A Beleza das Pequenas Coisas

Helena Roseta (parte 1): “Nas situações de decisão em que todos têm um bocado de razão, na dúvida estou do lado dos mais vulneráveis”

Helena Roseta foi constituinte, deputada em várias legislaturas, e em 86 saiu do PSD para apoiar a candidatura de Soares a Belém. Mais tarde, presidiu à Câmara de Cascais, foi Vereadora da Habitação em Lisboa e, em 2019, fez a Lei de Bases da Habitação. Bastante crítica das recentes ações do autarca do PS Ricardo Leão na demolição das barracas no Bairro do Talude, em Loures, mantém que considera “abusiva” esta atuação repentina, à beira das eleições. “Como diria o meu amigo Cesariny, falta a certos autarcas uma grande razão. A minha grande razão é o direito à habitação.” Ouçam-na nesta primeira parte da conversa com Bernardo Mendonça

Helena Roseta (parte 1): “Nas situações de decisão em que todos têm um bocado de razão, na dúvida estou do lado dos mais vulneráveis”

Matilde Fieschi

Fotojornalista

Ter uma casa para habitar em Lisboa é cada vez mais um luxo acessível a cada vez menos pessoas. O cenário piora a cada ano, a cada mês, a cada dia, a uma velocidade galopante, estratosférica, com os preços das habitações - seja para compra ou arrendamento - a subirem duas, três, quatro vezes mais rápido, do que a subida dos salários em Portugal nas últimas décadas.

Só no primeiro trimestre deste ano o preço da habitação aumentou 18,7%, resultante de uma desenfreada especulação imobiliária, que beneficia estrangeiros e imigrantes de países mais endinheirados. Em Abril, segundo o Eurostat, éramos na Europa o país com pior acesso à habitação, ao avaliar a relação entre o preço das casas e o rendimento familiar per capita.

Matilde Fieschi

A desregulação do mercado imobiliário está ao rubro e a carência de casas a preços acessíveis é gritante…

Por outro lado, Portugal continua a ser um dos países europeus com menor percentagem de habitação pública - apenas 2% do parque habitacional é público - o que é um absurdo quando comparamos com outras economias e sociedades liberais, como é o caso dos Países Baixos, em que mais de 30% do parque é público.

O Estado deixou há muito de investir na habitação como uma política pública e as políticas para emendar a mão de uma das maiores crises deste país parecem ainda insuficientes, lentas, contraditórias ou ineficazes para a escala deste sufoco social e económico que abrange velhos e novos, e não só as classes mais desfavorecidas e imigrantes, como a própria classe média.

Até quando? A crise na habitação está a minar a democracia?

Matilde Fieschi

Estas são as primeiras questões lançadas a Helena Roseta, arquiteta de profissão, que anda há uma vida a defender o direito à habitação para todas as pessoas, trazendo o tema para a discussão pública muito antes de ser um tema tão mediático e mobilizador.

Foi constituinte, participando na formulação do direito à habitação no artigo 65 da Constituição em 76, deputada em várias legislaturas, presidiu à Câmara de Cascais, à Ordem dos Arquitetos e à Assembleia Municipal de Lisboa, onde foi vereadora da habitação. E, em 2019, propôs e fez a lei de bases da habitação.

Matilde Fieschi

Há uma semana considerou a acção do autarca do PS Ricardo Leão “violenta” e “completamente abusiva” e aqui esclarece em podcast tudo o que acha sobre este “abuso” que deixou famílias inteiras, com crianças e bébés, em condições ainda mais precárias a viver na rua em tendas, sem encontrar alternativas “ajustadas à realidade”.

Helena não poupa também nas críticas ao presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, quando apelou a que as pessoas informem a Câmara sempre que saibam das existência de barracas, garantindo que no dia a seguir as mandaria destruir. Disse mal. Acho muito bem que as pessoas contactem a Câmara, mas o que ele devia ter dito era e amanhã estará lá uma equipa para ver o que se passa. Para perceber a razão das pessoas estarem ali.

Matilde Fieschi

Certo é que a crise da habitação, e a crise dos valores democráticos e humanistas, não é uma coisa exclusiva do país, sente-se em todo o mundo. O que pode o passado ensinar e que reflexões importa perante os tantos erros cometidos? E que exemplos no mundo do ponto de vista das políticas de habitação podem servir de bússola e inspiração?

Estas questões são também lançadas a Helena Roseta que muito andou para aqui chegar.

Nomeadamente foi gerente do Botequim, de Natália Correia, e responsável pelo espólio da escritora.


Matilde Fieschi

Em 2001 publicou “Os dois lados do Espelho”, um livro que se demarca do politicamente correcto, das verdades oficiais, do toda-a-gente-diz, do pensamento único sob todas as suas formas.

Helena defende que há sempre um outro lado das coisas. E o que se exige, como pedia Natália Correia, é “um engenho que falta mais fecundo/ de harmonizar as partes dissonantes”. Uma discussão que me parece ainda mais pertinente e atual perante os desafios que vivemos no país e no mundo.

Matilde Fieschi

Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Matilde Fieschi. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.

A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.

Boas escutas!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: oemaildobernardomendonca@gmail.com

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