no Chile. O Telescópio Muito Grande (VLT, na sigla em inglês), que está em operações, continua a ser o detentor de maior “abertura ótica” para a captação de luz vinda do espaço, enquanto não se concluir a construção do ELT. E o VLT também conta com um equipamento desenvolvido em Portugal para executar funções similares à de “front-end” num dos espectógrafos.

Alexandre Cabral não regateia o estatuto de “maior telescópio que existe na superfície da Terra” ao VLT, mas também sublinha que essa “dimensão foi graças ao trabalho que os portugueses fizeram”.


Durante a entrevista, o investigador português conta como aprendeu a refrear a pressa e recorda que investigadores e trabalhadores destacados para a construção de telescópios como ELT são sujeitos a regras que evitam efeitos indesejados do trabalho contínuo e da convivência permanente com os mesmos colegas.

“Só podemos estar na montanha durante 15 dias. Se precisarmos de estar um mês, ao fim de 15 dias, temos que sair e dormir duas noites na cidade mais próxima, que fica a duas horas de caminho e depois voltar. Isto é mais por questões psicológicas”, conclui Alexandre Cabral.

Tiago Pereira Santos

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.


Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: senecahugo@gmail.com

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate