Pedro Penim: “O que me move no teatro são os aplausos e o terreno de experimentação sobre o agora, fértil e perigoso, em forma de arte”
Diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, Pedro Penim acaba de repor o espetáculo “Casa Portuguesa”, no Maria Matos, em Lisboa. Uma peça escrita e encenada por si após as duras críticas por se afirmar gay. Sobre a discussão das reparações levantada pelo Presidente, afirma: “É um assunto importante e espinhoso, porque estamos a falar de massacres cometidos em nome do nosso país e dos quais continuamos a beneficiar. A riqueza deste país fez-se dessa exploração e matança.” Ouçam-no nesta primeira parte da conversa em podcast com Bernardo Mendonça
Nunca mais esqueci aa discussão acesa a que assisti entre um jovem casal no parque de estacionamento dos Restauradores, em Lisboa, sobre o espetáculo “Casa Portuguesa”, escrito e encenado por Pedro Penim, que acaba de ser reposto no Teatro Maria Matos e que pode ser visto até 7 de julho.
Um dos elementos, o rapaz, achava a peça excessiva, demasiado ‘woke’, porque a seu ver falava para uma certa bolha cosmopolita e antagonizava com toda a gente. Com ele também, que estava visivelmente incomodado.
A companheira argumentava o contrário, identificava-se com a abordagem dos temas lançados na peça, e achava o texto importante para abrir consciências e trazer assuntos relevantes para o debate público.
Um momento curioso e interessante. Porque era sinal de que o que se passara em palco estava a remexer com as consciências da assistência e a gerar discussão.
Não é também para isso que serve o teatro e toda a arte? Este momento é relatado logo no arranque do podcast e o diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II comenta-o.
Esta sua peça lança fogo na casa. Ou nos ideais tradicionais de casa, de família, de género, de masculinidade, de país e do cânone da figura paterna.
Uma peça que é tecida através da história de um ex-soldado da Guerra Colonial e dos diálogos com os seus fantasmas, e que se desenvolve no confronto e desconforto com a decadência e a transformação de um certo mundo e de uma certa “casa portuguesa”, com certeza - tendo como pano de fundo os acontecimentos recentes da nossa democracia e revisitando a mais dolorosa das feridas abertas da nossa história.
Assistir aos espetáculos do ator, encenador, dramaturgo e atual diretor do Teatro Nacional D. Maria II, é entrar na sua cabeça e perceber quais são as maiores inquietações sobre si próprio, a sociedade e o mundo. Pedro Penim mistura biografia e ficção com uma mestria invulgar.
Também no espetáculo anterior, “Pais e Filhos”, Pedro Penim refletira sobre a instituição “família”, a partir do clássico russo de Ivan Turgueniev, na mesma linha de duplicidade entre o documento biográfico e o universo ficcional, onde abordou o seu projeto de parentalidade através do processo de gestação por substituição, que o levou a si e ao seu companheiro a serem pais da filha Amália.
O terceiro espetáculo desta trilogia dedicada à “Família” foi “A Farsa de Inês Pereira”, estreado em 2023, a lançar um olhar cáustico que abana alguns alicerces da sociedade contemporânea, nomeadamente a vida em redor do trabalho - que tantas vezes maltrata e aprisiona - a sexualidade e a célula familiar.
“Os homens são lixo” é uma frase que ecoa em palco em pelo menos duas das peças de Penim. Uma frase bomba que pretende questionar os valores patriarcais que estarão na base da nossa sociedade e uma certa masculinidade “tóxica” ou “frágil” que Pedro procura desmontar, descolonizar, desconstruir.
O que é ser homem, para Pedro Penim? E que revoluções ainda faltam fazer nos 50 anos do 25 de Abril? Estas perguntas são-lhe lançadas neste podcast.
No seu último espetáculo “Quis Saber quem Sou”— uma espécie de concerto teatral, Pedro revisitou as canções da revolução, as palavras de ordem, as cantigas que são armas, mas também as histórias pessoais das gerações que fizeram o 25 de Abril, e trouxe para o palco jovens atores/cantores colocando nas suas vozes e nos seus corpos de hoje, e do futuro, a memória das palavras da liberdade. Mas como anda a nossa memória coletiva sobre os tempos em que não havia liberdade?
Importa destacar, que Pedro Penim foi criador e fundador do coletivo “Teatro Praga”, que é já uma das grandes referências da criação teatral portuguesa contemporânea, assim como fundador do espaço cultural “Rua das Gaivotas 6”, em Lisboa, projeto essencial na capital, que acolhe criações de novos artistas, à margem do convencional. Por tudo isto, e não só, Pedro Penim há muito que é uma das figuras principais do nosso panorama teatral.
O ano passado foi distinguido com as insígnias de Cavaleiro das Artes e das Letras (Chevalier des Arts et des Lettres), atribuídas pela Ministra da Cultura francesa.
Neste episódio houve ainda oportunidade para falar da histórica “Odisseia Nacional” do Teatro Nacional D. Maria II, que desde janeiro de 2023 esteve presente em mais de 95 concelhos de Portugal continental e ilhas, com mais de 100 projetos artísticos, incluindo espetáculos, projetos de participação, atividades para escolas e público infanto-juvenil e eventos de pensamento.
E a pergunta para um milhão, como combater eficazmente o ódio, o medo e a farsa que continua a dividir a sociedade e a gerar ondas de violência contra os imigrantes, as pessoas racializadas e as minorias LGBTQIA+?
E o que muda quando um encenador mais alternativo, da margem, passa a estar frente a uma das instituições com mais talha dourada? A sua forma de fazer teatro mudou? A revolução faz-se por dentro? Pedro responde a isto nesta primeira parte do episódio em podcast, que conta com a participação especial e surpresa das atrizes Cláudia Jardim e Rita Blanco. Boas escutas!
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Matilde Fieshi. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
A segunda parte deste episódio será lançada na manhã deste sábado. Boas escutas!