Quando procuramos compreender as razões da subida lancinante dos preços das casas, que atira tanta gente para situações de aflição e até de indignidade (todos os dias há pessoas a “mudar-se” para tendas por não terem dinheiro para alugar um quarto ou pagar uma mensalidade de casa), vamos dar à questão dos não-residentes.
Não se trata de um diagnóstico da esquerda, subitamente contagiada por um vírus de hostilidade aos milionários de outros países. É o Banco de Portugal que sublinha o problema. Num dos seus últimos Relatórios de Estabilidade Financeira (novembro de 2022), refere: “O crescimento dos preços da habitação tem sido mais acentuado nas regiões onde o peso dos não residentes é mais elevado”; “Nos últimos 10 anos, o aumento significativo da participação de compradores não residentes marcou o mercado imobiliário residencial em Portugal”; “o valor médio de transação por compradores não residentes é 95% mais elevado do que o dos compradores residentes”; “para compradores de fora da União Europeia, o valor médio de transação foi superior em 143% ao valor médio das transações envolvendo compradores residentes em Portugal”; “As transações de habitação por não residentes aumentaram significativamente no período recente, em particular envolvendo compradores com residência fora da União Europeia”; “O crédito à habitação a cidadãos estrangeiros continua a ter um peso diminuto”.
Ou seja: uma das transformações de fundo na habitação é a entrada em cena de compradores com muito dinheiro, que não residem nem pretendem residir no país, que não precisam de empréstimo para investir no imobiliário e para quem as casas não são para habitar, mas meros ativos financeiros, mercadorias para o jogo da especulação. Os efeitos são trágicos: menos casas para morar; inflação vertiginosa dos preços, tornados inacessíveis para quem tem salários médios em Portugal; a financeirização da habitação, que impede a sua desmercadorização e a sua realização como direito.
Travar a tomada pelo capital internacional das casas disponíveis nada tem a ver com xenofobia. Impedir a venda de casas a não residentes não limita a venda de casas a beneficiários do estatuto de asilo ou imigrantes (que residem cá, e muitos são atirados pela crise habitacional para residências e quartos, onde se amontoam, ou até para bagageiras de automóveis transformadas em camas). Ou aos nossos emigrantes que aqui têm uma casa para quando vêm ao país ou para quando um dia regressarem. Trata-se apenas de estancar o processo especulativo que transformou Portugal num inferno para quem procura uma casa para viver e num paraíso para fundos imobiliários, vistos gold e não-residentes.
Medidas como esta já foram aprovadas no Canadá, e debatidas ou aplicadas na Nova Zelândia ou em Ibiza. Se-lo-ão, provavelmente, em muitas outras regiões ou países, a braços com problemas semelhantes ao nosso. Se queremos ter um país para todos os que cá residem, portugueses ou estrangeiros, precisamos de ações como esta. Uma república não é uma praça financeira e as casas não são uma simples mercadoria.
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