Opinião

De Portugal para a Europa - um impulso reformista

De Portugal para a Europa - um impulso reformista

João Albuquerque

Eurodeputado do PS

Há muito tempo que o eleitorado tradicional da esquerda democrática dá sinais de que a família social-democrata não se afigura capaz de apresentar um modelo político e socioeconómico verdadeiramente distintivo e alternativo de sociedade

Se a realização das eleições europeias em Portugal, poucos meses após as eleições legislativas de 10 de março, abriu espaço para um debate mais aprofundado sobre “temas europeus”, algo pouco comum em eleições anteriores, a situação de instabilidade política, com um governo minoritário, fez com que o momento eleitoral tivesse sido percecionadas como uma continuação do anterior. A vitória do Partido Socialista, que num contexto difícil, conseguiu eleger oito eurodeputados, é encorajadora para a nova liderança do PS, mas não altera a relação geral de poder entre a coligação governante e os socialistas na oposição; nem tampouco permite retirar conclusões significativas da queda da extrema-direita. Que leitura podemos então fazer dos resultados?

A primeira nota positiva é a redução da abstenção, com mais 600 mil eleitores e uma subida de 6 pontos percentuais face a 2019, bem como o facto de uma parte considerável da campanha se ter concentrado em assuntos europeus. Tópicos como as migrações, as novas regras para a governação económica, a habitação e os assuntos sociais e a segurança e defesa, especialmente em relação à Ucrânia e ao alargamento, foram temas quentes durante a campanha e proporcionaram debates intensos e diferenciadores entre os dois principais partidos, e discussões acaloradas com os partidos mais à esquerda e mais à direita.

O segundo apontamento é que a vitória do Partido Socialista, apenas três meses após as eleições legislativas, tem duas leituras evidentes. A primeira, que os portugueses não caíram na armadilha das medidas eleitoralistas ad hoc anunciadas pelo Governo nas últimas semanas e não aprovam a sua reiterada estratégia de evitar o Parlamento; a segunda, que após o resultado de março passado, o eleitorado português parece estar a reconciliar-se com o Partido Socialista e reconhece o seu legado progressista na Europa.

A nota final é para uma análise mais ampla do quadro europeu. Ao longo dos últimos anos, a Península Ibérica manteve-se sempre como uma referência da esquerda progressista e democrática - e os socialistas espanhóis conseguiram um resultado positivo, pese embora as duras condições em que disputaram estas eleições. É, por isso, um bom sinal que, depois de tantos anos, os dois países ainda possam manter uma base de apoio social-democrata significativa. No entanto, na Europa, incluindo na Ibéria, creio haver motivos para reflexão na família socialista.

Mesmo que os resultados em França, Alemanha, Itália e Áustria fossem mais ou menos esperados, isso não os torna mais fáceis de digerir, nem tampouco diminuem o seu impacto para o futuro da UE. Há muito tempo que o eleitorado tradicional da esquerda democrática dá sinais de que a família social-democrata não se afigura capaz de apresentar um modelo político e socioeconómico verdadeiramente distintivo e alternativo de sociedade. E se é verdade que continua a ser o segundo maior grupo no Parlamento Europeu, uma análise mais aprofundada dos resultados evidencia dois problemas gerais: o desequilíbrio geográfico da representação política e as disparidades etárias no eleitorado socialista; e as fragilidades que começam a surgir em alguns dos seus bastiões tradicionais, particularmente na Península Ibérica e nos países nórdicos. Para além disso, a força conjunta dos dois grupos de extrema-direita - ID e ECR - fica a apenas seis deputados do total de membros dos socialistas. Se lhes juntássemos os restantes partidos de extrema direita ainda não filiados, estes seriam mesmo a segunda maior força no Parlamento Europeu.

No geral, e independentemente dos resultados positivos em Portugal, com um claro triunfo das forças democráticas e pró-europeístas, os resultados europeus deviam obrigar a uma reflexão abrangente para o centro esquerda e o centro direita. Não querendo meter a foice em seara alheia, há três questões principais que julgo pertinentes para reflexão da família social democrata europeia: 1) o que temos a oferecer, enquanto socialistas, que difere substancialmente do status quo; 2) quais são os princípios europeus comuns da social-democracia que permitem unir os diferentes partidos nacionais e oferecer uma visão para o projeto europeu e os seus cidadãos e 3) como se pode tornar a social democracia popular novamente. Numa altura em que os quatro maiores países europeus se confrontam com um cenário político difícil, responder a estas três questões pode ser um bom ponto de partida para recuperar a força política dos socialistas europeus. A recuperação da sua vitalidade e capacidade reformista é essencial à continuidade e sobrevivência do projeto europeu.

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