Opinião

As Causas. Governo à deriva no cabo do medo

O nosso Governo – assustado com as sondagens e, em especial, com medo de aquilo que os reformados fizeram ao PSD no tempo de Passos Coelho seja agora feito ao PS, nos tempos de António Costa – prepara-se para fazer de Pai Natal a favor de outro pilar da sua base de apoio

Hoje vamos andar à volta de sondagens e seus efeitos, em Portugal e no Brasil.

Mas também se falará da Estrada de Damasco e do Cabo do Medo, este na Carolina do Norte.

E até se vai falar do Pai Natal e do “Navio” de Fellini, pois afinal andamos à deriva, com um governo assustado pelas sondagens.

PORTUGAL NO DIVÃ DAS SONDAGENS

Nas últimas duas semanas foram divulgadas sondagens de Intercampus, Aximage e ICS/ISCTE.

Por isso, faz todo o sentido compará-las para detetar consistências e linhas de tendência.

Estas são, em minha opinião, as principais conclusões comuns às 3 sondagens:

  1. O PS perde apoios e vale menos do que os 4 partidos de Direita (PSD, IL, CDS e Chega), sendo a pior situação revelada na Aximage (34,5% versus 48,4%) e a melhor a da Intercampus (30,6% versus 40,2%);
  2. Em todas as sondagens o conjunto PSD, IL, CDS tem mais do que o PS.
  3. O Chega sobe em percentagem mais do que todos os outros, melhor na ICS/ISCTE (11%) e pior na Aximage (8,9%) e é claramente o 3º maior partido;
  4. O IL fica sempre atrás do Chega;
  5. O PCP e o BE juntos variam entre 8,1% (Intercampus) e 7% (Aximage), têm sempre em conjunto menos do que o Chega, e estão pior do que nas eleições de janeiro;

Agora aquilo em que não há resultados comuns:

  1. O conjunto da Direita em relação ao conjunto da Esquerda: atrás na ISC/ISCTE, à frente na Aximage e em empate na Intercampus;
  2. Comparando com as eleições de janeiro, o conjunto da Direita aumenta apenas numa das sondagens (Aximage) em 5,3 pontos percentuais e está idêntico nas outras duas;
  3. A IL cai em 2 das sondagens e sobe numa;
  4. O PSD sobe em duas e desce em uma: melhor na Aximage (30,9%), mas na Intercampus (24,7%) está pior do que nas eleições de janeiro;
  5. A Esquerda no seu conjunto está em queda em relação a janeiro.

Agora as conclusões mais relevantes:

- O PS está em perda constante e a tendência é que – como revela a sondagem Aximage e quase a Intercampus – poderá não conseguir formar Governo nem sequer com geringonça;

- PSD, IL e CDS - mesmo que não concorram coligados – poderiam formar governo com a mera abstenção do Chega e até com o Chega a votar contra se o PS optar por evitar que o governo de Direita dependa do Chega, numa situação em que mesmo com uma nova geringonça o PS não conseguiria governar.

Ou seja, pode afirmar-se que o PS e também o PCP e o BE estão a perder em todas as sondagens em relação às eleições, mas ainda não é claro que a Direita esteja a ganhar.

No entanto, a tendência da Direita é para subir pois mesmo na pior sondagem para o conjunto estão melhor do que nas eleições.

A tendência vai acentuar-se, desde logo porque o PS vai ser obrigado a gerir a crise social e económica que tudo indica que será em 2023 muito pior do que este ano.

E isto é reforçado pelo facto de António Costa estar já em perda na avaliação de desempenho (na Aximage saldo de 8 pontos percentuais negativos), na ICS/ISCTE também e todos os seus delfins estão pior ainda (saldo negativo entre 19 e 45 pontos).

Curiosamente, mesmo entre os simpatizantes do PS, Pedro Nuno Santos só é desejado por 6%, ou seja cerca de 1/3 dos adeptos de Fernando Medina.

Curiosamente também, Cotrim de Figueiredo é o único líder com avaliação positiva na Aximage e com Rui Tavares e André Ventura, um dos três que sobe na ICS/ISCTE.

Montenegro na Aximage está muito melhor do que Costa, tem apenas um saldo de 2 pontos negativos e é depois de Cotrim já o melhor avaliado, mas divide com Ventura a perceção de liderar a oposição (cada um com 30%).

Finalmente o tesouro de Tio Patinhas, em que o Presidente da República se banha em vez do investir, está numa tendência para se esboroar, com saldo de avaliação positiva apenas de 24 pontos percentuais, a pior avaliação de sempre e quase só metade do que tinha há um ano.

Claro que isto são apenas sondagens, as legislativas são daqui a 4 anos, mas já criaram pânico no PS.

BRASIL: BICHO PEGA OU BICHO COME?

Também no Brasil se está a falar muito de sondagens que como regra subvalorizaram o voto em Bolsonaro, que teve mais 25% do que previam, e existe algum pânico nas hostes de Lula.

Mas o que espanta não é o fracasso das sondagens ou que Lula esteja à frente de Bolsonaro para a 2ª volta, mas que quase 94% dos votantes tenham escolhido os dois.

Eu sei que isto é resultado da Democracia, que o povo é soberano, que os moderados estão perdidos um pouco por todo o lado, e muito mais pode ser avançado como explicação para isso.

Mas o problema é que dificilmente se poderiam escolher piores candidatos, ambos com prova negativas dadas, pelo que ninguém pode dizer que foi ao engano.

É verdade que Lula se aliou a Geraldo Alckmin, um político centrista, e que beneficiou do voto dos que preferem “tudo menos Bolsonaro”.

E é também verdade que Bolsonaro – que distribuiu rendimento aos mais desfavorecidos como se fosse o Pai Natal - beneficiou dos que preferem “tudo menos Lula”, e muitos deles são moderados.

O problema é que, em teoria neste tipo de eleições em duas voltas, na primeira se escolhia e na segunda se recusava. Agora já na primeira volta se opta contra e não se vota a favor.

Tudo indica que Lula vai ganhar, mas a base eleitoral de Bolsonaro fez do Partido Liberal que o propôs o maior vencedor relativo e deu a vitória à Direita. Veja-se nesse sentido estes dois gráficos:

O Brasil merece melhor, mas só de si próprio se pode queixar. E não vai ser fácil, pois como diz a famosa canção, “se fugir o bicho pega, se ficar o bicho come”…

QUEM PAGA OS AUMENTOS DA FUNÇÃO PÚBLICA?

Mas não é só Bolsonaro quem faz de Pai Natal a distribuir rendimento.

O nosso Governo – assustado com as sondagens e em especial com medo daquilo que os reformados fizeram ao PSD no tempo de Passos Coelho seja agora feito ao PS, nos tempos de António Costa – prepara-se para fazer de Pai Natal a favor de outro pilar da sua base de apoio.

Estou a falar dos propostos aumentos de vencimentos da função pública. A questão não é evidentemente que o aumento médio seja – antes de progressões nas carreiras – de 3,6% no próximo ano, nem que quem ganha menos de 1000 euros seja aumentado pelo menos 5,5%. Ainda bem que assim é.

As questões são outras duas:

Quem paga os aumentos da função pública?

  1. São pagos pelos impostos dos portugueses, os quais afetam de modo desproporcionado as classes médias;
  2. Nem as PME– que pagam sempre pelo menos IVA e segurança social – nem quem nelas trabalha vai conseguir pagar/receber aumentos de 8% ou ao menos de 5,5%.
  3. Ou seja, o setor privado vai pagar no Estado o que se não consegue pagar/receber na quase totalidade das empresas portuguesas.

E que faz isto à atração de pessoal qualificado para o Estado? Desmotiva totalmente:

  1. a inflação quando nasce é para todos, mas quem ganha menos de 1000 euros vai receber pelo menos 55 euros mais e a quem ganha mais de 2600 o Estado só dá mais 52 euros;
  2. isto vai reduzir a diferença salarial ainda mais, como se essa diferença fosse absurda, como se por exemplo um assistente operacional (por exemplo um empregado de limpeza ou contínuo) merecesse ganhar quase o mesmo que um técnico superior (por exemplo um professor catedrático);
  3. e o sinal que se dá ao setor privado é para que faça o mesmo, além de que a melhor remuneração dos baixos salários no Estado atrai candidatos e contribui para a rarefação no setor privado.

Isto é também o sinal para que os mais qualificados emigrem ainda mais, pois já perceberam que não fazem parte da base social de apoio do PS.

Por favor tentem não me interpretar mal. Seria muito bom que todos fossem aumentados 8%, mas a função pública é portuguesa e não pode ser tratada como se o orçamento do Estado fosse ilimitado, o excesso de impostos sobre pessoas e empresas tudo permitisse e quanto à economia real que ela se lixe.

Por isso para mim é evidente que António Costa queria aumentar pouco mais de 2%, como aliás anunciara, e a mudança não foi o resultado de uma conversão após a queda de um cavalo numa Estrada de Damasco, em que o Deus da Função Pública lhe apareceu e disse “Costa, Costa, por que persegues?”.

Quem lhe apareceu, no Cabo do Medo, foi o Deus das Sondagens, que lhe sussurrou ao ouvido: “Já é talvez tarde de mais para agradar aos pensionistas, mas não para agarrares o outro pilar da tua maioria”. E ele vestiu-se de vermelho e deixou crescer as barbas.

E assim, recordando outro magnífico filme, “E la Nave Va”…

O ELOGIO

À Universidade Católica (Escola de Gestão), à Brisa e ao Grupo José de Mello pela organização em Arraiolos de “Perspetivas – Reflexão Empresarial e Académica”.

Tudo nos debates girou à volta da Sustentabilidade e Transição energética, Transformação Digital, Desafios da Mobilidade e Inteligência Artificial, Globalização.

Fora dos holofotes foi possível ouvir alguns dos grandes nomes mundiais nessas áreas de Kenneth Rogoff a Ioannis Ioannou, de Inma Martinez a Miguel Fonseca (CEO da Kinto/Toyota) de António Vitorino, a John Major, a António Horta Osório.

LER É O MELHOR REMÉDIO

No passado sábado, Cavaco Silva publicou um artigo no Público intitulado “Ajudar o Governo a encontrar o rumo certo”.

Curiosamente, ou não, o silenciamento do artigo - para além de uma choramingada reação de Pedro Nuno Santos, dizendo que o antigo Presidente “esqueceu-se” de algumas coisas importantes e foi “injusto” ao acusar os governos de António Costa de não desenvolverem reformas estruturais no país – foi total.

Mas, concorde-se ou não, é realmente extraordinário que o mais experiente líder político nacional seja silenciado, numa espécie de black-out estratégico.

Leiam, pois também por isso merece ser lido.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Mais uma vez, surge a notícia de que as urgências estão cheias de doentes sem gravidade que “se recusam a sair” para serem atendidos nos centros de saúde.

Também, como várias vezes nos últimos anos, há dias li que “centenas de camas do SNS” são ocupadas por idosos que não têm para onde ir, chegando a esperar mais de um ano para saberem do seu destino.

Ao fim de 7 anos de Governo, e de muita conversa, muito power point, muita prioridade aos idosos e à saúde, como é possível?

A incompetência e o desperdício de recursos são, como é obvio, suportados pelos impostos dos portugueses.

A pergunta é para Fernando Araújo, qual Gouveia de Melo com bata: é capaz de resolver isto?

A LOUCURA MANSA

O Partido Comunista da Federação Russa, o segundo maior partido russo, votou favoravelmente a anexação de 20% da Ucrânia. E subiram as penas de prisão para quem ouse criticar a invasão e os media podem ser encerrados se o fizerem.

Carlos Moedas acabou com a ofensa ao património e à paisagem que eram os cartazes de partidos na Praça do Marquês de Pombal.

O PCP referiu a violação da liberdade de expressão, da lei e da Constituição da República e classifica a decisão como "atitude de censura".

Falava da Rússia? Não, era do Marquês de Pombal.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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