Cláudio Almeida, humorista do 'Isto É Gozar com Quem Trabalha': “A comédia é uma espécie de terapia à borla, é um escape”
Enquanto gestor de riscos, Cláudio considera que para decidir mudar de carreira para a área de humor “não se pode ser racional”. Talvez por isso tenha chegado a escrever para um programa de televisão ao mesmo tempo que tinha altas responsabilidades como gestor na empresa onde trabalhava. Numa altura em que participava em vários projetos no Canal Q recebeu uma chamada de Ricardo Araújo Pereira com um convite irrecusável. Atualmente faz parte do “Isto É Gozar com Quem Trabalha” e acabou de se estrear no mundo literário com “Como Ficar Rico em 12 Meses” – onde promete que na pior das hipóteses vão “ter tanto sucesso como o autor… que não é rico”
Há um período bastante longo em que conciliaste o hobby da comédia com o teu trabalho a full time. Nesses momentos alguma vez pensaste se fazer comédia de facto valia a pena? Se o esforço eventualmente seria recompensado? Não gosto muito de servir de exemplo. Há aquela malta que diz: "Bom, eu pensei e acho que deves largar tudo. Já estás a atuar para dez pessoas, já estás bem lançado." Na minha vida, com os meus filhos, tive responsabilidades acrescidas desde novo. A primeira pergunta que me poderia colocar era: "Vale a pena atirar-me de cabeça e fazer isto?" Resposta: "Não." Porque conseguia manter-me na atividade que me pagava e da qual gostava. Felizmente posso dizer que tudo o que fiz foi mesmo feito por gosto e sem nunca pensar no que traria daí. Não fazia a mínima ideia de que o Ricardo Araújo Pereira ou o Miguel Góis viam o Canal Q e que um dia me iam telefonar para fazer humor político. Nunca me pus essa pressão. Não acho que seja um conselho, mas se a pessoa realmente sente que tem de fazer isto a full time, que não consegue não fazer isto… é como outra coisa qualquer. Também podia seguir o percurso que fiz, achar que era seguro, estar a fazer aquilo de que gosto e de repente corria mal e era despedido.
Cada qual com o seu percurso. É isso.
Os pontos de partida de cada pessoa são sempre diferentes. Claro, e é óbvio que quando estás num sítio em que tens uma estabilidade e um conforto, é difícil sair dessa zona, ainda que seja um conforto desconfortável porque é trabalhar, trabalhar, trabalhar. Quando te dedicas a algo de uma maneira em que abdicas de tudo o resto, de coisas que até provavelmente irias gostar de fazer e que até te distraem um bocadinho... e estás a dedicar-te a escrever todos os dias, de manhã à noite, só para ir a um bar, mas depois aquilo não é bem o que tu gostas ou não te corre bem. Sentes essa pressão e acho que quando voltares para trás, ou seja, para o universo dos escritórios ou o que seja, podes eventualmente sentir isso como um falhanço. Se pudesse dar um conselho às pessoas é: não sintam nada como um falhanço. Agora estou a fazer isto a cem porcento, mas se por alguma razão o Ricardo me diz: "Epá, tu deixaste de ter graça, não sei porquê, nem te posso ver à frente", ou se passa a não correr bem, ou se vou fazer outros projetos e correm mal, ou se sinto que já não estou a gostar e tenho de voltar, nunca vou encarar isso como um falhanço. Estavas a perguntar se alguma vez vi a comédia como: "Nunca vou passar daqui, é melhor deixar isto". Não, porque a comédia também era uma espécie de terapia à borla. De escape - terapia se calhar é muito forte.
Quando pensamos nas figuras do humor pensamos mais em pessoas e não necessariamente em grupos, porque têm personalidade e uma identidade própria. Obviamente que trabalhando em grupo, cada pessoa acaba por ter a sua própria identidade, mas trabalha para um objetivo comum. De que forma é que consegues manter a tua identidade enquanto humorista ao trabalhar com pessoas que têm uma identidade firmada há muito tempo? É uma ótima questão. Acho que na forma como crias a tua piada, a tua linha de raciocínio não muda muito. A não ser que percebas que não está mesmo a funcionar e tens de fazer de outra maneira. Mas no humor, como é algo muito criativo, é difícil tu mecanizares e dizeres: "Vou pensar exatamente como o indivíduo X pensa e fazer as coisas daquela maneira." Dificilmente vais conseguir, porque ele faz muito melhor do que tu, porque está-lhe no sangue e não está no teu. Às tantas estás a fazer aquilo de que gostas, mas não estás a gostar do que fazes. Que são duas coisas diferentes. Sinto que não perdi a minha linha de raciocínio. Por exemplo, ouvi o episódio que gravaste com a Cátia Domingues e ela dizia algo interessante. Porque agora há a ideia de os humoristas dizerem: "Eu escrevia muito para a piada, mas agora percebi que tenho de fazer outras coisas." E a Cátia acho que foi a primeira pessoa que ouvi a dizer um bocadinho ao contrário: "Eu tinha ali uma base um bocadinho preacher, que abandonei". O nosso grupo trabalha de facto muito a piada, o pormenor. Eu lembro-me de no princípio escrever alguma coisa que me parecia ótima e o Ricardo disse: "Naquela palavra estás a repetir duas vezes o mesmo som. Aquilo depois cria ali uma musicalidade que não é preciso." E tu pensas: "Pois é, aquilo realmente cria ali uma musicalidade que distrai". Portanto nesses pequenos pormenores pode-se dizer que sim, que mudei e melhorei.
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