Conselhos a uma Mãe-Pólis. Os pais, mães e futuros bebés agradecem
O bebé alimenta-se do tempo de dedicação e é daí que pode retirar o necessário que lhe permitirá tolerar a separação, no fundo a possibilidade de se separar e crescer
Psicoterapeuta e Psicanalista de crianças, adolescentes e adultos
O bebé alimenta-se do tempo de dedicação e é daí que pode retirar o necessário que lhe permitirá tolerar a separação, no fundo a possibilidade de se separar e crescer
A palavra Pólis designava na Grécia antiga a Cidade-Estado, unidade política e social que abarcava amplamente as diferentes formas de governo. Pólis actuava como provedora e protectora dos seus cidadãos, cuidando e nutrindo, zelando pelo seu bem-estar através da compreensão das suas necessidades. Pólis deu também origem à palavra Polítea, de onde provém o nosso termo Política, referindo-se à comunidade política reguladora e independente.
O exercício da política, tendo como uma das suas principais actividades a promulgação de leis de regulação da sociedade, constitui uma importante função que requer capacidades exigentes. Trata-se de conseguir compreender o que sentem os seus cidadãos, as suas queixas e necessidades, sendo para tal necessário possuir variadas capacidades, entre elas a empática.
Trata-se igualmente de tentar ir ao encontro dessas necessidades e, nessas tentativas, encontrar o meio de satisfação das necessidades inerentes a um bom funcionamento e crescimento. Ou o melhor possível, tendo em conta que limitações existem sempre e que, mesmo acarretando a frustração das falhas e insucessos, as mesmas limitações poderão potenciar novas aprendizagens. E aí estaríamos perante uma Mãe-Pólis “suficientemente boa” - como Donald Winnicott preconizava acertadamente.
O que acabo de descrever pode ser aplicado ao papel que a função materna desempenha no desenvolvimento de qualquer bebé/criança, uma vez que tal função pressupõe o desenvolvimento de capacidades de entender, decifrar e aceder às necessidades do bebé, executadas numa multiplicidade de tentativas, através das quais se vai estabelecendo uma comunicação única que definirá aquela relação em particular. Só é possível alcançar essa riqueza através do tempo ao longo do qual a relação se vai estabelecendo. Nesta perspectiva, é o tempo que está ao serviço da função materna.
Recentemente, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, representante da Mãe-Pólis, anunciou uma proposta de alteração da legislação actual, tendo em vista a redução do tempo de amamentação durante o período laboral. A anterior medida era entendida de forma simples como algo que proporcionava à mãe e à criança um prolongamento do tempo de nutrição, representando simultaneamente uma conquista nos direitos das mulheres perante a exigente conciliação da vida profissional com a maternidade.
Para a psicologia da relação precoce e desenvolvimento infantil, o tempo dedicado aos cuidados com os filhos não é mensurável em minutos laborais. Esse tempo estabelece-se, e evolui, a partir de uma constelação complexa de trocas na relação mãe-bebé, cuja origem temporal se situa muito antes do nascimento.
O estabelecimento de relações de dependência saudáveis tem início na relação precoce, possibilitando a que na mente do bebé, e posteriormente na da criança, venha a ser possível tolerar viver a separação do outro e, consequentemente, a ligação a novos vínculos de crescimento.
Nos primeiros anos de vida, as figuras cuidadoras são as principais figuras da vida de um bebé. E são importantes não apenas por delas depender a sua sobrevivência, mas porque a sua presença através dos seus gestos, compreensão e decifração dos sinais emitidos e dedicação à satisfação de necessidades, permitem que se construa e consolide a sua representação na mente dos bebés e crianças. É a constância da presença que permite a ausência. O bebé alimenta-se do tempo de dedicação e é daí que pode retirar o necessário que lhe permitirá tolerar viver a separação, no fundo, a possibilidade de se separar e crescer.
Tendo em conta a importância crucial do tempo no exercício da função materna, o que será que a proposta dessa diminuição pretende gerar? Tornar ainda mais difícil que mães e pais dediquem parte do seu tempo diário à família, e mais particularmente aos cuidados com o bebé/criança, será o equivalente a esperar que eventuais futuros pais e mães venham a considerar como tremendamente difícil tornarem-se pai e mãe. Que tipo de compreensão e apoio todos os potenciais mães e pais encontram nesta Mãe-Pólis, que no lugar de conceder melhores condições que promovam nascimentos e crescimentos saudáveis, as diminui ou retira? Que futuros bebés-cidadãos poderão nascer desta Mãe-Pólis?
A amplitude da compreensão sobre a importância da função materna foi aprofundada por diversos autores que contribuíram não só para uma conquista da legitimação sobre o tempo necessário de dedicação a essa função, como também para que cada vez mais se valorize a qualidade da relação precoce, a união familiar, o papel e presença do pai, os cuidados educativos, etc. A adopção do pensamento científico, nas suas perspectivas, conclusões e directrizes, deveria manter-se como fundamental perante a tomada de decisões políticas, principalmente aquelas que têm em vista a sustentabilidade e progressão económica da sociedade.
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