As importações de electricidade de Espanha e a segurança energética têm estado na ordem do dia. Portugal, no ano passado, entre o período de seca extrema e o fecho das centrais de carvão (que já não tinham expressão significativa na produção nacional), duplicou os custos com importação de electricidade de Espanha (1659 milhões de Euros, 9260 GWh). Ao valor das importações de Espanha, deve descontar-se o que se poupou em importação de gás. Também é preciso separar a importação de socorro, em que a alternativa seria o corte programado do consumo (como no prolongamento da estiagem de 2021/22) da importação por mera optimização económica, como neste ano, em que importamos porque a combinação de renováveis e nuclear espanholas produz electricidade a preços mais competitivos.
O Relatório de Monitorização de Segurança de Abastecimento do Sistema Eléctrico Nacional (RMSA-E) tem alertado para os riscos de perda de segurança no abastecimento, a qual está longe de ser assegurada na próxima década. O problema pode não ser imediato mas chegará - sobretudo se Espanha persistir no encerramento de centrais nucleares - e não podemos ignorar o impacto das decisões que poderão vir a ser tomadas no país vizinho. Também o PNEC está longe de resolver a situação, prevendo-se um aumento significativo do consumo, devido à electrificação da sociedade e à produção de hidrogénio verde.
Na Alemanha, o abandono do nuclear resultou numa maior dependência do gás e do carvão, e a sua electricidade é agora cinco a dez vezes mais intensiva em carbono do que em França. A Alemanha tem sido um importador líquido desde o encerramento das centrais nucleares e o volume de importações continua a aumentar (7.2 TWh até final de agosto). É uma contradição importar energia nuclear francesa (que só neste ano exportou 25,8 TWh de eletricidade, metade do consumo anual em Portugal) enquanto rejeita qualquer legislação da UE que reconheça a energia nuclear como fonte de energia de baixo carbono. Embora parte da electricidade importada venha de países, como a Dinamarca, com grande produção eólica, tal não justifica tamanha hipocrisia.
A Alemanha mantém que não está dependente da electricidade importada, apenas a usando por ser mais barata. A Alemanha utiliza já a sua lenhite (que ninguém mais quer, e cuja exploração levou recentemente ao desmantelamento de um parque eólico) como substituto, juntamente com as importações, para as centrais nucleares encerradas e a restante procura. A lenhite não será abandonada antes de 2038, eentretanto, a Alemanha terá de construir novas centrais eléctricas a gás, as quais 'promete' vir a operar a hidrogénio para meados da próxima década. Mas terá também de introduzir medidas adicionais para evitar a escassez de electricidade durante os períodos de maior procura. Para já, sem novas centrais a gás, a Alemanha enfrenta um défice de capacidade de produção de electricidade até 2030, o qual nem a expansão das energias renováveis conseguirá compensar.
A visão alemã da transição energética tem servido de inspiração ao que por cá se almeja fazer. Por esse motivo devemos olhar com atenção para o que por lá acontece. A situação presente e os receios estão amplamente retratados num documentário recente da cadeia televisiva pública alemã DW, "Blackout in Germany: Horror scenario or genuine possibility”. Também na Alemanha, o operador de rede alertou os dirigentes alemães para a possível ocorrência de problemas na segurança do abastecimento. Para as médias empresas, nomeadamente as de consumo intensivo de energia, o maior problema, para além dos preços mais elevados da Europa, reside nas falhas de rede. Os industriais alemães, começam a notar o custo do abandono, por razões políticas, das fontes de energia que estão disponíveis 7 dias por semana e 24 horas por dia e começam a questionar a eficácia do investimento de 500 mil milhões de euros na 'Energiewende', a transição energética alemã. Devido aos custos da energia tem-se verificado uma forte perda de competitividade. Alguns países, como a Polónia, estão a criar as condições para atrair algumas dessas indústrias, e até possuem um plano energético ambicioso para a descarbonização, incluindo a implementação de energia nuclear para apoiar estas ambições. Portugal e o seu plano energético poderão vir a atrair algumas dessas indústrias?
Também na Suíça, cuja estratégia energética para 2050 prevê o abandono progressivo da energia nuclear e a expansão das energias renováveis, discute-se a segurança energética. A medida é suscetível de criar um défice de electricidade numa altura em que a procura está a aumentar e a Suíça continuará a depender das importações. A Suíça, à semelhança dos Países Baixos, dispõe de um estudo que avaliou vários cenários de baixo carbono e os seus custos, onde se conclui que a combinação de produção de energias renováveis e de carga de base nuclear têm custos de sistema consistentemente mais baixos do que os cenários baseados exclusivamente em energias renováveis variáveis, como a solar fotovoltaica e a eólica. O cenário mais rentável para atingir emissões líquidas nulas de carbono em 2050 consiste em manter a operação de longo prazo das duas centrais nucleares mais recentes (2.2 GW), mantendo os níveis de 2022 de capacidade de interligação com os seus vizinhos. Numa Suíça menos interligada, a continuação da operação dessas centrais mais recentes e a de novas centrais nucleares (3.2 GW) seria a alternativa com custos mais baixos. A Suíça depende do acesso ao mercado e da capacidade de reserva dos outros países da rede interligada, mas actualmente não existe um acordo com a UE que defina a integração do sector energético suíço no sistema energético europeu. As negociações de um pacote completo de novos acordos com a UE, incluindo um sobre energia, têm sido lentas. O que é digno de nota é que a Suíça tem opções viáveis estudadas.
Espanha com renováveis e nuclear consegue produzir electricidade a preços competitivos. Na Suíça a combinação de produção de renováveis e carga de base nuclear prevê custos de sistema mais baixos do que cenários baseados exclusivamente em energias renováveis. E em Portugal? Quais os cenários com os custos de sistema mais baixos, que assegurem preços competitivos e segurança do abastecimento na próxima década? Podemos ignorar os vários indícios e avisos, e fazer de conta que vai tudo correr bem. Mas não seria mais prudente perder algum tempo a estudar o assunto e todas as potenciais soluções e opções? Fazer as contas em vez de "fazer de conta"… porque num 'blackout' todas as energias são pardas.
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