Opinião

Que fazer com estes apoios?

Que fazer com estes apoios?

António Filipe

Membro do Comité Central do PCP e professor universitário

Perante um aumento da inflação que já todos sabemos que está para durar, dizer que a mitigação dos efeitos do aumento dos preços ou a manutenção do poder de compra das famílias se obtém com a atribuição uma prestação pontual e extraordinária, é simplesmente mentira

O decreto-lei publicado em 6 de setembro que estabelece medidas excecionais de apoio às famílias para mitigação dos efeitos da inflação começa com o seguinte parágrafo:

“Face ao contexto inflacionário atual afigura-se essencial estabelecer um conjunto de medidas extraordinárias que permitam apoiar diretamente o poder de compra das famílias e mitigar os efeitos do aumento dos preços dos bens essenciais”.

Sucede, porém, que perante um aumento da inflação que já todos sabemos que está para durar, dizer que a mitigação dos efeitos do aumento dos preços ou a manutenção do poder de compra das famílias se obtém com a atribuição uma prestação pontual e extraordinária, é simplesmente mentira.

As medidas constantes do decreto-lei acima citado são fundamentalmente duas:

Um apoio extraordinário de 125 euros por cada cidadão, mais 50 euros por dependente a cargo, e quem tenha um rendimento bruto inferior a 2700 euros mensais, e um complemento de meia pensão a cada pensionista, a atribuir em outubro, mas a descontar no aumento das pensões no próximo ano.

Relativamente a esta meia pensão atribuída em outubro, já foi mais que demonstrado que se trata de um truque para ludibriar as regras estabelecidas para o aumento das pensões que tem como referências a taxa de inflação e o aumento do PIB. Perante uma taxa de inflação da ordem dos 8%, deveria ser esse o valor do aumento das pensões em 2023. Com esta nova regra não vai ser. A meia pensão a atribuir em outubro serve de justificação para que o aumento em 2023 seja muito inferior. Conforme foi anunciado aumentarão 4,43%. O complemento de outubro compensa em termos meramente nominais a perda de 2023, mas implica uma perda substancial a partir de 2024.

A outra medida consiste na prestação única dos 125 euros em outubro.

Não digo que essa prestação é uma esmola. Tendo em conta os baixíssimos rendimentos de tantos milhares de portugueses, dizê-lo seria quase tão insultuoso como dizer, como já li por aí, que é preciso explicar aos pobres o que fazer com os 125 euros para que não gastem tudo de uma vez, dada a sua tendência para gastar dinheiro mal gasto, naquela que é uma nova versão do proverbial apelo para que não gastem tudo em vinho.

A questão não é essa. Certamente que quem vai receber essa prestação a achará bem-vinda e não precisará de lições de ninguém sobre como a irá gastar. O que sucede é que a prestação é atribuída em outubro, mas a inflação não vai baixar em novembro.

A prestação será única e excecional, mas a inflação é permanente e perdurará para além de outubro. A única forma de defender o poder de compra das famílias é limitar os preços dos bens essenciais e/ou aumentar o rendimento disponível com caráter permanente. Prestações com caráter assistencialista, como é manifestamente o caso, não passam de um paliativo com um impacto que rapidamente se esfumará.

Com estas medidas o Governo procura ganhar alguns meses. Em outubro, as pessoas sentem o impacto das prestações excecionais. Em novembro ou dezembro recebem subsídios de Natal. Reduzem as compras que poderiam fazer, mas mitigam os efeitos da inflação. E a partir de janeiro, como será?

Em matéria de aumentos de pensões, as notícias para já, não são boas. E em matéria de aumentos salariais, já conhecemos a teoria de Medina segundo a qual o aumento dos salários conduziria ao aumento da inflação, que é como quem diz, os trabalhadores que paguem a crise.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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