Opinião

Acerca da proposta de Orçamento

Acerca da proposta de Orçamento

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

À boa maneira socialista, o Governo compensa largamente a perda de receita de IRS com o aumento da receita dos impostos indirectos (socialmente muito mais injustos) em 7,8% (cerca de 3,3 mil milhões de euros). E recorrendo a medidas tão disparatadas como o agravamento do IUC para os veículos mais antigos, precisamente aqueles que, na esmagadora maioria dos casos, pertencem às pessoas de menores rendimentos

Logo após a apresentação da proposta de Orçamento para 2024, começaram a surgir os comentários apontando para o facto de o documento retirar ao PSD discurso e margem de manobra para as críticas.

O argumento não tem, a meu ver, qualquer sentido. Mas corre o risco de obter vencimento se, continuamente repetido, como certamente ocorrerá, não for adequadamente contraditado.

O primeiro ponto dessa tese relaciona-se com aquilo que tem sido designado por “contas certas”.

Parece que o Partido Socialista descobriu, finalmente, a importância do equilíbrio orçamental. Ainda bem. Mais vale tarde do que nunca. Mas que preço pagámos por esse atraso? Entre outros, termos sido, em 2002, o primeiro País objecto de um procedimento por défice excessivo. E, em 2011, a necessidade de recorrermos, pela terceira vez na nossa história recente, à ajuda financeira externa.

Nada de surpreendente, ainda assim. Porque, em muitos outros domínios, a sistemática tendência do PS para procrastinar teve custos muito negativos. Lembremos, por exemplo, a resistência em abrir portas à privatização das empresas nacionalizadas após o 11 de Março de 1975, em admitir a consagração do referendo a nível nacional ou em abrir à iniciativa privada a televisão e a rádio. Ou a recusa, que permanece, em introduzir na nossa lei fundamental alterações importantes em sectores estratégicos.

Importa, por isso, começar por analisar em que termos é que o excedente orçamental previsto para 2024 é construído. Pelo nível de crescimento económico? Pelo aumento da contribuição da procura externa? Pela contenção da despesa da despesa pública? Pela diminuição da carga fiscal? Não!

Para 2024, a proposta de orçamento indica que o PIB crescerá, em volume, 1,5%. Abaixo, portanto, dos 2,2% do corrente ano.

No que toca à procura externa líquida, a previsão é que dê um contributo negativo, em resultado de um aumento das exportações de 2,5% e de um incremento das importações de 3,2%.

Em matéria de despesa pública, antevê-se uma subida do seu peso de 42,6% do PIB para 44,5%.

Já a carga fiscal deverá subir para os 38%, um novo recorde histórico e a manutenção de um registo (negativamente consistente) que vem desde a chegada ao Governo do PS em 2015.

Por outro lado, em 2022, o Estado cobrou cerca de mais 7 mil milhões de euros de impostos e contribuições do que aquilo que tinha orçamentado. E, em 2023, mais 6 mil milhões. No total, a exorbitante quantia de 13 mil milhões de euros, em larguíssima medida “à boleia” do crescimento exponencial da inflação. Pergunto: o que seria das contas certas sem esse enorme aumento? E o que seria das contas certas se o Governo, que tanto se ufana das medidas extraordinárias de mitigação da crise que pôs em prática, não tivesse devolvido aos cidadãos apenas uma parcela desse enorme aumento?

O segundo ponto tem que ver com a diminuição do IRS. Em Agosto passado, o PSD anunciou um conjunto de medidas neste domínio, que mereceu uma avaliação positiva generalizada. Medidas para pôr em prática ainda em 2023, precisamente para aliviar os cidadãos das dificuldades que enfrentam, recorrendo à folga gerada pelo aumento extraordinário da receita e, consequentemente, sem qualquer agravamento da carga fiscal.

De imediato, o PS veio rejeitá-las. Agora, embora com atraso, adoptou uma parte delas (e, seguramente porque 2024 é um ano eleitoral, indo muito além dos 524 milhões que indicara no Programa de Estabilidade). Ignorou, porém, outras, de evidente acerto, como o estabelecimento de um tecto máximo de 15% para o IRS dos jovens até aos 35 anos ou o incentivo à produtividade, através de uma baixa do IRS para todos os rendimentos relacionados com o respectivo incremento.

Mas, à boa maneira socialista, o Governo compensa largamente a perda de receita de IRS com o aumento da receita dos impostos indirectos (socialmente muito mais injustos) em 7,8% (cerca de 3,3 mil milhões de euros). E recorrendo a medidas tão disparatadas como o agravamento do IUC para os veículos mais antigos, precisamente aqueles que, na esmagadora maioria dos casos, pertencem às pessoas de menores rendimentos.

No que ao investimento público diz respeito, a proposta de Orçamento aponta para um aumento de 0,5 pontos percentuais. Mas como acreditar num Governo que, em 2022, deixou por executar, neste domínio, 1,5 mil milhões de euros e, em 2023, 1,2 mil milhões de euros?

Como é óbvio, um orçamento não é, apenas, a listagem de um conjunto de despesas e de receitas. Muito mais do que isso, é a tradução concreta de opções fundamentais de política. E, da proposta apresentada, não se retira qualquer elemento relevante no que toca

à resolução dos principais problemas que, enquanto comunidade, enfrentamos.

Não há soluções para o descalabro da saúde (sendo, a este respeito, muito significativas as considerações do Ministro das Finanças, segundo o qual as dificuldades do SNS não resultam de questões financeiras). Não há soluções para o problema da recuperação do tempo de serviço dos professores. E, sobretudo, não há quaisquer soluções para estimular o anémico crescimento económico (e, consequentemente, da riqueza), como, por exemplo, a redução do IRC.

Volto ao início: num contexto destes dizer que o PSD fica sem discurso perante a proposta de orçamento (ou, pior ainda, que esta podia ser a proposta de orçamento do PSD) só pode resultar de uma de três coisas - distracção, desconhecimento ou má-fé.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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