Para salvar o SNS é (sobretudo) necessário não estragar
Quando tanto se fala num plano de emergência para o SNS, é tão emergente corrigir o que não funciona, quanto impedir que se estrague o que funciona bem
Diretor-geral da Associação Nacional de Laboratórios Clínicos
Quando tanto se fala num plano de emergência para o SNS, é tão emergente corrigir o que não funciona, quanto impedir que se estrague o que funciona bem
O SNS, e a saúde dos Cidadãos, são demasiadamente importantes para experimentalismos e reformas apressadas e atabalhoadas, como aquela que nos trouxe até à emergência.
Qualquer política pública deve ser participada e amadurecida, assentar em conhecimento científico, dados empíricos e numa visão clara do(s) objetivo(s) a prosseguir. E, por maioria de razão, uma reforma deve ser previamente apresentada, sujeita a discussão pública, e com metas claras e mensuráveis, intermédias e finais.
O que se diz não é novo, nem estranho. É o que se faz, ou deve fazer, em qualquer empresa ou organização, mas que insistentemente se ignora na Coisa pública. Avançou-se com uma “reforma” do SNS sem discussão pública, sem metas mensuráveis, e da manhã para a noite essa “coisa” das Unidades Locais de Saúde (ULS) – há décadas existentes em Portugal e sem grandes resultados que se vejam – passaram a ser as salvadoras do SNS. E isto porque se dizia que o SNS “estava mal” e que “temos que defender o SNS”. Mas não é isso o que todos queremos? Que metas foram estabelecidas? Quantas foram cumpridas? Que benefícios se alcançaram?
Ninguém o sabe responder, e parecemos todos confortáveis com algo assim tão estranho que, a alturas tantas, até parece ser “normal”. Não é!
Estamos confrontados com a confusão de tudo deixarmos a meio, porque também não sabíamos para onde íamos. E, qual latinos, há quem aproveite para se vitimizar, porque na confusão há sempre motivo para não se verem os (muitos) erros cometidos e a impreparação com que se avançou para uma tal “reforma”.
Mas desta vez façamos diferente. Escalpelizemos bem o que verdadeiramente está a causar dano aos Cidadãos e ao funcionamento do SNS, antes de acharmos que tudo temos de reinventar, não raras vezes para ficar pior.
São os laboratórios de análises clínicas convencionados e a sua densa rede capilar, que disponibilizam mais de 3200 pontos de acesso aos Cidadãos e que garantem que nenhum cidadão está a mais de 15 minutos de um posto de colheitas, que prejudicam o acesso de proximidade dos Cidadãos a cuidados de saúde? São os laboratórios privados convencionados, e que são os únicos a cumprir as regras do licenciamento que o Ministério da Saúde impõe, que prejudicam a qualidade dos cuidados? É o setor convencionado, que não vê os preços pagos pelo Estado serem atualizados de há décadas a esta parte e que representam sensivelmente a mesma despesa para o SNS hoje, em que o SNS tem um orçamento de cerca de 15 mil milhões, do que quando o SNS tinha um orçamento de 8 mil milhões, que desequilibra financeiramente o SNS? Não, não é!
Então por que razão se pretende destruir a rede de convencionados que ao longo de 40 anos foi sendo construída em benefício dos Cidadãos? Por que razão insistem as ULS em internalizar os serviços de análises clínicas, forçando os Cidadãos a realizarem as suas análises nos escassos pontos de acesso da ULS, prejudicando gravemente o acesso e a liberdade de escolha dos utentes, bem como a sobrevivência dos laboratórios convencionados? E, para isso, consumindo mais recursos financeiros, assim se gastando mais para serviços piores, sem garantia de qualidade, e com limitações graves no acesso dos Cidadãos?
Não se percebe. Tal como não se percebe que num dia os laboratórios sejam os salvadores do País quando se enfrenta uma pandemia, e no dia a seguir sejam perseguidos porque alegadamente se concertaram para dar uma resposta ao Estado, como este o exigiu.
Mas a verdade é que também não se percebe chegarmos a 2024 e termos de lançar mão de um plano de emergência para “salvar o SNS”, por conta de uma reforma que queria “salvar o SNS”. Salve-se lá o SNS, mas não se estrague o que ainda funciona bem e eficientemente. Se fizerem o favor!
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