No dia 24 de agosto, a Ucrânia celebra o 34.º aniversário da restauração da sua independência. Um terço deste período o povo ucraniano, como já tantas vezes aconteceu na nossa história, tem defendido o seu direito à vida e à escolha europeia contra a agressão russa.
Nesta etapa crucial da nossa luta, após mais de 3,5 anos de agressão russa em larga escala, é extremamente importante para os ucranianos sentir o apoio dos nossos parceiros. E, neste contexto, é realmente gratificante destacar pessoalmente que Portugal e os portugueses continuam a demonstrar uma verdadeira solidariedade com a Ucrânia. Prova disso são, nomeadamente, os resultados de recentes inquéritos. De acordo com dados do Eurobarómetro, publicados na primavera deste ano, Portugal ficou em primeiro lugar entre os Estados-Membros da UE no nível de apoio à futura adesão da Ucrânia à União Europeia, com um recorde de 85%. E estamos profundamente gratos a todos e a cada um, desde o governo até aos cidadãos, por esta demonstração de solidariedade com a Ucrânia. Como Embaixadora, sinto este apoio a cada minuto e orgulho-me de ter a oportunidade de trabalhar neste país entre amigos. Como dizia Timothy Snyder, a solidariedade é uma forma de liberdade: não é apenas uma manifestação de simpatia, é sobretudo a escolha livre de estar ao lado no momento em que seria mais fácil permanecer em silêncio. Ninguém diz que “estamos longe e isso não nos diz respeito” – e isto é realmente inspirador.
A recente evolução em torno da Ucrânia, nomeadamente a presença dos líderes europeus juntamente com o Presidente da Ucrânia em Washington e a sua clara coordenação de posições, demonstra a compreensão da indivisibilidade da futura segurança da Ucrânia e da Europa, bem como a prontidão dos nossos parceiros europeus em assumir plenamente essa responsabilidade. Neste momento, o show of unity deve tornar-se um show of force. E estamos gratos a Portugal, que, através da sua participação na Coalition of the willing, demonstra estar disposto a partilhar essa responsabilidade pelo futuro da Europa – o nosso futuro comum. Os Estados Unidos procuram testar a disposição do Kremlin para negociações sérias e saudamos esses esforços, mas até agora não vemos tal disposição.
Nos últimos tempos, muitos debates entre peritos sobre possíveis caminhos para o fim da guerra contra a Ucrânia têm-se reduzido sobretudo a questões territoriais. Contudo, é necessário compreender claramente que esta guerra, para a Rússia, não é sobre territórios. Aliás, o próprio Lavrov afirmou recentemente que a Rússia nunca precisou da Crimeia e do Donbas – e não é por acaso que gosta de usar camisolas com a inscrição URSS em encontros internacionais importantes. O que a Rússia quis desde sempre foi a Ucrânia inteira e não só. As apostas nesta guerra são muito mais altas – a agressão russa contra a Ucrânia é uma guerra neocolonial pela sua natureza, baseada no revisionismo histórico. O objetivo é regressar a esferas de influência e alterar o equilíbrio de forças no mundo. Assim, ao exigir a retirada total das forças ucranianas da região de Donetsk, que o autoproclamado segundo exército do mundo não conseguiu conquistar em 11 anos de guerra, Moscovo não encara isso como um possível compromisso para uma resolução pacífica, mas sim como uma plataforma conveniente para uma nova ofensiva contra outras duas regiões vizinhas da Ucrânia. De facto, trata-se da zona mais fortificada, que impede a Rússia de ameaçar outros territórios do nosso Estado.
Em causa não estão apenas territórios, mas a própria conceção de soberania da Ucrânia, uma vez que a Rússia tenta limitá-la e controlá-la em quatro dimensões – território, defesa, escolha de política externa e política interna. É precisamente sobre isto que versam as exigências constantes de Moscovo: o reconhecimento do russo como segunda língua oficial na Ucrânia, a influência da igreja russa, restrições fundamentais ao exército, a não adesão à NATO, entre outras. Podemos discutir diferentes soluções complexas, mas nunca concessões da nossa soberania – isso abriria o caminho para a destruição da Ucrânia como Estado e como nação, que é exatamente o que a Rússia pretende. Tal cenário representaria também um golpe devastador na reputação da Europa como força capaz de defender os seus princípios no século XXI e de ser um verdadeiro ator global.
Para evitar uma evolução tão negativa, estão atualmente em curso discussões ativas sobre a concessão à Ucrânia de garantias de segurança fortes, eficazes e verdadeiramente fiáveis. Estas garantias devem ser práticas, assegurar proteção em terra, no ar e no mar, e ser elaboradas com a participação dos EUA e da Europa. O trabalho conjunto de Washington e Bruxelas neste tema reforça a solidariedade transatlântica. Todos nós – tanto a Ucrânia como o resto da Europa – precisamos de uma arquitetura de segurança sólida. Ninguém deve ter dúvidas – o que for acordado em relação à Ucrânia será parte integrante dessa arquitetura. Garantias fortes permitirão não só que todos os cidadãos da UE se sintam mais seguros, mas também evitar o financiamento de futuras guerras europeias. É precisamente para isso que trabalha a Coalition of the willing, incluindo as suas últimas reuniões de 13 e 17 de agosto, nas quais Portugal também participou.
As novas propostas cínicas da Rússia sobre conceder garantias de segurança à Ucrânia com base no Conselho de Segurança da ONU, incluindo o país agressor, não são mais do que tentativas de travar este processo. O principal órgão da ONU, responsável pela manutenção da paz e da segurança internacionais, não conseguiu impedir uma guerra em larga escala na Europa, quando um dos seus membros permanentes é o agressor. A Carta da ONU prevê até um instrumento para tal – a suspensão do direito de voto do Estado agressor – mas este não foi aplicado, evidentemente para não criar um precedente para o futuro. Assim, até que a tão aguardada reforma do Conselho de Segurança seja realizada, o seu potencial papel como garante de segurança encontra-se comprometido.
Hoje, não existem quaisquer sinais de que a Rússia se prepara para um cenário pós-guerra. Pelo contrário, observa-se uma redistribuição de tropas e forças de forma a preparar novas operações ofensivas. Para setembro estão previstos exercícios militares russo-bielorrussos em território da Bielorrússia, cujos anteriores, em 2022, terminaram com a invasão em larga escala da Ucrânia. Continuam os bombardeamentos de cidades ucranianas e as tentativas de destruir infraestruturas críticas. O próprio facto da recusa categórica em aceitar um cessar-fogo com vista a um acordo de paz abrangente não é senão uma tentativa de ganhar tempo, criar a ilusão de um processo diplomático, enquanto se prosseguem os assassinatos e destruições, com o objetivo de evitar sanções “infernais” e reforçar as forças e os recursos militares. Assim, existe apenas uma forma de forçar a Rússia a um diálogo sério – as negociações de paz devem ser acompanhadas da devida pressão sobre o Kremlin.
A paz não é inalcançável, é possível. E a Ucrânia, da sua parte, faz e continuará a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para a alcançar. No entanto, a paz não pode ser paga com a liberdade – o valor mais alto, que de facto é a religião dos ucranianos, pela qual lutaram e morreram ao longo de muitos séculos. E mesmo agora, apesar da guerra em larga escala, 91% dos ucranianos colocam a liberdade em primeiro lugar entre todos os valores, seguida da segurança, da justiça e da dignidade. Mas também sabemos que a liberdade, por vezes, significa decisões difíceis e responsabilidade. Responsabilidade pelo nosso país e pelo destino de toda a Europa – e é neste ponto que os nossos parceiros podem contar totalmente connosco. Tal como nós, esperamos poder contar com eles.