Opinião

Delors, socialismo e Europa

Delors, socialismo e Europa

Inês de Matos Pinto

Jurista, conselheira no Grupo S&D do Parlamento Europeu

A notícia do falecimento de Jacques Delors, a pouco mais de seis meses das próximas eleições europeias, provoca um ímpeto de reflexão sobre o futuro da União Europeia e sobre as escolhas democráticas em curso nos Estados-Membros que a ela aderiram, incluindo Portugal.

Jacques Delors, socialista francês, é uma das figuras mais emblemáticas do projeto europeu. Faleceu ontem com 98 anos. O seu legado será por outros merecida e devidamente descrito e discutido nos próximos dias. Por agora, de sublinhar que, durante os cerca de dez anos em que presidiu à Comissão Europeia, testemunhou, no mesmo ano em que iniciou o seu mandato em 1985, a adesão de Portugal às Comunidades Europeias pela mão do então primeiro-ministro socialista Mário Soares, enfatizando durante a cerimónia de assinatura a importância histórica da adesão de um Portugal livre e democrático.

Após 38 anos, não há dúvidas sobre o marco deixado pelo socialismo português e europeu no desenvolvimento de uma União Europeia que vai além de um mercado interno de livre circulação ou moeda comum. Bastaria mencionar, a título de exemplo, as Diretivas europeias relativas a salários mínimos adequados ou à transparência remuneratória que visa reforçar a igualdade de remuneração entre homens e mulheres adotadas nos últimos dois anos e negociadas por eurodeputadas socialistas. Contudo, também António Vitorino, ex-Comissário socialista português, foi decisivo no processo de criação da Carta dos Direitos Fundamentais em vigor desde 2009 e foi sob a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia em 2021, durante o governo de António Costa, que foi organizada a Cimeira Social do Porto com o objetivo de reafirmar o papel dos direitos sociais na União. Foi, ainda, graças ao trabalho dos socialistas europeus que houve neste mandato uma mudança clara de abordagem às sucessivas crises vividas, desde a pandemia à guerra na Ucrânia, e ao seu subsequente impacto económico e social, baseada na solidariedade e em contraste claro com as políticas desastrosas de austeridade escolhidas como resposta à crise financeira de 2008.

Não obstante, e embora o lema da União seja “unida na diversidade”, pela Europa fora o discurso xenófobo e de ódio tem vindo a alimentar o crescimento de forças políticas de extrema direita que ganharão, ao que tudo indica, uma representatividade sem precedentes na composição do próximo Parlamento Europeu. Este não é um problema exclusivo a Portugal e as eleições recentes nos Países-Baixos mostraram bem o perigo dos lobos em pele de cordeiro quando se chega ao boletim de voto. Apesar de defender políticas que constituem um retrocesso democrático e social, a extrema-direita galvaniza o eleitorado fragilizado e descrente mais do que chama o eleitorado apático ou indiferente ao voto útil.

De acordo com os últimos Eurobarómetros publicados, os portugueses continuam a ser dos mais europeístas, com uma opinião maioritariamente positiva em relação ao Parlamento Europeu e em larga medida com intenção de votar nas eleições do próximo ano. Porém, são também dos mais preocupados com a atual crise do custo de vida e com a situação económica do seu país, e não estão inteiramente satisfeitos com as medidas adotadas pela União às dificuldades que têm enfrentado.

Parece-me, pois, evidente que a melhor forma de honrar a memória de Jacques Delors é simultaneamente a melhor defesa quanto ao “cavalo de Tróia” que hoje ameaça tanto a democracia portuguesa como a democracia europeia. Trata-se, sobretudo, de defender a União que ajudou a moldar e de fazer cumprir a Europa Social preconizada no Pilar Europeu dos Direitos Sociais adotado em 2017. Desde a habitação à saúde, da educação ao emprego, do apoio aos mais vulneráveis à igualdade de género. Se refletirmos bem, quase todas as angústias e medos de que se fazem valer as narrativas que envenenam e condicionam atualmente o debate público se resumem a estas questões essenciais em qualquer Estado de direito democrático. São precisamente estas seguranças que o socialismo pode e deve dar, tal como ilustrado pelo Orçamento de Estado aprovado para 2024 ou o aumento do salário mínimo a partir de janeiro, principalmente numa altura em que a direita moderada está tentada a fazer do extremismo um aliado não pelo interesse maior de um país, mas apenas por interesse próprio e à falta de propostas próprias.

Por estas razões, o desafio dos próximos seis meses é lembrar que Portugal precisa da Europa e que a Europa precisa de Portugal. Para o Partido Socialista, uma nova liderança traz consigo a possibilidade de escrever uma nova página em que acresce lembrar que a Europa se fez e se quer social e, para isso, há que escolher uma verdadeira “equipa Europa” que consiga cumprir esse desígnio e em que os eleitores se vejam realmente refletidos e refletidas.

As opiniões expressas neste artigo são estritamente pessoais e não representam as posições do Parlamento Europeu ou do grupo S&D.

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