Opinião

O ensino superior faz falta aos 5% que vão ser gastos em Defesa

O ensino superior faz falta aos 5% que vão ser gastos em Defesa

Joaquim Brigas

Presidente do Instituto Politécnico da Guarda

Sem o sistema científico nacional envolvido – ou seja, sem as instituições de ensino superior – a modernização das Forças Armadas não terá qualquer conteúdo estratégico, nem contribuirá para fortalecer a economia do país

O consenso na Europa, e também entre as principais forças políticas em Portugal, é que todos os países da União Europeia (UE) devem canalizar mais recursos para reforçar o pilar europeu de Defesa da NATO. Os gastos no sector da Defesa devem subir até 5% do produto interno bruto (PIB). Não se trata apenas de comprar mais armamento (que em boa parte a Europa não produz), trata-se sim de iniciar em toda a UE um processo de industrialização orientado para as tecnologias e equipamentos de Defesa, processo esse que deverá funcionar como motor de inovação para um grande leque de empresas dos respetivos países.

É este o sentido do Relatório Draghi, é este o objetivo do quadro estratégico da “Bússola para a competitividade” da Comissão Europeia. Esta orientação, que tem tanto de geoestratégica como de política económica, considera que aumentar os gastos em Defesa é uma alavanca imprescindível para “colmatar o défice de inovação na Europa”. Segundo Mario Draghi, só uma parceria entre o sistema científico e as empresas europeias para as indústrias de Defesa permitirá colmatar “a lacuna tecnológica que ameaça a competitividade do continente europeu num futuro onde a inovação será cada vez mais decisiva para o sucesso económico”.

Em Portugal, embora de forma algo vaga, as coisas têm sido entendidas assim: o país irá investir 5% do PIB no sector da Defesa. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, especificou mesmo que “3,5% será justamente de investimento na defesa no sentido mais clássico e tradicional do termo, e, depois, 1,5% em infraestruturas – o que significa estradas, portos, aeroportos”.

A questão é que aquilo que está no centro da estratégia europeia de re-equipamento militar – uma política de ciência e de inovação para a economia – é quase inexistente em Portugal. No programa que este Governo apresentou à Assembleia da República, o capítulo da “Defesa Nacional” ainda refere a intenção de “estimular centros de investigação e desenvolvimento (I&D) militares que desenvolvam uma base tecnológica e industrial de Defesa em colaboração com as empresas nacionais ligadas à área da Defesa, de modo a competir no quadro europeu e mundial” – mas não especifica de que centros de I&D se tratam, nem faz qualquer menção aos centros que existem nos politécnicos e nas universidades portuguesas.

Se o Ministério da Defesa Nacional não o faz, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) menos ainda: a única frase do seu capítulo no Programa de Governo que contém a palavra “defesa” é esta: “Aos desafios das alterações climáticas, da digitalização, da inteligência artificial ou da demografia, a União Europeia adicionou nos últimos anos os desafios da autonomia estratégica e tecnológica e os desafios na área da defesa”. Pois, a UE “adicionou”... E o que fez, ou pretende fazer, o MECI quanto a isto? Que tenha dito, nada.

Ora é preciso afirmar que, sem o sistema científico nacional envolvido – ou seja, sem as instituições de ensino superior – a modernização das Forças Armadas não terá qualquer conteúdo estratégico, nem contribuirá para fortalecer a economia do país. Só com uma política de ciência que promova o trabalho colaborativo entre politécnicos e universidades e as empresas de bens e de serviços com uso militar – software, Inteligência Artificial, drones, mas também sistemas logísticos, têxteis técnicos ou indústria alimentar, por exemplo – será possível captar investimento e produzir conhecimento para criar um ecossistema científico-empresarial de Defesa em Portugal que faça a economia nacional crescer.

Só com esse incentivo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico será possível, por outro lado, realizar a coesão territorial prometida por Luís Montenegro e que levou à fusão desta pasta com o Ministério da Economia neste Governo. A reorientação do tecido industrial português para as tecnologias de Defesa, deve não só passar por um reforço da ligação do ensino superior às empresas, mas também pela sua localização em regiões de baixa densidade, aproveitando os 20 pontos percentuais de verbas europeias a fundo perdido a mais que os investimentos nestas regiões podem receber: 50%, o máximo permitido por Bruxelas, face aos 30% dos investimentos no litoral ou nas áreas metropolitanas.

Recorde-se que pelo menos 40% de fundos que Portugal irá receber da União Europeia até 2030 (PRR e Portugal 2030) terão obrigatoriamente de ser aplicados nos territórios de baixa densidade, o que dá à instalação de indústrias de Defesa nestas regiões uma importante vantagem competitiva. É esta vantagem que potencia a empregabilidade no interior, a atração e a fixação de pessoas, a qualificação da mão de obra e a possibilidade de produzir tecnologia de ponta para clientes de exigência tão elevada como as Forças Armadas.

O Ministério da Educação, Ciência e Inovação tem de entrar neste processo e, se possível, liderá-lo, pois não é com o “Programa Defesa+Ciência” que o conseguirá. Em 2023, ainda com a ministra Elvira Fortunato, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) lançou-o com 8 (oito) milhões de euros. No entanto, só em março de 2025 – em plena pré-campanha para as últimas legislativas – se assinou o protocolo entre a FCT e o Instituto de Defesa Nacional. Nessa assinatura esteve a secretária de Estado da Defesa Nacional, Ana Isabel Xavier, que é agora Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação. Esteve a secretária de Estado da Ciência, Ana Paiva, que saiu do Governo. E esteve a presidente da FCT, Madalena Alves, que está em final de mandato... e a FCT vai ser extinta.

Não é, pois, com o “Programa Defesa+Ciência” – cujos oito milhões representam 0,002% do PIB... – que se obterá a interação do ensino superior com empresas para projetos industriais de alta exigência tecnológica e de inovação na área da Defesa. Os politécnicos e as universidades podem, e devem, ser muito mais úteis do que isso na aplicação dos 5% do PIB em Defesa em Portugal.

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