Romeu Costa (parte 1): “O medo é poderoso. Se apelar aos teus medos, vou ter ascendência sobre ti. Esse poder existe e pode ser terrível”
É um ator conhecido da televisão, com várias participações no cinema, mas que se tem afirmado, acima de tudo, no teatro, distinguido com um prémio da SPA, em 2018. Desde há cinco anos que Romeu Costa interpreta uma personagem fascista na peça de Tiago Rodrigues “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”, e, neste podcast, conta como uma história distópica se foi tornando cada vez mais próxima da atualidade política do país e como tem sentido em cena a fúria do público perante a sua personagem. “Estamos a dar passos atrás na democracia.” Ouçam-no nesta primeira parte da conversa com Bernardo Mendonça
Romeu Costa é conhecido por muitas pessoas da televisão, com vários trabalhos no cinema, mas que se afirmou, acima de tudo, como um enorme ator de teatro, nomeado duas vezes para os Globos de Ouro e distinguido como “melhor ator” pela SPA, em 2018, pela sua interpretação na peça “Órfãos”, encenada por Tiago Guedes.
Um espetáculo a levantar questões sobre a origem do medo, em particular a vaga e indefinida ameaça do «outro» e da necessidade desesperada de nos sentirmos seguros com a nossa família. Uma porta de entrada para falar de violência e de como a vida nos forma e nos deforma.
Nuno Fox
E, desde há cinco anos, tem dado que falar a sua poderosa atuação na peça de teatro “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”, de Tiago Rodrigues, a dar vida em palco a um perfeito fascista, com argumentos perigosos, populistas e falaciosos para tentar despertar fantasmas, medos e o lado mais odioso e mesquinho do ser humano.
Uma peça que é um abanão de consciências e uma master class sobre o caminho dos extremismos, a legitimidade da violência para defender a democracia, e como é fácil manipular a realidade e as percepções de uma multidão com as artes da oratória e da esperteza saloia, se não estivermos informados e atentos, o que se revela uma experiência social que não deixa ninguém indiferente.
O que é um fascista? Há lugar para a violência na luta por um mundo melhor? Podemos violar as regras da democracia para melhor a defender?
Quantas vezes uma notícia, uma candidatura e um resultado eleitoral, pareceu sair de uma peça de teatro ou de um filme? E o que dizer de uma peça que é um oráculo do mundo?
Nuno Fox
Várias destas questões são lançadas. E é comentado o facto de no final deste espetáculo se ouvirem, frequentemente, gritos, insultos do público dirigidos à personagem interpretada por Romeu Costa e haver quem abandone a sala por não aguentar ouvir mais o discurso do fascista.
O que dá conta de como o teatro pode ser essa lente realista que nos alerta para os terrores criados pelo sono da razão, a fazer tangências com o que estamos a viver agora mesmo na sociedade, com certas forças que crescem como ervas danosas no parlamento português e em muitos outros países da Europa e do mundo.
Basta dizer que só 29 países no globo são atualmente democracias plenas, as autocracias e as ditaduras estão a impor-se. Perante isto a cultura pode ser cada vez mais uma forma de resistência? O teatro é um ato político?
E, já agora, se para um ator representar bem um papel, tem que criar empatia e entender as motivações das suas personagens, sem as julgar, como foi para ele chegar à verdade de um fascista, dizer o inominável e insuportável, e sentir no corpo a ira do público?
Nuno Fox
Também estas questões lhe são colocadas.
Romeu Costa cresceu em Aveiro e, durante muito tempo, sentiu que não cabia em nenhum lugar ou grupo. Recorde-se o poema de André Tecedeiro que talvez defina boa parte da infância e adolescência de Romeu: “Não há solidão comparável à de vivermos longe de nós.
Aos 18 anos, Romeu veio estudar teatro para o conservatório de Lisboa e foi para ele como um renascimento para passar a poder ser quem sempre foi, sem máscaras, descobrindo-se enquanto homem, criador, ator, professor, encenador.
Romeu Costa ainda é do tempo de receber o primeiro ordenado em escudos enquanto ator. E é do tempo de namorar com o tempo contado, na pré-história dos telemóveis, com juras de amor em chamadas internacionais feitas em cabines telefônicas públicas, com cartões pré-pagos. E é também do tempo de registar todo o tipo de sons, relíquias sonoras de afetos e experiências, com um velhinho mini disc. Onde ele andará?
O seu currículo é extenso e não dá para resumir numa só intro. Mas importa lembrar que em 2009 Romeu trabalhou com o Grupo de Teatro do Oprimido, a partir da metodologia e trabalho do teatrólogo brasileiro Augusto Boal, e com este grupo chegou a ir à Palestina, em 2009.
Nuno Fox
Romeu conta que logo aí testemunhou ao vivo o horror que o povo palestiniano vivia já há muitas décadas.
Uma situação humanamente insustentável há décadas que como sabemos resultou no insuportável genocício que se vive em Gaza, onde um povo inteiro palestiniano morre à fome, à bala e à bomba, perante os ataques de Israel, enquanto boa parte do mundo ocidental olha para o lado.
Romeu afirma-se um defensor dos Direitos Humanos acima de qualquer princípio. E as suas encenações resultam desse questionamento e reflexão através da arte. Nesse sentido, estabeleceu parcerias com a Amnistia Internacional e o Museu do Aljube.
Ficamos aqui a saber também que Romeu é um profundo ambientalista, além de humanista, que adora animais, e que para ele uma casa é mais lar se os tiver, e por isso tem como companheira, junto com o seu namorado, a cadela Kaya.
Nuno Fox
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Nuno Fox. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.