Com toda a certeza, Alberto Núñez Feijóo não terá sucesso, hoje, na sua tentativa de investidura parlamentar como Presidente do Governo de Espanha. E, na segunda votação, que, nos termos constitucionais, ocorrerá na próxima sexta-feira, o mesmo sucederá. Assim o ditará os 178 votos do albergue espanhol composto por socialistas, extrema-esquerda, nacionalistas (de direita e de esquerda), independentistas e herdeiros políticos do terrorismo basco.
Ficará aberto, pois, o caminho para Pedro Sánchez. Que não se importará de pagar qualquer preço para realizar a sua ambição pessoal de permanecer no cargo que vem exercendo desde 2018.
Como é sabido, tudo está nas mãos de Carles Puigdemont e dos sete Deputados do seu partido “Junts per Catalunya”. Que já impôs as suas condições: utilização da língua catalã no Congresso dos Deputados (e, também, nas instituições europeias), amnistia para os condenados no processo relacionado com a declaração unilateral de independência de Outubro de 2017 e realização de um referendo sobre a autodeterminação.
Tudo isso é de tal forma inconstitucional e politicamente esdrúxulo, que qualquer pessoa responsável deveria, pura e simplesmente, ignorar o ultimato (porque é disso que verdadeiramente se trata). Sánchez, não. Na véspera daquele anúncio, enviou a Bruxelas a sua emissária, Yolanda Diaz, líder do “Sumar” e segunda Vice-Presidente do Governo, para, despudoradamente, manter sorridentes conversações com um foragido da justiça. E prepara-se, agora, para se render a todas as exigências, sem qualquer preocupação com aquilo que deveria ser a sua principal tarefa: defender Espanha e os espanhóis.
No que à questão linguística respeita, a reivindicação já foi cumprida, de resto, embora alargada ao basco e ao galego, para agradar a outros parceiros (pois a concessão de um estatuto especial ao catalão seria insustentável perante estes).
Sucede que a Constituição espanhola é clara: a língua oficial é o castelhano. E as demais línguas são oficiais, mas apenas nas respectivas Comunidades Autónomas e nos termos que o seu estatuto determinar.
Na Catalunha, apesar de o Estatuto estabelecer, evidentemente, que o castelhano também é língua oficial, o Governo regional declarou que não cumpriria a decisão do Supremo Tribunal local, que determinou que pelo menos 25% das aulas teriam de ser nele leccionadas. E Sánchez, o que fez? Nada.
Perguntam alguns que mal vem da utilização das línguas regionais nas sessões do Congresso dos Deputados. Muito. Pois, para além do facto de ser manifestamente contrário à lei fundamental, é evidente que constitui mais um passo para a erosão de um factor essencial da unidade nacional.
Invocam, outros, exemplos de países onde tal sucede, como a Bélgica, a Suíça ou o Canadá. Ora, as situações não são, manifestamente, comparáveis. Desde logo, na medida em que se trata de federações, compostas, portanto, por Estados, e não por simples regiões. Depois, porque, nos dois últimos casos, é a própria lei fundamental que estabelece as línguas oficiais (alemão, francês, italiano e romanche na Suíça e inglês e francês no Canadá).
“Pequeno” detalhe: em Junho de 2022, o PSOE de Sánchez votou contra a utilização, no Congresso dos Deputados, das línguas regionais, admitindo, apenas, discutir a questão no âmbito do Senado, por se tratar de uma câmara de representação territorial.
Por outro lado, amnistiar quem quis, com manifesto e elevado dolo, amputar Espanha de uma parcela do seu território - e desviou fundos públicos para esse fim - é politicamente desprezível. Mas tem, além disso, um problema inultrapassável – é igualmente inconstitucional.
Cito, a esse propósito, um relatório subscrito, em Junho de 2021, pelo Ministro da Justiça do Governo de Sánchez: “A base da convivência radica no império da lei e isso traduz-se em que nada, nem ninguém, está acima dela. (…) A democracia espanhola deu uma resposta, dentro da lei, aos que se situaram fora da lei. (…) Diferentemente da amnistia, claramente inconstitucional, que reclamam alguns sectores independentistas, o indulto não faz desaparecer o delito”.
Finalmente, o referendo sobre a independência é, para não variar, inconstitucional. Disse-o, com absoluta clareza, o Tribunal Constitucional espanhol quando, em 2017, declarou a inconstitucionalidade da lei da Catalunha sobre o assunto. Transcrevo uma passagem, especialmente assertiva, em que se considera que violou “princípios essenciais do nosso ordenamento constitucional – a soberania nacional, que reside no povo espanhol a própria unidade da Nação constituída em Estado social e democrático de Direito e a própria supremacia da Constituição”.
O desplante de Sánchez é infinito. Com toda a tranquilidade, desdiz hoje o que disse ontem. Politicamente falando, não tem ética, não tem valores e não tem princípios. E não hesita, por um segundo que seja, em submeter a estabilidade de um país e, até, a própria existência deste, tal como secularmente definida, aos seus desígnios de poder.
Mas, se isso já é gravíssimo, pior ainda é a subordinação acrítica de (quase) todo um partido aos desideratos de um homem, a exprobação dos poucos que ousam ter uma voz dissonante (mas que têm um percurso e uma autoridade que falam por si, como é o caso de Alfonso Guerra e Felipe González) e a renúncia a todo o percurso histórico de uma força que desempenhou, na transição e na consolidação da democracia, um papel crucial.
Não tenho memória, num regime democrático, de um desmando de tamanhas dimensões, ainda para mais por parte de quem tem a obrigação primeira de proteger as suas regras e as suas instituições. Tanto egoísmo político por parte de um homem. E tanta pusilanimidade e subserviência de um partido.
É por isso que me veio à ideia o título deste texto. Porque o PSOE já não é a sigla do Partido Socialista Operário Espanhol. Transformou-se no acrónimo de Partido Sanchista Oportunista Espanhol.