Geração 70

Bruno Vieira Amaral: “O país está centrado, sem uma verdadeira força de comunidade, fracassado e dependente do Estado”

Cresceu e viveu no bairro do Vale da Amoreira, em Setúbal. Da infância recorda os passeios de bicicleta, a vida “difícil” do bairro e os sacrifícios que os pais faziam para “sobreviver”. Cresceu numa família de testemunhas de Jeová e desde cedo que sentiu o que era estar em “inferioridade numérica”. É filho de pais divorciados e lembra a última vez em que viu o pai em criança. “Estava a vender bugigangas nas festas do Barreiro. Depois só o voltei a ver aos 16 anos”. Nesta conversa com Bernardo Ferrão reflete ainda sobre o fracasso de um país, "dependente e sem uma classe média forte". Oiça aqui o podcast Geração 70

Bernardo Ferrão

Bernardo Ferrão

Diretor de Informação da SIC e SIC Notícias

Bruno Vieira Amaral: “O país está centrado, sem uma verdadeira força de comunidade, fracassado e dependente do Estado”

João Martins

Sonoplastia

João Ribeiro

Sonoplasta

Ines Duque

Nasceu no Barreiro, em fevereiro de 1978. Da infância recorda as voltas de bicicleta no bairro do Vale da Amoreira e o boné vermelho com a palavra “pantera” inscrita que usava “sempre”.

Vivia num prédio de sete andares e “os sons dos vizinhos”, das outras casas, faziam parte da sua vida. Os avós, retornados, regressaram de Angola e viveram no bairro da Serafina, em Lisboa. Mais tarde ocuparam casas no Vale da Amoreira, em Setúbal, onde cresceu.

Os pais conheceram-se no bairro e “faziam aquilo que era preciso para sobreviver”. No início dos anos 80, “a vida não era fácil” e a família passou por dificuldades, depois de a empresa onde o avô trabalhava ter ido à falência.

Ines Duque

Filho de pais divorciados recorda uma fotografia de criança, então com três anos, captada durante as festas do Barreiro. Foi também nesse dia que viu pela última vez o pai durante a infância. Só o voltaria a ver aos 16 anos.

A vida era “vivida na rua”, a andar de bicicleta, mas a avó, protetora, não gostava que andasse com os “vadios”, conta. Cresceu numa família de testemunhas de Jeová e desde cedo que sentiu o que era estar em “inferioridade numérica”. Com quatro anos ia às celebrações com a mãe e com a avó. Desse tempo, herdou os hábitos de leitura, o conhecimento da Bíblia e a procura pela espiritualidade.

Ines Duque
Ines Duque

Através da vivência em comunidade no bairro tornou-se “sensível” às histórias dos outros. Talvez, admite, tenha nascido aqui a “veia de escritor”. Quando tinha 12 anos abriu a primeira biblioteca no Vale da Amoreira e sentiu que tudo tinha mudado. Hoje, esta biblioteca tem o seu nome.

Não consegue explicar como escapou à armadilha da pobreza. “Talvez tenha sido pela personalidade, força e capacidades intelectuais”, sugere. Com 30 anos, depois um divórcio, viu-se forçado a regressar ao bairro e à casa mãe - “uma das grandes desilusões” que teve na vida.

Depois de uma temporada em Lisboa, regressou para a margem sul do Tejo. A mãe ainda vive no bairro, onde regressa com frequência para a ver. Mas perdeu-se a mística. “Foram todos embora. O Vale da Amoreira tornou-se apenas mais um bairro social.”


Ines Duque
Ines Duque

O escritor, crítico literário e vencedor de um prémio Saramago, Bruno Vieira Amaral, é o novo convidado do podcast Geração 70. Numa conversa com Bernardo Ferrão recorda a infância, as amarguras e desilusões da vida e reflete sobre o país “centrado”, sem uma “verdadeira força de comunidade”, sem uma classe média “forte”, fracassado e “dependente do Estado”.

Paulo Alves

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: bferrao@expresso.impresa.pt

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