Clara Não: “Sou uma mulher ‘queer’. Não me importa o genital da pessoa, nem o género com que se identifica para me relacionar"
É uma das vozes feministas portuguesas da nova geração com mais destaque. Através dos seus desenhos e escritos, a ilustradora e ativista Clara Não alerta as mulheres a lutarem pelo descanso, relações amorosas e sexuais saudáveis, igualdade de direitos e amor-próprio. E usa a arma do humor e ironia para desmontar preconceitos, discriminações, machismos, racismos e outros ‘ismos’, muitas vezes através de experiências pessoais que relata nas crónicas no Expresso ou no Instagram. “Já se vê jovens, especialmente mulheres, com consciência sobre o que é feminismo, mas são pequenas ilhas de luz.” Ouçam-na no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”, com Bernardo Mendonça
Pode levar muito tempo - às vezes uma vida - a conseguir-se dizer “não”, sem culpas. Para dar mais voz e espaço às vontades próprias, ritmos e escolhas, sem medo de desiludir os outros ou de perder oportunidades. Mas saber fazê-lo é fundamental para evitar fretes e caminhos que não interessam, e para cada pessoa se colocar no primeiro lugar da equação e mais disponível para os “sins” que realmente lhe fazem sentido.
O que também é certo, é que nestes tempos acelerados, de grande competição e crise económica, pode ser difícil - e um privilégio só para algumas pessoas - dar voz ao descanso, para acalmar o corpo, a mente e a ansiedade e evitar aquele palavra estrangeira cada vez mais comum e que engole cada vez mais gente - o “burnout” - ou esgotamento.
Há muito que Clara Não ensina as mulheres a lutarem pelo descanso, por relações saudáveis, igualdade de direitos e amor-próprio. E fala de tudo isto com a arma do humor e ironia, desmontando preconceitos e tabus, muitas vezes através de experiências pessoais, que relata nas crónicas e newsletters que assina semanalmente no Expresso ou nas ilustrações e textos que partilha na sua página de Instagram.
“Feminista em construção”, como ela própria se apresenta, Clara não se esquiva de dar opinião sobre as causas humanistas que acredita, mesmo podendo ser alvo de crítica e ódio. Há quem opte por querer agradar a toda a gente, para uma maior popularidade e não comprar brigas. Mas a Clara, não. Porque a desigualdade de género e a violência contra mulheres e minorias prevalece. E para desfazer equívocos sobre o feminismo que defende chega a declarar nesta conversa:
“A luta feminista é contra o machismo. Defendo o feminismo intersecional, que inclui também a luta antirracista, a favor dos direitos da comunidade LGBTQIA+, com cruzamento intergeracionais, classe sociais, religiões. É um feminismo que liberta, que não restringe. E que dá a perceber as noções de privilégio e pontos de partida de cada pessoa. Queremos é igualdade de oportunidades e chamar a atenção para várias realidades.“
Um dos momentos decisivos de viragem para a sua postura ativista foi um papel que encontrou no chão, atropelado por carros, de uma publicidade de uma festa num bar de Roterdão, chamado BAR, onde se lia o seguinte: “Well‑behaved Women rarely make history.” Qualquer coisa como “mulheres bem comportadas raramente fazem história”. Mulher queer, que não olha a sexos e géneros nos seus amores e desejos, declara ainda que não vive preocupada com o olhar dos outros: “Na minha vida pessoal beijo quem quiser, com consentimento, com pessoas adultas. Não vivo a minha vida a pensar no que os outros pensam. E faço-o fora de portas. Se te incomoda o que vês na rua, vai tu para tua casa.”
Clara cresceu em Grijó, fez-se mulher no Porto e vive atualmente em Lisboa. Licenciou-se em Design de Comunicação, pela Faculdade de Belas Artes do Porto, enquanto ouvia Britney e Indie Rock, e fez Erasmus na Willem de Kooning Academie, em Roterdão, onde focou os seus estudos em Ilustração e Escrita Criativa.
Irreverente e de mente desempoeirada, Clara Não tem o rasgo de saber rir-se das suas próprias desgraças para evitar tomar comprimidos SOS para a ansiedade e para melhor chegar às pessoas, mostrando-lhes que não estão sozinhas nos seus fantasmas, medos e inseguranças. E chega a afirmar neste episódio:
“Está difícil para os amores de longa duração. Esta instabilidade que vivemos está a migrar para todos os campos da vida das pessoas. Há uma crise de solidão no geral. Até há pessoas que sentem solidão, estando em relações. A nossa vida está um caos. Também o sinto por vezes. Ao ter tantas coisas profissionais para fazer, isolo-me porque estou sem energia, quero descansar, ter um momento para mim, mas depois percebo que estou sozinha. É um conflito. Choro um bocadinho e depois vejo uma série ou ligo a uma amiga...”
Em 2019, Clara lançou o seu primeiro livro, editado pela Ideias de Ler, intitulado “Miga, esquece lá isso! — Como transformar problemas em risadas de amor-próprio". O livro foi o bestseller nacional durante várias semanas. E em 2022 lançou uma agenda que entrou igualmente para os tops nacionais de vendas várias semanas, o que só mostra que o amor que têm por ela é superior ao ódio.
Eis alguns dos seus mantras comentados por si neste podcast: “No meu corpo mando eu, não manda a tua opinião, não manda a tua religião, não manda a tua moral”; “Pecado é ser-se intolerante ao amor” e “O que procuro: alguém honesto que saiba onde fica o clítoris.”
Desde o final de 2022 que Clara Não é cronista regular do Expresso, e afirma que, desde aí, está a criar um estudo sociológico de uma amostra da população em cada caixa de comentários. Nesta longa conversa, Clara fala de sexualidade, prazer, da crise económica e habitacional que atinge boa parte da população e o seu grande objetivo de vida depois de ter sofrido um ‘burnout’: aprender a descansar. E ainda nos dá música e poesia, ao ler um poema de Maria Teresa Horta.
Como sabem, o genérico é uma criação original da Joana Espadinha. Os retratos são da autoria de Nuno Botelho. A sonoplastia deste podcast é de João Luís Amorim.
Voltamos para a semana com mais uma pessoa convidada. Até lá, já sabem: pratiquem a empatia, boas escutas e boas conversas!
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