O sector tecnológico europeu presta-se à chacota. Recentemente um sócio suíço de um grande fundo de capital de risco focado em inteligência artificial (AI) relatava uma reunião de 12 horas, em Estugarda, em que notários tiveram de ler em voz alta os documentos de uma ronda de investimento. O serviço custou €86.000, sem taxas legais, e obrigou a que representantes de todos os investidores estivessem na sala. Infelizmente, por cá, e apesar do Simplex, ainda não é atractivo levantar capital.
Histórias destas são a ponta de um iceberg de obstáculos à escalabilidade da inovação na UE, apesar de todo o talento e investigação locais. Um tema endereçado pelo movimento “aceleracionista”, que está a trabalhar com a Comissão para criar uma entidade pan-europeia que simplifique e harmonize as regras de criação de empresas. Mais que impostos e burocracia, o problema é a fragmentação do mercado, das línguas, das leis.
Ora, se não fossem mais obstáculos a economia digital podia ser o eixo unificador. Vejam-se os recentes regulamentos sobre cripto (MiCA) e sobre AI (AI Act). Apesar de inicialmente aplaudidos, pois aparentavam preparar o futuro, acabaram por descambar. Quer pelas díspares e complicadas implementações entre estados-membros, contrárias ao espírito das políticas; quer pelas proibições que impuseram aos utilizadores europeus no acesso à tecnologia, e custos que imputaram às startups, incentivadas a sair e a focarem-se noutros mercados equivalentes. O que nos prejudica a todos. Voltando à Alemanha, é hoje aceite que várias PMEs do Mittelstand e os gigantes de vários sectores, particularmente do automóvel, perderam o comboio. E com dificuldades destas não o vão voltar a apanhar tão cedo.
Entretanto, a tomada de posse de Trump tornou a redução deste fosso ainda mais premente. Ora, deixemos de lado os problemas com que os norte-americanos terão de lidar e foquemo-nos na ameaça competitiva para a Europa. Aqui já sabíamos que o novo presidente iria nomear um empreendedor e investidor, David Sacks, para liderar um conselho de consultores para a ciência e tecnologia, focado na reforma regulatória e apoio à cripto economia e AI. Entretanto já anunciou um grupo de trabalho para implementar uma reserva estratégica de bitcoin. Uma política em que a nossa congénere favorita foi rápida a tentar seguir, com alguns partidos e o ex-Ministro das Finanças alemão a liderarem esforços para serem os primeiros aprovar semelhante reserva na velho continente. Uma proposta que já apresentámos ao governo em 2022, e pela qual continuamos a trabalhar.
Mas o mais importante foi o anúncio de um investimento de 500 mil milhões de dólares em infraestrutura de AI, com o envolvimento da Microsoft, OpenAI, Oracle e NVIDIA. Um consórcio problemático, sim, e ainda não se sabe como o vão financiar. Mas, ajustado à inflação, este montante é quase o dobro do programa Apollo. E também não se sabia como iam chegar à lua quando Kennedy discursou. E por cá? Para onde queremos ir com a economia do futuro?
Hugo Volz Oliveira é secretário do Instituto New Economy, que agrega líderes de indústria e cidadãos que queiram promover a participação Portuguesa na economia digital; organizando eventos educativos, publicando artigos de investigação, e criando comissões de melhores práticas e de ética sobre tecnologias emergentes.
Nota: O autor escreve ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.
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